O globo, n. 30797, 01/12/2017. Economia, p. 17

 

Sem prazo para votação

Geralda Doca, Martha Beck, Manoel Ventura e Gustavo Schmitt

01/12/2017

 

 

Diante da dificuldade em obter apoio, governo deve adiar reforma da Previdência para 2018

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Diante das dificuldades em obter os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência e do prazo apertado para votar as medidas de ajuste fiscal no Congresso, o governo decidiu — pelo menos por ora — não trabalhar com data para levar a proposta a plenário. O Palácio do Planalto não quer correr o risco de pautar a matéria e ser derrotado, faltando apenas três semanas para encerrar o ano legislativo. Agora, aposta todas as fichas em um jantar que ocorrerá no domingo, na residência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com o presidente Michel Temer, líderes da base aliada, presidentes dos partidos e ministros da equipe econômica.

O Palácio do Planalto nega que pretende adiar a votação para o ano que vem. Garante que ainda não jogou a toalha e continuará fazendo todo o esforço para vencer a resistência nos partidos da base e votar a reforma ainda este ano. Se deixar para 2018, disse uma fonte palaciana, as chances de a proposta passar são mínimas, porque o cenário estará ainda mais dominado pelas eleições. O trabalho de convencimento vai até os dias 11 e 12 deste mês.

No entanto, segundo interlocutores de Temer, dependendo do resultado da reunião de domingo, o governo poderá ser obrigado a reconhecer que a reforma da Previdência poderá ficar para o ano que vem. No jantar, líderes dos partidos vão apresentar a Temer o mapa de votos e uma avaliação sobre o “humor” da base aliada em relação às medidas de equilíbrio fiscal. São exemplos o adiamento do reajuste dos servidores públicos e o aumento, de 11% para 14%, da contribuição previdenciária do funcionalismo. O objetivo do jantar é priorizar os projetos que precisam ser votados até o fim do ano.

Na tarde de ontem, Rodrigo Maia disse que a comunicação sobre a reforma da Previdência foi mal feita e afirmou que o projeto não tem caráter diabólico. Para o presidente da Câmara, ainda faltam “muitos votos”. Ele não quis estabelecer prazo para pautar a votação:

— Eu não posso dar data porque não tem voto. Falta muito voto. Mas como não fiz a conta, não vou falar quantos faltam.

 

TUCANOS ADIAM DECISÃO

Enquanto isso, o PSDB decidiu adiar para a próxima quarta-feira uma decisão formal sobre a reforma da Previdência. Nesse dia, o partido vai definir se fechará ou não questão em torno do texto do governo. Mas o caminho é longo e há divergências sobre o assunto. Hoje, não há certeza sequer de que há maioria dos votos da bancada com relação a um tema que sempre foi defendido pelos tucanos. Após reunião da executiva, José Aníbal, presidente do Instituto Teotônio Vilela — responsável pela construção das políticas do partido —, defendeu o fechamento da questão:

— Eu defendo (o fechamento de questão). O PSDB tem que ter protagonismo. O protagonismo do PSDB está muito bem colocado na votação que virá.

O partido tem 46 deputados, mas está rachado ao meio quanto ao apoio ao governo. A ala independente, dos chamados “cabeças pretas”, reclama que querem jogar no colo do PSDB o papel de puxador de votos pela reforma. Enquanto não se acertam, os tucanos justificam a indefinição pelo fato de desconhecerem o texto final que será submetido à votação.

 

DÓLAR SOBE 0,95% COM INCERTEZA

Com temor de que as mudanças na Previdência não sejam aprovadas, a Bolsa e o real tiveram ontem a segunda sessão negativa seguida. Após a decisão do PSDB de adiar sua decisão, o dólar comercial fechou com alta de 0,95%, cotado a R$ 3,271 para venda. Na máxima, a divisa atingiu R$ 3,288. Na Bolsa, o índice de referência Ibovespa fechou 1,26% no negativo, aos 71.783 pontos.

— O fato de o PSDB ter adiado seu posicionamento sobre a reforma foi fundamental para estressar ainda mais o dólar, que já estava em alta com todo o receio do mercado em relação à Previdência — avaliou Pablo Spyer, da Mirae Asset.

Integrantes da equipe econômica afirmam que o governo não pode abrir mão da reforma da Previdência e nem das medidas de ajuste fiscal. Eles alegam que as duas estratégias são importantes em frentes diferentes: a reforma da Previdência representa o equilíbrio das contas públicas a médio e longo prazos, enquanto o pacote de medidas de 2018 garantiria o funcionamento da máquina pública no ano que vem.

— Sem o pacote de ajuste, o governo não funciona em 2018 — disse uma fonte do governo.

Essa fonte explicou que o Orçamento já começa o ano enxuto por causa da regra do teto de gastos. Assim, se for preciso cortar ainda mais despesas para acomodar a não aprovação das medidas, o ajuste total do Orçamento será de R$ 40 bilhões.

— Sem as medidas, vai ter shutdown em 1º de janeiro de 2018 — advertiu.

O placar apertado de votações de matérias sensíveis na Câmara revela que a base aliada chegou à exaustão, depois de ter barrado duas denúncias contra o presidente Temer encaminhadas pela Procuradoria-Geral da República. O resultado da votação da medida provisória (MP) que prorroga o Repetro (regime especial de importação de bens no setor de petróleo), na noite de quarta-feira, com 208 votos favoráveis a 184, acendeu a luz vermelha no governo. Vários deputados da base faltaram e muitos votaram contra a matéria.

A depender de relatos de líderes governistas, o clima é de desânimo com a reforma da Previdência. Para se ter uma ideia, no partido do governo (o PMDB), dos 66 integrantes da bancada, só metade diz votar a favor da reforma; 12 são assumidamente contrários e o restante se declaram indeciso. Não há uma conta fechada sobre os votos de todos os partidos da base, mas, com segurança, o governo teria hoje menos do que os 251 votos que obteve na votação da segunda denúncia.

— Acredito que impera um clima de muita divergência no plenário entre as bancadas e isso dificulta a obtenção dos 308 votos. Muitos parlamentares afirmam que, sem a garantia dos 308 votos favoráveis, não seria a melhor estratégia votar a matéria — disse o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).

O líder do PR, deputado José Rocha (BA), destacou que, apesar da pressão do mercado e da equipe econômica, hoje não há votos suficientes. — Pior do que não votar é votar e perder. Já o líder do PSD na Câmara, deputado Marcos Montes (MG), disse que os parlamentares querem mais tempo para votar a reforma da Previdência. E o vice-líder do PRB, deputado Beto Mansur (SP), defendeu que o governo só entre com a proposta no plenário da Câmara se contar com 315 e 320 votos.

 

PROPAGANDA SUSPENSA

Enquanto negocia apoio no Congresso, o governo enfrenta um novo problema: ontem, a juíza Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da Justiça Federal em Brasília, decidiu suspender a campanha publicitária em favor da reforma da Previdência. Ela aceitou os argumentos da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e da Associação Nacional dos Auditores Fiscais do Brasil (Anfip) de que as propagandas não têm cunho educativo.

“A campanha não divulga informações a respeito de programas, serviços ou ações do governo, visto que tem por objetivo apresentar a versão do Executivo sobre aquela que, certamente, será uma das reformas mais profundas e dramáticas para a população brasileira”, escreveu a juíza.