Correio braziliense, n. 20037, 31/03/2018. Política, p. 2

 

Para Temer, querem "destruir reputação"

Deborah Fortuna e Hamilton Ferrari

31/03/2018

 

 

Em nota dura, sem citar nomes, chefe do Executivo reclama de uso de "métodos totalitários" para se obter testemunhos. Planalto receia que uma terceira denúncia seja apresentada ao Congresso, já que, em ano eleitoral, ficará mais difícil para convencer deputados aliados

Um dia após a prisão que atinge os principais integrantes do círculo pessoal do presidente Michel Temer, o Palácio do Planalto acusou as autoridades que comandam a operação Skala, deflagrada pela Polícia Federal, de tentarem “mais uma vez” destruir a reputação do chefe do Executivo. Sem citar nomes, a ação usaria métodos totalitários para obter, “forçadamente”, testemunhos que possam ser usados na acusação. Apesar de a base garantir que o governo não está enfraquecido, as prisões abrem possibilidade de uma nova denúncia contra o presidente.

Ontem, Temer mudou os planos para o feriado e não embarcou para São Paulo. O chefe do Executivo se reuniu com o advogado do caso, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, e os ministros Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, Sérgio Etchegoyen, do gabinete de Segurança Institucional, e Gustavo Rocha, dos Direitos Humanos e Subchefia de Assuntos Jurídicos, para avaliar a repercussão política e jurídica das prisões.

Os advogados José Yunes e o coronel aposentado João Batista Lima Filho, ambos amigos pessoais do presidente, foram detidos na operação que investiga irregularidades no Decreto dos Portos, do qual Temer também é alvo. Além deles, também foram presos o presidente do Grupo Rodrimar, empresa portuária que teria se beneficiado de medidas provisórias em troca de propina, Antonio Celso Grecco, e a empresária Celina Torrealba, uma das proprietárias do Grupo Libra, que também teria entrado no esquema de propina. Outras nove pessoas foram alvo da operação, entre elas o ex-ministro da Agricultura, Wagner Rossi e o ex-assessor Milton Ortolan.

Aliados

O pedido de investigação feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pode levar a uma terceira denúncia contra Temer. As últimas duas, que tinham relação com a delação premiada dos donos da JBS, foram barradas em plenário na Câmara dos Deputados, pelos aliados do emedebista. Apesar do tom agressivo, o comunicado do Planalto de ontem não citou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que foi a responsável pelos pedidos de prisão dos amigos do presidente, diferentemente do que ocorreu no ano passado, quando Temer questionava as ações do ex-ocupante do cargo, Rodrigo Janot.

A nota defende ainda que, “sem ter fatos a investigar”, as autoridades tentam “criar narrativas” que gerem novas acusações. “Buscam inquéritos arquivados duas vezes pelo Supremo Tribunal Federal, baseados em documentos forjados e já renegados formalmente à Justiça”, comunica a nota. “Repetem o enredo de 2017, quando ofereceram os maiores benefícios aos irmãos Batista para criar falsa acusação que envolvesse o presidente. Não conseguiram e repetem a trama, que, no passado, pareceu tragédia, agora soa a farsa”, completa. O Planalto também destacou que a menção de Temer ser um candidato à reeleição fez com que “forças obscuras” surgissem para “tecer novas tramas sobre velhos enredos maledicentes”.

O que se comenta nos bastidores é que Temer não teria moeda de troca para barrar uma possível denúncia no Congresso em 2018, e, por isso, torce para que nada concreto aconteça nos próximos meses. A visão que se tem é de que os parlamentares não assumiriam o desgaste antes do pleito de outubro. Além disso, a reforma ministerial está praticamente “acertada”, segundo fontes da Esplanada, não tendo espaço para a negociação de cargos com os partidos. Uma reunião sobre esse tema está marcada para amanhã à noite.

No Congresso, os líderes partidários não comentam, oficialmente, sobre uma possível denúncia contra o presidente. Seria a terceira desde o ano passado. O líder do PRB, Celso Russomanno (SP), avalia que “o que tem que ser feito precisa ser feito”, mas declarou que não vai comentar um possível processo de cassação por considerar uma “suposição”.

O líder do PR, José Rocha (BA), também não quis se pronunciar. “Eu prefiro não emitir uma opinião em algo abstrato, que não é concreto”, diz. Já o líder do Democratas, Rodrigo Garcia (SP), declara que, por enquanto, o caso é uma questão judicial, “e não política”. “Não tenho condições de comentar algo que não ocorreu”, afirma.

Para amenizar a crise, o presidente deve anunciar o reajuste do Bolsa Família, que está firmado há mais de uma semana, mas sem definição do índice para a correção.