O globo, n. 30768, 02/11/2017. Rio, p. 7

 

Corregedor da PM liderava tropa investigada 

Rafael Soares

02/11/2017

 

 

RIO - Em meio a um incêndio provocado por críticas à capacidade do Palácio Guanabara de controlar desvios policiais, o estado escolheu para ocupar o cargo de corregedor da PM justamente o comandante de uma tropa que está sob investigação. O coronel Jorge Fernando de Oliveira Pimenta saiu do Batalhão de Choque e assumiu ontem a função mais importante do órgão que é responsável pela investigação de irregularidades cometidas por policiais militares. Ele comandava a unidade quando moradores da Rocinha fizeram uma série de acusações contra a tropa.

Das 35 investigações abertas contra PMs desde a saída das tropas federais da Rocinha, em setembro, 20 inquéritos são relacionados ao Batalhão de Choque. Ontem, ao tomar conhecimento da nomeação do oficial, o Ministério Público estadual decidiu investigar, por conta própria, todos os casos. Promotores da Auditoria de Justiça Militar já determinaram que a Corregedoria da Polícia Militar encaminhe todos os IPMs para o MP.

UNIDADE DOI RETIRADA DA ROCINHA

Também serão apuradas supostas irregularidades administrativas dos policiais denunciados por abusos na Rocinha pelo Comando de Operações Especiais (COE), com decisão final do Gabinete do Comando Geral da Polícia Militar. As denúncias, a maioria de moradores, tratam de invasões de casas a espancamentos e roubos. Uma unidade móvel da Corregedoria chegou a ser instalada na favela, no dia 2 de outubro, a pedido da população do local, atendido pelo secretário de Segurança, Roberto Sá. Mas, no dia 6, quando já tinham sido recebidos vários relatos contra PMs, a corporação mandou retirar o veículo da Rocinha. Desde então, os moradores da comunidade passaram a procurar o MP.

Pimenta seria ouvido pelos promotores na próxima segunda-feira, como comandante do Batalhão de Choque. Agora, com a nomeação, o depoimento não tem data para acontecer. Pimenta substitui na função o coronel Wanderby Braga de Medeiros, exonerado da Corregedoria da PM na terça-feira à noite. Ele havia entregado o cargo no dia da morte da turista espanhola María Esperanza Jiménez Ruiz, que foi atingida por um tiro disparado por um PM, durante uma visita à Rocinha. O oficial ficou insatisfeito com a decisão de transferir a investigação do homicídio da Corregedoria da PM para a Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil. Além disso, ele vinha se sentindo isolado dentro da cúpula da Polícia Militar.

JOVEM DE 16 ANOS ESPANCADO

Procurada, a PM informou que “o coronel Jorge Fernando Pimenta é oficial graduado em Direito, cursado em Investigação e Perícia Criminal, e Inteligência Militar, ambos cursos feitos na corporação. Já serviu por mais de quatro anos na área jurídica da Corporação, com passagens pela Corregedoria da Polícia Militar e Assessoria Jurídica, inclusive já tendo atuado correcionalmente em diversos desvios de conduta de policiais”.

Nos depoimentos de moradores da Rocinha que estão sendo investigados, há o de um jovem, de 16 anos, que disse ter sido espancado por dois PMs do Batalhão de Choque na tarde do último dia 1º. Ele relatou que foi abordado pelos agentes, que o chamaram de “aviãozinho do tráfico” e deram uma coronhada em sua cabeça e um chute na boca. Coberto de sangue, ele teve que ser encaminhado para a UPA, onde recebeu quatro pontos na cabeça.

Outro jovem, de 26 anos, contou que voltava do restaurante onde trabalha como ajudante de cozinha no último dia 10, por volta das 15h, quando viu PMs do Batalhão de Choque revistando sua casa. Ele afirmou que se apresentou aos agentes, que disseram estar checando uma denúncia. Quando eles saíram da casa, notou que os policiais haviam levado um videogame novo, pelo qual ainda estava pagando prestações, e sua aliança de noivado.

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Turista morreu no mesmo dia que PMs da unidade foram feridos 

02/11/2017

 

 

RIO - Há mais de um mês sob forte pressão, a Rocinha explodiu, de novo. A turista espanhola María Esperanza Jiménez Ruiz, de 67 anos, foi morta com um tiro no, dado por um policial militar, quando terminava uma visita à comunidade, na manhã desta segunda-feira. Um tenente e um soldado foram presos em flagrante. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil investiga o caso com a Delegacia de Atendimento ao Turista (Deat). As informações sobre a realização da perícia no local eram desencontradas. Mas uma coisa é certa: o crime, que repercutiu em várias partes do mundo, principalmente na Espanha, levanta questões recorrentes, que já deveriam ter sido respondidas. Elas vão desde os limites da ação policial para evitar a morte de inocentes até os cuidados de segurança que devem ser adotados por empresas de turismo para não expor a risco seus clientes, muitos deles estrangeiros ávidos para conhecer cada canto da cidade. Viajante apaixonada, María não queria deixar o Rio sem ver de perto uma favela, uma realidade muito, muito distante, de sua Andaluzia, no Sul da Espanha.

