JULIANA DE FARIA - ‘Coragem é viral’

JULIANA DE FARIA

 

 

Enfim, começamos a tirar o tema do assédio sexual debaixo do tapete. A jornalista e feminista americana Gloria Steinem costuma dizer em entrevistas que, quando era criança, não existia violência doméstica, porque isso era chamado de “vida”. O mesmo acontece com o assédio: não é que não existia, mas era naturalizado.

O chefe que flertava, o professor que encostava nas meninas, o “tiozinho”, o “homem-babão”… são termos muito leves para violências muito brutais. Só foi possível retirar essa legitimação do assédio quando decidimos que não poderíamos mais aceitar isso e teríamos que apontar e falar toda vez que víssemos acontecer.

Essa mudança não acontece de um dia para o outro. Em 2013, quando criamos a primeira campanha da Think Olga, chamada “Chega de Fiu-fiu”, para questionar cantadas em locais públicos, muita gente não entendeu. As pessoas não entendiam como uma mulher poderia se sentir ofendida quando um homem a elogiava ou assobiava para ela. Tivemos então que trabalhar a definição do assédio. Chamar de “linda” é um elogio quando existe um acordo pré-estabelecido, mesmo que implícito, entre ambas as partes. Quando isso não existe, é uma violência. Porque está calcado em uma cultura que diz que os homens podem abordar mulheres quando quiserem e da forma como quiserem.

Viramos motivo de chacota por termos criado a campanha. Chacota e ódio, de homens, mas também de mulheres. Uma das primeiras mensagens sobre a campanha que eu recebi foi de uma mulher que me escreveu para dizer que desejava que eu morresse estuprada. Isso me chocou muito e me mostrou como a misoginia está incrustada na nossa sociedade.

Mas a mudança de lá para cá foi enorme. Quando fizemos nossa segunda campanha, “Meu Primeiro Assédio”, no final de 2015, as pessoas já entenderam muito mais. Enquanto a campanha anterior tratava de assédio em ambientes públicos, esta abordou o assédio em ambientes privados, mostrando que o primeiro episódio de assédio da vida de uma mulher acontece ainda na infância: em média, aos 9 anos. Com essa idade, é difícil que uma menina esteja sozinha na rua. Então o mais comum é que esse primeiro assédio tenha ocorrido em casa ou na escola.

Como sociedade, acho que estamos amadurecendo. A coragem é viral: quando uma mulher tem coragem de falar, isso dá suporte para que outras também falem. E muitas histórias têm muita força. Isso muda o que, tradicionalmente, sempre foi o pior lado do assédio: a solidão. Porque, antes, parecia que aconteceu comigo porque eu sou a Juliana, porque eu estava andando na rua àquela hora, porque eu estava com aquela roupa, porque eu tenho cabelo comprido. Mas não é uma questão pessoal; o assédio acontece conosco de forma sistemática porque somos mulheres.