O Estado de São Paulo, n. 45374, 09/01/2018. Política, p. A5.

 

Juiz barra posse de ministra do Trabalho

Felipe Frazão, Carla Araújo e Tânia Monteiro

09/01/2018

 

 

Cristiane Brasil foi condenada em ação trabalhista; governo diz que vai recorrer

 

 

A Justiça Federal suspendeu ontem a nomeação e a cerimônia de posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), condenada em processo trabalhista, como nova ministra do Trabalho. O presidente Michel Temer havia marcado a cerimônia de posse para hoje, às 15h, no Palácio do Planalto. A decisão é provisória, e a Presidência da República acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para recorrer.

O juiz federal Leonardo da Costa Couceiro, da 4.ª Vara Federal de Niterói (RJ), entendeu que a escolha da parlamentar desrespeita a “moralidade administrativa”, por causa da condenação. O magistrado ainda estabeleceu multa de R$ 500 mil a cada agente público que descumprir a decisão.

“Este magistrado vislumbra flagrante desrespeito à Constituição Federal no que se refere à moralidade administrativa, quando se pretende nomear para um cargo de tamanha magnitude pessoa que já teria sido condenada em reclamações trabalhistas”, escreveu Couceiro.

Apesar da decisão, Temer quer realizar a cerimônia de posse da deputada hoje. Para isso, o governo está disposto a uma “guerra de liminares” para reverter a decisão. No entanto, na agenda do presidente divulgada ontem à noite (atualizada às 22h45), a nomeação de Cristiane não estava prevista.

O presidente conversou por telefone com Cristiane. Ele não pretende recuar da escolha da parlamentar, filha do ex-deputado e condenado no mensalão Roberto Jefferson. Segundo assessores próximos de Temer, o presidente disse que a deputada teria de resolver suas questões pessoais, mas que sua indicação estava mantida.

O juiz acatou o pedido de liminar de uma das seis ações populares protocoladas na Justiça Federal por integrantes do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes. Para o governo, no entanto, os pedidos de suspensão são “frágeis”.

O grupo considerou a escolha de Cristiane “absurda”, segundo o advogado Marcos Maleson, um dos organizadores. A iniciativa foi motivada pelo fato de a deputada ter sido processada e condenada a pagar indenização a ex-funcionários que trabalharam como motoristas, mas que não tiveram direitos trabalhistas respeitados, como carteira assinada e controle de jornada. Em um dos casos a ministra fechou acordo para reconhecer o vínculo e pagar R$ 14 mil ao ex-empregado. Em outro, foi obrigada a pagar R$ 60 mil ao ex-motorista.

“Parece ofender o juízo médio de razoabilidade dar-lhe atribuições próprias de autoridade cuja incumbência será fiscalizar o cumprimento de normas que ela própria demonstrou não respeitar”, escreveram os advogados na petição.

 

‘Ingerência’. Das seis ações protocoladas pelo Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes, outras duas foram indeferidas por juízas federais de Magé (RJ) e da capital fluminense. Elas entenderam que não há ilegalidade na nomeação e disseram que impedir a posse seria uma “ingerência” do Judiciário no Executivo. Há, ainda, três ações pendentes.

“Embora seja de todo inconveniente a nomeação de pessoa sem experiência na matéria e que já demonstrou pouco apreço ao respeito aos direitos trabalhistas de terceiros, entendo que não se trata de caso apto a ensejar a ingerência desse magistrado em temas afetos à própria forma de funcionamento da República”, disse a magistrada da 1.ª Vara Federal de Magé, Ana Carolina Vieira de Carvalho.

“O fato de uma pessoa ser ré em ação trabalhista não indica que seja inapta para ocupar cargo público. Não obstante a controvérsia que a nomeação/posse vem suscitando, esta não é flagrantemente ilegal, não podendo um juiz se sobrepor à decisão que o próprio povo escolheu, já que o chefe do Executivo foi eleito de forma democrática”, afirmou a juíza substituta Karina de Oliveira e Silva, da 14.ª Vara Federal do Rio.

Procurada ontem, a parlamentar não quis se manifestar e afirmou que falaria depois da posse. 

