O globo, n. 30768, 02/11/2017. Economia, p. 20

 

Previdência: a reforma prioritária

02/11/2017

 

 

Lacerda argumentou que essa possibilidade, apesar de longe da ideal, permitirá a adoção gradualista de mudanças nas regras da aposentadoria. Isso proporcionaria uma correção de rota mais natural.

— Dada as condições de governabilidade que se tem, qualquer avanço na Previdência terá o benefício de tornar mais natural a reforma estrutural que virá à frente, necessariamente — disse o professor da PUC-SP, que advertiu, porém, para os riscos que essa estratégia pode representar: — Você pode ter o efeito perverso do autoengano, de criar uma expectativa exagerada enquanto não está tratando das questões essenciais.

Arminio admitiu que, apesar de considerar um milagre as reformas já aprovadas pelo governo Temer, acredita que a da Previdência só virá após as próximas eleições — o que aumentará a pressão sobre o governo que assumirá em 2019.

A urgência fica clara na trajetória da dívida pública que, como observou a colunista Míriam Leitão, é hoje equivalente a 73,9% do Produto Interno Bruto (PIB) e deve atingir 80% já em 2020.

— A reforma da Previdência é entendida por todos que fazem conta como a mais importante para o ajuste das contas públicas. Não só a longo prazo. Sem essa reforma, em 2019, o Orçamento já vai estar bem apertado, provavelmente batendo no teto de gastos. Mais do que isso, a parte livre do Orçamento está muito comprimida — alertou Arminio, acrescentando que a PEC do teto de gastos se mostrará inútil caso a reforma da Previdência não saia. — A tendência é explosiva e absurda. Nossa Previdência é extravagante para um país com o nosso ponto na curva demográfica.

De acordo com Lacerda, a reforma que deve ser feita precisa contemplar questões como maior transparência nas contas e a extinção de privilégios para categorias, entre elas as do setor público, incluindo o Judiciário:

— É preciso que seja tratada a questão da inadimplência, que é muito grande na Previdência, e também dos devedores. É preciso, por mais árido que seja politicamente, enfrentar esse problema. É inegável que o quadro atual é insustentável.

Mas, independentemente da impopularidade deste ou do próximo governo, há aquela da própria reforma que, para Merval Pereira, exige um esforço de convencimento público que não vem sendo feito a contento.

— Não tem ninguém convencido da necessidade da reforma da Previdência, da idade mínima etc. Se estivessem convencidos, já tinha sido aprovada — observou o colunista.

Na opinião do embaixador da França no Brasil, Michel Miraillet, a aprovação de reformas é crucial para a retomada do crescimento.

— Sentimos que algo está evoluindo. Fiquei surpreso, por exemplo, com a similaridade das medidas que foram tomadas pelo governo na legislação trabalhista e aquilo que nós, franceses, estamos adotando em questão de flexibilidade. Vocês têm ainda a questão da reforma da Previdência, que chama atenção do ponto de vista de um europeu — disse Miraillet. — Acredito que, se o Brasil superar rapidamente sua questão orçamentária, vocês vão se ver diante da volta do crescimento. Por isso é importante a aprovação das reformas. E é por isso que nós, franceses, apoiamos a candidatura do Brasil à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Para Jean-Paul Guihaumé, cônsul-geral da França no Rio, embora o problema previdenciário se manifeste em vários países, inclusive no seu, a situação das contas públicas brasileiras o torna mais urgente aqui:

— O que eu tiro da experiência francesa é que uma única reforma, que resolva todos os problemas, não é possível. É melhor promover uma série de pequenas reformas. É preciso começar por uma reforma e saber que haverá uma segunda, uma terceira, e que o tema continuará sempre presente, uma vez que há grandes evoluções na demografia.

Embora a reforma da Previdência seja considerada a mais urgente e necessária para o reequilíbrio das contas públicas, outras mudanças estruturais foram citadas pelos economistas como essenciais. Lacerda citou a reforma tributária, que está sendo proposta no Congresso pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e é apoiada pela equipe econômica.

