Título: ONU exige abertura de corredor humanitário
Autor: Cheveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 02/03/2012, Mundo, p. 16
A mensagem procedente de Baba Amr chegou na noite de quarta-feira. "Nós seremos assassinados muito em breve", afirmava o texto, enviado por meio do microblog Twitter para a jornalista espanhola Mónica García Prieto, correspondente do site Periodismo Humano. O bairro da cidade de Homs, centro do levante contra o ditador Bashar Al-Assad, estaria sob controle absoluto das tropas do governo, que aproveitaram uma "retirada estratégica" do insurgente Exército Sírio Livre para avançar. "Caíram todos os últimos focos de resistência", declarou à agência France-Presse uma fonte dos serviços de segurança em Damasco, sob a condição de anonimato.
O temor de um massacre iminente fez com que dois organismos das Nações Unidas reforçassem a pressão sobre Damasco. O Conselho de Segurança deplorou a "rápida deterioração da situação humanitária" e exigiu que as autoridades sírias permitam "o imediato, total e desimpedido acesso de pessoal humanitário a todas as populações que necessitam de ajuda". Pela primeira vez, China e Rússia, aliados de Al-Assad, não fizeram objeção à declaração — simbólica, ela não tem o poder de uma resolução. O texto também exorta as autoridades a liberarem a entrada no país de Valerie Amos, subsecretária para Assuntos Humanitários da ONU.
Sírios envolvem em mortalha civil executado em Homs, em hospital improvisado: bombardeios mataram ontem 42 pessoas na Síria - 23 na cidade
O Conselho Nacional Sírio (CNS) recebeu com cautela a inédita reação da ONU. "É preciso ver se o regime será cooperativo, se vai permitir a abertura de um corredor para a retirada dos feridos", afirma ao Correio, por telefone, Ausama Monajed, conselheiro de Burhan Ghalioun, o líder do único órgão de oposição. Segundo ele, Pequim e Moscou precisam influenciar Damasco a aceitar o pedido. Monajed admite a gravidade da situação em Baba Amr, apesar de negar que o bastião rebelde tenha caído nas mãos dos soldados inimigos. "Nossos homens foram deslocados para outras áreas, com a intenção de prevenir ataques aos civis. Isso não significa que as forças de Al-Assad controlem tudo", comenta. "No entanto, a atmosfera em Baba Amr é muito ruim. Existe o receio de os soldados irem de casa em casa e executar os moradores", acrescenta.
Por 37 votos a favor, três contra (China, Cuba e Rússia) e três abstenções (Equador, Índia e Filipinas), o Conselho de Direitos Humanos da ONU também aprovou ontem uma nova resolução. O texto "deplora as ações brutais do regime sírio ao longo dos últimos 11 meses", condena as violações "sistemáticas e disseminadas" das liberdades fundamentais e pede o imediato fim dos ataques a civis. Por sua vez, o parlamento do Kuweit avalizou uma resolução defendendo o envio de armas à oposição síria e o rompimento das relações diplomáticas com Damasco. O Catar aceita estudar "todas as opções" para salvar o povo sírio.
Em uma rara demonstração de boa vontade, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) recebeu "luz verde" do governo para resgatar feridos, além de entregar medicamentos e alimentos aos moradores de Baba Amr. Saleh Dabbakeh, porta-voz do CICV em Damasco, explica que a nova operação deverá ser realizada ainda hoje e contará com a cooperação do Crescente Vermelho da Síria. "Na última segunda-feira, retiramos três pessoas de Homs. Três dias antes, foram resgatados mais 27 civis. Em 13, 15 e 28 de fevereiro, levamos comida, cobertores, medicamentos e produtos de higiene para a população", lembrou, ao destacar que o CICV já está mobilizado na região. "Há mais necessidade de uma operação agora, porque a situação está cada vez mais difícil", admite, por telefone, ao Correio.
Dabbakeh não acredita que um corredor humanitário seja a melhor solução para a Síria. "Esses corredores costumam ser limitados, tanto na geografia quanto no prazo de funcionamento", explica. Ele defende um cessar-fogo humanitário, com duração de duas horas, diariamente. "Isso nos permitiria levar ajuda às pessoas e supri-las com tratamento médico."
Jornalistas Os jornalistas franceses Edith Bouvier, ferida na perna, e William Daniels conseguiram deixar a Síria e estão no Líbano. A notícia foi confirmada pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. O casal estava há vários dias impedido de abandonar Homs. "Edith Bouvier e William Daniels estão atualmente em segurança em território libanês", disse Sarkozy. Em 22 de fevereiro, Edith foi atingida no bombardeio que custou a vida da repórter Marie Colvin e do fotógrafo francês Rémi Ochlik. Os corpos foram encontrados ontem em Baba Amr.
Preocupação com armas químicas O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o chefe da Organização para a Proibição de Armas Químicas, Ahmet Üzümcü, estão preocupados com a possibilidade de a Síria ter um arsenal não convencional. "Essas preocupações são totalmente compreensíveis", destacou Martin Nesirky, porta-voz das Nações Unidas. O general norte-americano Martin Dempsey, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos, havia alertado, na semana passada, que a Síria detém um sistema de defesa aérea sofisticado e integrado, além de armas químicas e biológicas.