 

'Moralidade'

“Este magistrado vislumbra flagrante desrespeito à Constituição no que se refere à moralidade administrativa, quando se pretende nomear para cargo de tamanha magnitude pessoa que já teria sido condenada em reclamações trabalhistas.” 
Leonardo da Costa Couceiro
JUIZ FEDERAL

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Ex-cargo de confiança relata serviço particular

Constança Rezende

09/01/2018

 

 

Aline Lucia de Pinho foi contratada pela prefeitura do Rio e também acusa Cristiane Brasil de irregularidade trabalhista

 

 

Processada na Justiça do Trabalho por dois motoristas que foram seus empregados, a nova ministra do Trabalho, Cristiane Brasil (PTB-RJ), também é acusada por outra ex-auxiliar, Aline Lucia de Pinho, de supostas irregularidades trabalhistas.

Aline foi contratada pela prefeitura do Rio, mas disse ter trabalhado como motorista e prestado serviços particulares para Cristiane. A posse da deputada federal no cargo, marcada para hoje, foi suspensa pela Justiça. Aline estava lotada em cargo comissionado como assessora (DAS-7) na Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida do Rio durante a gestão Eduardo Paes (MDB), quando a petebista comandou a pasta. No início do ano passado, Aline foi exonerada pelo governo Marcelo Crivella (PRB), enquanto estava licenciada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por acidente de trabalho – ocorrido, segundo ela, quando prestava serviços particulares para Cristiane.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), que absorveu as funções da Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável, extinta por Crivella, informou ontem que só poderia responder sobre o caso hoje. O Estado procurou a assessoria da nova ministra e não obteve resposta até a conclusão desta edição.

Segundo Aline, em novembro de 2016, ela torceu o joelho esquerdo em uma queda, quando levava os cães de Cristiane a um veterinário para serem castrados. “Eu cheguei para a Cristiane e disse que tinha escorregado descendo a escada, fazendo esse serviço particular para ela. Ela não acreditou. A minha sorte é que tinha uma funcionária dela comigo e viu tudo”, disse Aline. “Mesmo eu levando tudo para ela, a ressonância (magnética), ela não acreditou e me mandou ir a um médico da confiança dela. Ele também disse que eu teria que operar.”

Um mês depois do acidente, em dezembro de 2016, Aline foi licenciada pelo INSS. Em janeiro de 2017, ela soube que fora exonerada pela nova gestão na prefeitura carioca, mas, naquele mesmo mês, a Previdência Social havia concedido a licença à motorista até abril de 2017. Depois, a instituição a prorrogou o benefício até agosto de 2017, “tendo em vista que foi constatada incapacidade para o trabalho”, segundo documento do INSS.

Sem o salário da secretaria, Aline ainda continuou a receber informalmente de Cristiane o valor de R$ 1,5 mil por mês (metade do que recebia na pasta). Foi novamente demitida, agora pela deputada federal e nova ministra do Trabalho, em março do ano passado.

 

Histórico. Aline disse que trabalhou por cerca de dez anos para Cristiane, desde a época em que a parlamentar era vereadora. Desde 2009, quando a hoje ministra assumiu a Secretaria Especial do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida da capital fluminense, há no Diário Oficial do Município do Rio registros de nomeações da motorista para cargos de confiança (sem necessidade de concurso) na pasta.

Segundo Aline, quatro motoristas atuavam em rodízio para atender às agendas de Cristiane e de seus dois filhos. Dois dos profissionais já processaram a nova ministra do Trabalho na Justiça do Trabalho reivindicando indenizações decorrentes de carteira assinada e controle de jornada.

Para o advogado de Aline, Norberto Gava Alvite, o caso da ex-funcionária é semelhante aos dos outros dois motoristas. Alvite disse que tem entrado em contato com assessores de Cristiane para tentar uma solução de conciliação, antes de mover um processo contra a futura ministra. Ainda não obteve resposta. Afirmou também que avalia se processará a prefeitura do Rio.

“Aline sofreu o que chamamos de acidente de trabalho. Em tese, nessas condições, ela não poderia ter sido demitida. Além disso, Cristiane não quis reconhecer nenhum vínculo trabalhista com Aline. O que ela fazia era usar funcionários lotados na secretaria, não para atender ao interesse público, mas aos interesses dela”, afirmou.

 

Sorte

“Eu cheguei para a Cristiane e disse que tinha escorregado descendo a escada, fazendo esse serviço particular para ela. Ela não acreditou. A minha sorte é que tinha uma funcionária dela comigo e viu tudo.” 
Aline Lucia de Pinho
EX-FUNCIONÁRIA DE CRISTIANE BRASIL