O Estado de São Paulo, n. 45392, 27/01/2018. Política, p.A5

 

 

 

 

Lula entrega passaporte à PF e já pede de volta

Defesa apresenta documento de manhã e à noite vai à Justiça no DF para recuperá-lo

 

O advogado Cristiano Zanin Martins entregou, na manhã de ontem, à Polícia Federal, em São Paulo, o passaporte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à noite pediu o documento de volta à Justiça Federal, em Brasília. A defesa do petista ajuizou um habeas corpus contra a decisão do juiz substituto Ricardo Leite, da 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, de apreender o passaporte de Lula e proibi-lo de deixar o País. O pedido foi apresentado ao Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). A defesa solicitou também a remoção do nome de Lula do Sistema de Procurados e Impedidos da PF. Leite ordenou o recolhimento do passaporte anteontem a pedido da Procuradoria da República. O habeas corpus assinado por Zanin e José Roberto Batochio afirma que “não há nenhuma evidência, ainda que mínima”, de que o petista “pretenda solicitar asilo político em qualquer lugar que seja ou mesmo se subtrair da autoridade da decisão do Poder Judiciário nacional”. Para a defesa de Lula, a decisão do juiz “baseia-se em suposições, sofismas e falsas premissas”. Eles alegam também que Leite extrapolou “sua competência jurisdicional”. “É uma restrição ao direito de ir e vir do ex-presidente Lula que não se justifica, até porque baseada em um processo que não está sob a jurisdição do juiz que determinou essa medida”, afirmou Zanin pela manhã ao entregar o passaporte do ex-presidente na Superintendência da PF, na Lapa, zona oeste de São Paulo.

A decisão do juiz de Brasília foi tomada no âmbito da Operação Zelotes. Lula, seu filho Luís Cláudio Lula e o casal de lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni foram denunciados por tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa na compra de 36 caças suecos Gripen e na prorrogação de incentivos fiscais para o setor automotivo por meio de medida provisória, entre 2013 e 2015. Lula havia informado ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, sobre sua viagem à Etiópia antes da confirmação pelos desembargadores da sentença do juiz Sérgio Moro, da Lava Jato em Curitiba. A Corte elevou sua pena de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex do Guarujá (SP), de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês, durante julgamento de quarta-feira. O ex-presidente não pôde embarcar, na madrugada de ontem, para a capital etíope, Adis Abeba, onde participaria de um evento de combate à fome. “Era um evento importante, era muito relevante que o Brasil pudesse participar dessa discussão”, afirmou Zanin. A Procuradoria, ao pedir a retenção do passaporte, afirmou que a execução provisória da pena do petista no caso do triplex “pode ocorrer em questão de semanas” e sugeriu a decretação da prisão preventiva do petista (mais informações nesta página).

‘Indignação’. Zanin afirmou ontem que Lula está “sereno” em relação à apreensão de seu passaporte. Segundo o criminalista, no entanto, “existe evidentemente a indignação”. O advogado chegou à Superintendência da PF em São Paulo às 10h25 de ontem e ficou no local por uma hora. “O ex-presidente Lula está sereno, mas existe evidentemente a indignação de todo cidadão que passa por uma restrição indevida dos seus direitos”, afirmou Zanin./ AMANDA PUPO, JULIA AFFONSO, MARCELO OSAKABE, MARIANNA HOLANDA e RAFAEL MORAES MOURA

Jurisdição

“É uma restrição ao direito de ir e vir que não se justifica porque é baseada em processo que não está sob jurisdição do juiz que determinou essa medida.”

Cristiano Zanin Martins

ADVOGADO DE LULA

 

 

 

Proibição de deixar o País pode ser ordenada no curso do processo

Por: Fernanda de Almeida Carneiro

 

Fernanda de Almeida Carneiro

Ao condenar Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o triplex no Guarujá, já era de conhecimento dos desembargadores do TR-4 que o ex-presidente tinha viagem marcada para ontem, quando iria para Adis Abeba, na Etiópia, participar de encontro da Organização das Nações Unidas (ONU). Ainda que se especulasse acerca da possibilidade de Lula pedir asilo político naquele país, não houve qualquer proibição para que ele deixasse o Brasil. Todavia, um dia antes da viagem, anteontem, o juiz Ricardo Leite, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal, nos autos do processo que apura suposto tráfico de influência de Lula na compra, pela Força Aérea Brasileira, de caças suecos, determinou a apreensão do passaporte do ex-presidente.

Embora tenha entregado o passaporte, a defesa de Lula, em nota, afirmou estar estarrecida com a decisão, alegando que o direito de ir e vir, assegurado pela Constituição Federal, somente poderia ser restringido na hipótese de decisão transitada em julgado. Diferentemente do alegado pela defesa do ex-presidente, a proibição de ausentarse do País pode ser determinada no curso do processo, sendo uma das medidas cautelares alternativas à prisão, prevista no artigo 320 do nosso Código de Processo Penal. Tais medidas devem ser utilizadas se necessárias para a aplicação da lei penal, para investigação ou instrução, ou para evitar a prática de infrações penais. Ao determinar a retenção do passaporte de Lula, o magistrado do DF, acolhendo manifestação ministerial, argumentou que, com a proximidade da execução provisória da pena, no processo envolvendo o triplex, passou a existir risco concreto de fuga, o que frustraria futura e eventual aplicação de pena nos autos sob sua jurisdição. A viagem para a Etiópia seria especialmente “perigosa”, já que o país não tem acordo de extradição com o Brasil.

