Correio braziliense, n. 20037, 31/03/2018. Economia, p. 7

 

Terceirização ainda gera insegurança

Alessandra Azevedo

31/03/2018

 

 

Questionada na Justiça, a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429), em vigor há exatamente um ano, ainda é adotada com cautela pelas empresas. Com receio de colocar em prática as normas sancionadas pelo presidente Michel Temer em 31 de março de 2017 — que permitem, entre outras medidas, terceirização irrestrita de atividades e prazo maior para contratos temporários —, os empresários aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para implementar as mudanças sem medo de que elas sejam revistas no futuro.

A adoção das novas possibilidades, neste primeiro ano, foi “muito tímida” em relação ao que era esperado 12 meses atrás, avaliam especialistas. “As empresas ainda têm receio por não saberem como os tribunais agirão. Ainda não há formação de jurisprudência em relação a essa lei”, explica Rodrigo Baldo, advogado trabalhista do escritório Miguel Neto Advogados, que, diante do vácuo do Judiciário, recomenda o uso “com cautela” da terceirização em atividades-fim (as que têm a ver com a finalidade principal do negócio, não acessórias), possibilidade incluída na lei. “É um processo de maturação. Por enquanto, a discussão foi mais alta do que a aplicação, de fato”, observou Baldo.

Atualmente, a Lei da Terceirização é alvo de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), no STF, que pedem que ela seja suspensa. Em geral, o entendimento dos demandantes é que esse tipo de relação de emprego gera fragilidade jurídica e social e prejudica o trabalhador. 

Se alguma das ações for acatada pela Corte, a lei perderá os efeitos, e as empresas que adotaram as novas regras precisarão arcar com custos enormes, alerta o advogado Lucas Sousa Santos, especialista em direito trabalhista do escritório Mendonça e Sousa Advogados.

Segundo tempo


Esse é o medo de várias instituições “que poderiam utilizar a nova lei de forma profunda, mas ainda estão usando com timidez”, afirma Sousa. “O STF, nesse ponto, é como se fosse o segundo tempo do Legislativo. Existe o parâmetro legal, que o Congresso decidiu. Mas, até que o Supremo dê a palavra final, o mais seguro é ter essa precaução de esperar um pouco”, diz o advogado. “A terceirização irrestrita está nas mãos do Supremo”, resumiu.

A consequência, caso o STF declare a inconstitucionalidade, é que todos os terceirizados que foram contratados para realizar atividades-fim poderão ser reconhecidos como efetivos, explica Sousa. Na prática, a empresa teria que pagar ao funcionário encargos previdenciários, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e até equiparação salarial, tudo com efeito retroativo — ou seja, os valores não seriam incluídos apenas nos pagamentos feitos depois da decisão, mas também nos salários dos meses anteriores. “Um funcionário que hoje é considerado terceirizado e recebe menos que o efetivo que realiza a mesma função, caso o STF derrube a lei, terá os mesmos direitos do efetivo, inclusive de receber uma remuneração igual”, ressalta Sousa. “Uma terceirização malfeita traz muito prejuízo. O risco de passivo trabalhista é enorme”, aponta.

A timidez no uso da lei, entretanto, se deve muito mais à insegurança jurídica do que à falta de vontade do empresariado, garante Sousa. Havendo uma decisão favorável do STF em relação à terceirização, as empresas tendem a tirar o pé do freio e levar adiante os planos que estão, por enquanto, engavetados. Setores como o de bancos e o de tecnologia da informação, por exemplo, devem adotar a terceirização de atividades-fim, acreditam os especialistas. “Os resultados até agora são ótimos, temos muito a comemorar no aniversário de um ano da lei. Mas quando o STF decidir, e imagino que será a favor da terceirização, com certeza vamos ter uma percepção ainda melhor”, acredita o deputado Laércio Oliveira (Solidariedade-SE), que relatou a Lei da Terceirização. “Certamente boa parte dos postos de trabalho abertos nos últimos meses têm a ver com as medidas de modernização trabalhista”, acredita.

Rodrigo Baldo, do Miguel Neto Advogados, acredita que a retomada da economia traz boas perspectivas para a adoção da nova lei nos próximos meses. “Estamos começando a normalizar a produção, voltando a contratar mão de obra. Agora, com o reaquecimento, embora ainda muito tímido, da economia, já tem uma contratação maior. A tendência é que as empresas comecem a usar mais a terceirização”, afirma.