ANTES, ATAQUE A POLICIAIS

A tragédia foi o clímax de um dia tenso na Rocinha. Logo cedo, a Polícia Militar, apontada como responsável pelo erro fatal, foi vítima da violência. No início do dia, dois PMs levaram tiros durante um confronto com traficantes: um policial do Batalhão de Choque levou um tiro no peito que atravessou seu colete à prova de balas e foi internado em estado grave no Hospital Miguel Couto; e um outro PM da mesma unidade foi atingido de raspão na cabeça. O som do intenso confronto foi ouvido no Alto Leblon e na Gávea.

María estava no banco de trás de um Fiat Fremont com vidros escuros, que havia sido alugado da agência de turismo Rio Carioca Tour. Com ela, estavam o irmão, José Luis Jiménez Ruiz, e a cunhada, Rosa Margarita Martínez. O veículo, que era dirigido pelo italiano Carlos Zamineta, levava ainda a guia Rosangela Reñones. A PM sustenta que o grupo teria furado um bloqueio policial. O tenente detido, em depoimento à corregedoria da corporação, teria dito que não teve a intenção de atirar no carro. Segundo ele, quando o grupo furou o bloqueio, ele atirou para o alto e para o chão. O soldado, de acordo com ele, também disparou para o alto. Ele afirmou terem sido feitos três disparos, todos de fuzil. Zamineta, no entanto, nega ter desrespeitado uma ordem dos PMs. Segundo fontes da polícia, os policiais temiam que ele estivesse sendo usado para retirar traficantes da favela. O chefe de uma das quadrilhas em guerra na Rocinha, Rogério 157, fugiu de moto com a ajuda do MC Tikão, que foi preso na última sexta-feira. Desde que começou a guerra do tráfico, a favela, que já esteve ocupada por tropas federais, é alvo de operações e cercos.

O relato de Zamineta, assim como os das outras pessoas que estavam no carro da agência de turismo, é diferente. Ele contou à polícia que havia deixado os turistas na Estrada da Gávea, de onde o grupo seguiu para um passeio a pé pela favela. O combinado é que ele os buscaria no mesmo local, mas, com a chuva forte, houve mudança de planos, e Zamineta acabou subindo para pegá-los no Largo do Boiadeiro. Ele afirmou ter sido parado e revistado pelos policiais quando subiu o morro. Ao descer, garantiu não ter sido abordado pelos policiais e disse que só se deu conta de que algo estava errado quando ouviu os disparos.

Somente na parte baixa da Rocinha, quando o carro foi parado por PMs, ele teria visto que María levou um tiro. Uma imagem mostra Zamineta olhando para dentro do carro e colocando a mão na cabeça, em sinal de desespero. O motorista contou que um dos tiros atravessou o vidro traseiro do veículo, causando um forte estrondo.

Câmeras na Rocinha gravaram, às 10h20m, três PMs correndo atrás do carro em que estavam os turistas, na Rua José Paulino da Silva, dentro da Rocinha. Dois deles são o tenente e o soldado presos. Ontem, o porta-voz da PM, major Ivan Blaz, disse ao “RJTV”, da Rede Globo, que “ficou claro que houve má conduta” por parte dos policiais, mas ressaltou que os agentes estavam sob estresse:

— Não há previsão para o ato desses policiais em nenhum manual da PM ou da Secretaria de Segurança. Contudo, a PM reconhece todo o ambiente de estresse que esses policiais têm vivido ao longo de mais de 30 dias ocupando a Rocinha, sobretudo num dia em que tivemos companheiros feridos.

‘Em momento algum, os turistas foram avisados do perigo que corriam’

- Valéria AragãoDelegada da Deat

De acordo com a delegada Valéria Aragão, da Deat, os espanhóis só foram avisados de que visitariam a Rocinha, por volta das 8h30m, ao encontrarem a guia de turismo na porta do hotel. Eles não teriam sido informados sobre a situação da favela. Os parentes da vítima contaram que uma empresa de turismo da Espanha contratou a Transporte Rent Serviço Locação de Veículos Ltda., com sede no Vidigal, cujo nome fantasia é Rio Carioca Tour. Os donos são o casal Gianluca Fabris e Elaine Christina Araujo Fabris. Gianluca alugou o carro e chamou o motorista italiano e a guia.

— Em momento algum, os turistas foram avisados do perigo que corriam. Eles desconheciam que a Rocinha era uma área conflagrada. Por ser uma área pacificada, achavam que seria tranquilo. Viram PMs circulando e sentiram-se mais seguros por isso — disse a delegada, acrescentando que o motorista afirmou ter acelerado quando ouviu os disparos. — Todos ouviram disparos, e a postura normal foi acelerar.

Valéria Aragão explicou que existem indícios de falhas nos protocolos da agência de turismo, do motorista e da guia:

— Vamos reunir depoimentos, provas e fazer um estudo jurídico para determinar a possibilidade de uma imputação criminal e de os parentes acionarem os responsáveis pelo passeio na esfera cível.