O globo, n. 30775, 09/11/2017. País, p. 6

 

Cabral confirma uso de caixa dois para Pezão

Juliana Castro e Marco Grillo

09/11/2017

 

 

Ex-governador diz a Bretas que empresário repassou R$ 2,5 milhões para pré-campanha de seu sucessor

O ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) disse ontem, em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, da Justiça Federal do Rio, que, em 2013, procurou o empresário Miguel Iskin para pedir recursos para a pré-campanha do então vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que concorreria à sucessão estadual em 2014. Cabral afirmou, no entanto, que não estipulou um valor, mas que, no fim, Iskin repassou R$ 2,5 milhões em caixa dois para a campanha de Pezão e mais R$ 500 mil para um partido aliado. No último domingo, O GLOBO publicou matéria sobre a delação do marqueteiro Renato Pereira, que contava os esquemas de caixa dois do PMDB no Rio, inclusive na campanha de Pezão ao governo

— Expliquei para ele que teríamos uma parada dura pela frente, uma eleição majoritária da minha sucessão. Eu disse: vou sair em abril de 2014, nós precisamos pagar a pré-campanha. Eu nunca pedi propina, sempre pedi apoio. Pedi ao Iskin, e ele foi receptivo à ideia e nos apoiou com alguma coisa em torno de R$ 3 milhões, sendo que R$ 2,5 milhões em caixa dois e R$ 500 mil para um dos partidos que fazia parte da nossa coligação — disse Cabral.

Iskin está preso e responde a processo, acusado de pagar R$ 16 milhões em propina para o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e a Cabral. O depoimento do exgovernador foi no âmbito dessa ação.

Essa foi a primeira vez em que Cabral e Bretas ficaram frente a frente depois do último depoimento, há duas semanas, no qual o juiz determinou a transferência do exgovernador para um presídio federal. A decisão de Bretas foi, posteriormente, derrubada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.

Cabral aproveitou a audiência para se desculpar da referência que fez a familiares de Bretas na audiência anterior:

— Até me exaltei, o senhor me desculpa, naquela situação... — Está superado — disse Bretas. Em outro momento, Cabral voltou a tocar no assunto e disse que estava “exaltado”, que havia “cometido uma indelicadeza” e sido “infeliz na colocação”. Bretas respondeu:

— Eu não espero que o senhor esteja feliz da vida. O que não afasta o respeito que deve haver, partindo de mim e vice-versa — disse o magistrado.

— O senhor nunca faltou com o respeito comigo, por isso peço desculpa — afirmou Cabral.

— Essa é a minha meta, está superado. Estamos de bem — retrucou Bretas.

A transferência de Cabral foi determinada por Bretas numa audiência tensa, com bate-boca entre os dois. Na ocasião, o peemedebista acusou o juiz de querer projeção com seus casos e disse que a família do magistrado tem uma empresa de bijuterias, que seria a maior do estado. O Ministério Público Federal (MPF) pediu a transferência de Cabral para um presídio federal sob o argumento de que o ex-governador, mesmo na prisão, estava tendo acesso a informações privilegiadas. Bretas concordou com o pedido após se sentir ameaçado pelas declarações de Cabral referentes à sua família.

 

PF INVESTIGA DOSSIÊ CONTRA JUIZ

Ontem, a TV GLOBO divulgou que a Polícia Federal investiga, a pedido do MPF, a produção de dossiês contra Bretas e procuradores da força-tarefa da Lava-Jato no Rio. Há a suspeita de que Cabral, preso desde 17 de novembro do ano passado, esteja por trás dos movimentos, usando sua influência como ex-governador do estado.

Requisitada a prestar informações sobre o caso, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que um inspetor da 22ª DP, na Penha, fez pesquisas no sistema interno da Polícia Civil em busca de anotações criminais nos nomes de Bretas e de sua mulher, a também juíza Simone Bretas. As pesquisas ocorreram pelo menos em janeiro, maio e setembro dese ano, quando Cabral já estava preso.