“O STF, nesse ponto, é como se fosse o segundo tempo do Legislativo. Existe o parâmetro legal, que o Congresso decidiu. Mas, até que o Supremo dê a palavra final, o mais seguro é ter essa precaução de esperar um pouco”
Lucas Sousa Santos, do escritório Mendonça e Sousa Advogados

 

Com cautela
Em vigor há um ano, a Lei da Terceirização (Lei nº 13.429) ainda não gerou muitos efeitos práticos. Segundo especialistas, as empresas ainda não se sentem seguras para adotar as medidas

Quando foi sancionada 
Em 31 de março de 2017

O que mudou
A nova lei permitiu a terceirização de qualquer atividade em todos os setores da economia. A contratação, nesses casos, é feita sem vínculo empregatício e por meio de uma empresa intermediária. A Lei nº 13.467, da reforma trabalhista, estipulou uma quarentena de 18 meses para que as empresas recontratem como terceirizados funcionários que tenham sido demitidos.

Por que não tem sido aplicada em grande proporção:
Obstáculo legal:
Entre março e novembro, quando a reforma trabalhista entrou em vigor, a Lei da Terceirização ficou “em espera”. Isso porque o projeto da terceirização foi resgatado em meio às discussões sobre a reforma trabalhista, que tratava de temas muito parecidos. Assim, os efeitos da Lei da Terceirização só foram levados em conta após a entrada em vigor da reforma, porque havia o entendimento de que ela poderia mudar alguns pontos. 

- Obstáculo jurídico:
A maior parte dos empresários aguarda a chancela do STF para colocar as mudanças em prática. Embora tenham interesse em ampliar a terceirização,  eles têm dúvidas quanto à interpretação jurídica de algumas das novas possibilidades. Se o Supremo acolher alguma das ações que tramitam sobre o assunto e entender que a lei é inconstitucional, as empresas que terceirizaram serviços com base na nova lei poderão ter de assumir o vínculo do funcionário e pagar salários retroativos ao tempo em que ele está na empresa.

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Controvérsias jurídicas

31/03/2018

 

 

As incertezas em relação à reforma trabalhista influenciam diretamente na aplicação da Lei da Terceirização, na avaliação de especialistas. As mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) só foram sancionadas em novembro, oito meses depois da Lei da Terceirização, e ainda com promessas de mudanças. Até hoje, tramita no Congresso  medida provisória para alterar a reforma, embora esteja com os dias contados. Enquanto um pé da reforma trabalhista estiver no Legislativo ou no Judiciário, a terceirização não será aplicada integralmente.

“Toda a discussão estava voltada para a tramitação da reforma quando retomaram o projeto da terceirização. Foi estranha a aprovação, porque, na verdade, passou por cima de uma discussão que já estava acontecendo”, pondera André Gambier Campos, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A advogada Monalisa Ferreira, da Brugnara Advogados, lembra que, quando a Lei da Terceirização foi aprovada, em março, muitos empresários questionaram a validade da medida, “porque houve rumores de que ainda haveria muitas mudanças depois, com a reforma”.

Quarentena


De fato, foi só a reforma trabalhista que trouxe, por exemplo, a quarentena de 18 meses para que as empresas recontratem, como terceirizados, funcionários que tenham sido demitidos. “Antes disso, mesmo com a Lei da Terceirização já em vigor, muitas empresas tiveram medo de dispensar e pegar como autônomo, porque não saberiam se poderiam recontratar. O futuro da lei não estava certo”, diz Monalisa. A maior flexibilidade nos contratos de trabalho, trazida pela reforma, também foi um ponto que impactou diretamente na terceirização. “Agora, há opções dentro da lei para contratar sem precisar terceirizar”, pontua Rodrigo Baldo, advogado trabalhista do Miguel Neto Advogados.

Flexibilização


Tanto em relação à terceirização quanto à reforma trabalhista, os pontos que mais têm sido implementados são os que não geraram controvérsia, aponta Fábio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados. “Por exemplo, flexibilização do banco de horas, home office e outros casos mais simples, de fácil implementação e que têm resultado prático interessante, sem muita margem para problemas”, diz. “Houve um estardalhaço muito grande no ano passado por conta da terceirização. Falavam que as empresas iriam terceirizar tudo indiscriminadamente. Nada daquilo se confirmou. As empresas têm adotado com muita cautela ambas as leis”, observa Chong.

Para o advogado Lucas Sousa Santos, do escritório Mendonça e Sousa Advogados, entretanto, é preciso ficar alerta. “Os empresários costumam dizer que não têm o que temer, que sempre existirão os efetivos. Mas há exemplos de que, mesmo atividades que precisam de grande coordenação possam ser terceirizadas”, afirma. Como exemplo, ele citou a construção civil: “As grandes empresas costumam ter poucos empregados. A maioria é terceirizada. Trabalham essencialmente nesse regime, mesmo precisando de nível de coordenação alto”. (AA)