— Ela apresenta grandes avanços. O relator está muito otimista que vai conseguir aprovar pelo menos uma simplificação, sem mudar estruturalmente (a legislação tributária). Essa, aliás, é minha crítica. Mas vejo que há aspectos positivos de simplificação, de desoneração, inclusive de medicamentos, o que pode contribuir para uma melhor distribuição de renda — disse.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

 

Crise econômica afeta segurança pública

02/11/2017

 

 

A recessão econômica se desdobra, segundo os economistas, em uma outra crise que se manifesta nos grandes centros urbanos e, especialmente, no Rio: a da segurança pública. Na avaliação do carioca Arminio Fraga, o colapso das finanças estaduais provocou um vácuo de poder que resultou no desmonte de políticas públicas que pareciam bem-sucedidas e permitiu o avanço do crime organizado.

— Na segurança pública, há sempre uma questão econômica. Mas não é a questão econômica através do desemprego. É a falência do Estado e sua capacidade de ocupar seu território. Algo que parecia estar funcionando aqui, como o modelo das UPPs, nesse momento, deu para trás e precisará ser repensado. Mas algo nessa linha vai ter que acontecer. Esse quadro maior, do Estado dentro do Estado, se reflete no poder do crime organizado, hoje em guerra aqui. Mas ele existe e é algo que tem que ser encarado — afirmou o economista, acrescentando que, embora o Rio seja “a faceta mais visível” do problema, ele se manifesta em outras metrópoles do país.

Coincidiu com o auge da crise brasileira o recorde de mortes violentas cometidas no país. Segundo o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado esta semana, o Brasil registrou 61.619 casos em 2016 — sete por hora —, aumento de 3,8% na comparação com 2015 e o maior número já registrado desde 2007, quando começou a série histórica.

O economista da PUC-SP Antonio Corrêa de Lacerda observou que há correlação entre o aumento do desemprego e o avanço da criminalidade, mas ressaltou que esse é apenas um dos mecanismos que têm levado à explosão da violência pública.

— Vamos imaginar a chamada geração “nemnem”, que nem estuda nem trabalha. Ela tem um apelo muito grande ou por atividades profissionais praticamente de subsistência ou por trabalhos no crime organizado. Por outro lado, a falência do Estado cria um poder paralelo e abre espaço para o crime organizado. Por isso, crise no Estado e crise econômica corroboram o cenário de maior criminalidade. Mas, certamente, existem várias outras causas — explicou Lacerda.

Alexandre Sampaio, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), citou estudo da entidade, divulgado esta semana, segundo o qual a criminalidade no Rio provocou redução de R$ 657 milhões nas receitas do turismo fluminense entre janeiro e agosto. Segundo Sampaio, a perda pode chegar a R$ 1 bilhão até o fim do ano.

— O setor de turismo no Rio tem tido perdas financeiras monumentais por conta da violência, e as políticas de segurança não refletem o que o Estado e o próprio município podem fazer. Lamentamos que talvez tenhamos de esperar mais um ano para isso ser resolvido — afirmou o presidente do conselho empresarial de turismo da CNC, referindo-se às próximas eleições.

Arminio explicou que a gravidade da situação do Rio é proporcional à quantidade de fatores que influenciam em sua crise de segurança pública.

— O Rio foi vítima de uma série de acidentes, alguns vindos de fora, como o colapso do setor de petróleo, com a queda dos preços, que estavam a mais de US$ 100 e caíram para menos de US$ 30. E muito foi também problema de gestão. Durante o período de vacas gordas, gastou-se muito e depois o que sobrou foi um Estado desfuncional e literalmente quebrado. A tarefa aqui é enorme — afirmou o economista. — Houve um retrocesso muito grande em várias frentes que tinham avançado. A área da segurança talvez seja a mais visível, mas não foi a única. O quadro aqui é bem mais grave.