Segundo a TV Globo, as informações sobre a produção de dossiês contra Bretas partiram inicialmente de uma denúncia feita de dentro da cadeia em Benfica, onde está o ex-governador. A Secretaria de Segurança também já entregou à PF o nome de policiais que fizeram as buscas no sistema pelos nomes do juiz e de parentes seus. No último dia 1º, o colunista Ancelmo Gois, do GLOBO, havia noticiado que Bretas suspeitava estar sendo investigado por policiais civis e militares do Rio e até por membros do Ministério Público Estadual.

Além da investigação da PF, a Polícia Civil do Rio informou que sua corregedoria também investigará o envolvimento de servidores num possível dossiê contra Bretas.

Pouco antes da audiência com Cabral, Bretas fez um breve comentário sobre a investigação que apura os supostos dossiês:

— Se é que existe (a investigação), eu não estou cuidando disso nem vou cuidar. Não tem o que falar.

Mais cedo, durante o depoimento do ex-subsecretário de Saúde César Romero, Bretas ironizou a polêmica sobre a suposta ameaça de Cabral. Romero contou que, certa vez, o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes recebeu um jaleco com uma gravata amarrada no pescoço, como forma de ameaça. Foi quando o juiz disse:

— Ah, mas isso não é ameaça. Ameaça tem que vir por escrito e com firma reconhecida do cartório.

Cabral também aproveitou o depoimento a Bretas para negar que tenha mandado fazer um dossiê contra o juiz.

Não há nada meu pessoal contra o senhor, dossiê, eu nunca fiz isso com ninguém. Acredite em mim, na minha índole — pediu Cabral.

— Eu não teria o que dizer, se é que existe alguma coisa — disse Bretas.

— É factoide, terrorismo, feito por alguém maldosamente — completou Cabral.

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Sérgio Côrtes admite ter recebido propina

09/11/2017

 

 

Ex-secretario chegou a ganhar R$ 150 mil anuais enquanto esteve no cargo

Também em depoimento ao juiz Marcelo Bretas, o ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Côrtes admitiu que recebeu propina de Miguel Skin enquanto esteve à frente da pasta e do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), mas negou que os repasses fossem oriundos de superfaturamento de contratos. Côrtes afirmou que chegou a receber até R$ 150 mil anuais, quando era secretário. Já fora do governo, ganhou US$ 5 milhões depositados em uma conta na Suíça para financiar uma eventual candidatura a deputado federal em 2014.

Côrtes disse que tinha as despesas com viagens, congressos e cursos bancadas por Skin ainda antes de ocupar a direção do Into. Em 2002, quando assumiu a chefia do Instituto, pediu ao empresário que mudasse a forma dos pagamentos. Em vez de pagar diretamente as faturas, solicitou que passasse a ser reembolsado. Nessa época, segundo Côrtes, os valores variavam entre R$ 60 mil e R$ 80 mil anuais.

VIAGEM EM CLASSE EXECUTIVA

O ex-secretário tratou a prática como um mecanismo normal de mercado e disse que outros médicos também se beneficiavam. Segundo ele, era de interesse da indústria que os profissionais tivessem acesso a novos medicamentos e procedimentos. Quando assumiu a secretaria, as viagens aumentaram e os valores anuais saltaram para R$ 150 mil.

— Dentro do Into, recebi vantagens indevidas para a minha formação. Quando assumi a direção, passei a exigir um luxo maior de viajar de classe executiva. Eu dei continuidade a esse modelo (na secretaria), continuei recebendo dinheiro do Miguel Iskin, mas como passei a ter muito mais viagens oficiais, pedi a ele que esse valor fosse alterado e passou para cerca de R$ 150 mil por ano — disse Côrtes.

O ex-secretário reconheceu que recebia os recursos em função da posição que ocupava, mas disse que a verba vinha da margem de lucro das empresas de Iskin, não do superfaturamento de contratos e direcionamento de licitações. Ele contestou a versão do delator Cesar Romero, ex-subsecretário de Saúde, que apontou benefícios ilícitos às empresas de Iskin.