A princípio, condenação em outro processo e viagem anteriormente marcada, de conhecimento dos desembargadores federais que o condenaram, não seriam, por si só, argumentos suficientemente capazes de justificar a medida tomada. Todavia, em discursos proferidos após a condenação, Lula afirmou que não aceita a “mentira pela qual eles tomaram a decisão”. Assim, a sinalização de que pretende desrespeitar a decisão dos desembargadores federais do TRF-4, mais do que a condenação ou a viagem em si, revela o perigo concreto de fuga que justifica a decisão cautelar.

CRIMINALISTA E PROFESSORA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO DO IDP-SÃO PAULO

 

 

 

 

 

Procuradoria sugeriu prisão preventiva de ex-presidente

MPF pediu ainda que a Justiça proibisse o petista de se ausentar de São Bernardo do Campo sem aviso prévio

 

No requerimento de imposição de medidas cautelares que resultou na apreensão do passaporte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério Público Federal chegou a sugerir à Justiça que decretasse a prisão preventiva para suprimir o “risco de fuga” do petista. Na quarta-feira, Lula foi condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Os procuradores Anselmo Henrique Cordeiro Lopes e Hebert Reis Mesquita, da Procuradoria da República do Distrito Federal, invocaram o artigo 311 do Código de Processo Penal, que autoriza o uso da prisão preventiva em qualquer fase da investigação ou do processo, desde que haja pedido do Ministério Público. Os procuradores, no entanto, limitaram o pedido à apreensão do passaporte e à proibição de Lula deixar o município onde mora, São Bernardo do Campo, no Grande ABC, sem a prévia comunicação à Justiça. O pedido foi parcialmente acatado pelo juiz substituto da 10.ª Vara Federal de Brasília, Ricardo Leite, que determinou a apreensão do passaporte.

“Caso Vossa Excelência entenda que as medidas cautelares aqui requeridas não são suficientes para a garantia da aplicação da lei penal e a supressão do risco de fuga do réu, registra o Ministério Público Federal que as medidas cautelares criminais, inclusive a prisão preventiva, podem ser decretadas de ofício pelo juízo, como permite, expressamente, o artigo 311 do Código de Processo Penal.” Anselmo Lopes e Hebert Reis também atuam na 10.ª Vara Federal de Brasília, onde o ex-presidente é réu em quatro ações penais, uma delas no âmbito da Operação Zelotes, por suposto tráfico de influência na compra de caças suecos no governo Dilma Rousseff. Os procuradores argumentaram que na fase atual da instrução do presente processo sobre a compra dos caças, há interrogatório marcado para dia 20 de fevereiro, mas a defesa tenta o adiamento.

Viagem. No pedido, os procuradores lembraram que há uma condenação contra Lula em regime fechado e que o petista havia programado viagens para a Etiópia, país que não tem tratado internacional de extradição com o Brasil. “Ou seja, mesmo condenado de forma definitiva em duplo grau de jurisdição, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva pretende realizar viagem à Etiópia, país que não tem tratado internacional de extradição com o Brasil nem histórico de extradições para o País”, afirmaram. “Finalmente, registre-se que há agenda de viagens internacionais já programadas pelo réu, bem como manifestações públicas de sua parte no sentido de que pretende manter tais idas ao exterior, entre elas, uma viagem iminente à Etiópia”, anotaram os procuradores. Lula desistiu da viagem horas antes do embarque, após a decisão de apreensão de seu passaporte. “A rigor, os fatos aqui mencionados justificariam a decretação de prisão preventiva para fins de garantia da aplicação da lei penal, com forte no artigo 312 do Código de Processo Penal”, anotaram os procuradores.

‘Garantia’

“A rigor, os fatos aqui mencionados justificariam a decretação de prisão preventiva para fins de garantia da aplicação da lei penal.”

REQUERIMENTO DE IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

 

 

 

 

Relator da Lava Jato nega outros pedidos de apreensão

Quatro advogados que não representam partes no processo solicitaram que a Justiça recolhesse o passaporte de Lula

 

O desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), negou ontem pedidos de quatro advogados para apreender o passaporte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Carlos Alexandre Klomfahs, Rafael Costa Monteiro, Diego Gonçalves Londero e Tuareg Nakamura Muniz não representam partes no caso do triplex do Guarujá – no qual o petista foi condenado a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado na quarta-feira. Os advogados alegaram falar em nome da “sociedade brasileira” e que Lula poderia fugir para a Etiópia, para onde o ex-presidente pretendia viajar para participar de um evento. A viagem foi cancelada após a decisão da apreensão do passaporte de Lula.

‘Inusitado’. Na decisão de indeferimento, Gebran classificou o pedido como “inusitado”, uma vez que os advogados responsáveis por ele não estão cadastrados no processo e não representam “qualquer das partes”. Ele afirmou que, de acordo com o artigo 311 do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de determinação de pedido de prisão preventiva em qualquer fase da investigação ou do processo penal, a decisão apenas pode ser um ato de ofício ou atendendo a pedido do Ministério Público, do réu ou de seu representante. “A pretensão é despropositada, haja vista que os legitimados para requerer medidas da espécie estão expressamente indicados no artigo 311”, escreveu. “Nem mesmo sob a ótica do inusitado pedido para estabelecimento de ofício da restrição, ou mesmo da invocada representação em nome da sociedade brasileira, não há como dar-lhe trânsito”, completou. / J. A. e RICARDO BRANDT, ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE