O globo, n. 30804, 08/12/2017. País, p. 4

 

Ex-operador de propinas desmonta tese de Cabral

Jeferson Ribeiro

08/12/2017

 

 

Com delação homologada, Miranda diz que dinheiro não era de caixa 2

O ex-governador Sérgio Cabral era chefe de uma organização criminosa, que cobrava 5% de propina de empresas que fechavam contratos com o governo estadual e usava os irmãos doleiros Marcelo e Renato Chebar para guardar o dinheiro arrecadado aqui e no exterior. As acusações não são mais apenas do Ministério Público. Agora, elas vêm de um dos homens da mais estrita confiança do peemedebista e operador do esquema: Carlos Miranda. Ele teve seu acordo de delação premiada homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e é o primeiro integrante do círculo mais íntimo de Cabral a delatar. Miranda contou parte do que sabe ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal, em audiência ontem que servia para instruir a denúncia da Operação Ratatouille, que investiga se Cabral recebeu propina de até R$ 16,2 milhões do empresário Marco Antônio de Luca em troca de contratos de distribuição de merenda escolar. O peemedebista e o empresário negaram as acusações. O operador, porém, confirmou o esquema e disse que Cabral montou a organização criminosa desde os tempos em que presidia a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A delação é um golpe contra a estratégia de defesa do ex-governador, que argumenta que a fortuna arrecadada era proveniente de sobras de caixa 2 das campanhas eleitorais que disputou. — Eu confirmo a existência dessa organização e eu participava dela no gerenciamento do recebimento e dos pagamentos dessas propinas determinados pelo ex-governador Sérgio Cabral — disse ao juiz Bretas. — Eu comecei a trabalhar com o ex-governador na época que ele era deputado estadual, e essa organização começou a se estruturar quando ele era presidente da Assembleia. Havia cobrança de propina para empresários interessados na aprovação de legislações específicas. Posso citar empresas de ônibus, supermercados. Normalmente, quando havia interesse em legislação ou fiscalização estadual havia negociação de propina.

Bretas alertou que, como a audiência não era para tratar especificamente desse tema, não entraria nos detalhes das declarações de Miranda. O GLOBO procurou a defesa do operador para saber mais detalhes do acordo, mas até o fechamento desta edição os advogados não responderam. Mesmo sem entrar em detalhes, Miranda confirmou o que as investigações do Ministério Público revelaram até agora. Cabral cobrava propinas de 5% das empresas que mantinham contratos com o estado durante a sua gestão e usava doleiros para gerir o dinheiro. De acordo com o delator, o exsecretário de governo Wilson Carlos era responsável por todas as tratativas do governo com os empresários. Ele e Carlos Bezerra cuidavam de receber o dinheiro e distribuí-lo. E o ex-secretário da Casa Civil Regis Fichtner era o homem de confiança de Cabral e cuidava da estrutura da propina dentro do governo. — O quadro (descritivo) do Ministério Público (sobre a organização criminosa) é próximo da realidade — disse a Bretas.

‘AMARRA-CACHORRO’

Miranda afirmou que toda a propina arrecadada era direcionada aos irmãos Marcelo e Renato Chebbar, que tinham a função de enviar para o exterior ou manter guardados os recursos arrecadados pela quadrilha. Os dois também já delataram e devolveram à Justiça Federal US$ 100 milhões que disseram ser do peemedebista. Álvaro Novis, segundo o delator, era o doleiro responsável por repassar dinheiro da Fetranspor e da Odebrecht para a organização criminosa de Cabral. A propina arrecadada dos empresários do transporte público era entregue diretamente por Novis a Miranda. Já o dinheiro pago pela empreiteira era operado diretamente por Novis com doleiros no exterior e depois retornava ao esquema, segundo o delator. Cabral, preso há mais de um ano por denúncias de corrupção, também prestou depoimento e desqualificou seu ex-operador: — Ele jamais tratou ou participou de reunião minha com empresários para doações. Eu nunca dei satisfações a ele sobre minha logística, sobre meus acordos políticos. Essa coisa de inventar propina chega a dar pena dele. Ele era também um amarra-cachorro meu. Ele recebia um salário meu.

Outro operador, Carlos Bezerra, que não firmou acordo de delação premiada, mas já confirmou em depoimentos à Justiça que operava propinas para Cabral, também foi alvo de ataques. O ex-governador disse que Bezerra tinha “problemas com bebida” e que, apesar de ser um amigo de infância, não se podia dar “crédito” às suas planilhas, encontradas pelos investigadores com informações de pagamentos de propinas a pessoas ligadas ao esquema. Ao fim da audiência, o ex-governador conseguiu autorização de Bretas para mudar a data dos próximos depoimentos, previstos para os dias 12 e 13, porque fará o Enem para presidiários. O peemedebista tentará uma vaga na faculdade de História.

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Filho de Picciani sem mandato é denunciado

Juliano Castro

08/12/2017

 

 

Felipe administra empresa acusada de superfaturar venda de gado

 

Único filho do presidente licenciado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) sem mandato, Felipe Picciani está entre os denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF). Preso desde o mês passado, quando foi deflagrada a Operação Cadeia Velha, ele foi acusado de lavagem de dinheiro e organização criminosa.Felipe administra a Agrobilara, empresa da família Picciani, que, segundo os procuradores, serviu para lavagem de propina por meio da compra e venda de gado. A empresa foi usada para gerar caixa dois para a Carioca Engenharia, com a venda superfaturada de animais. O dinheiro foi empregado, segundo delatores, para pagamento de propina no esquema do ex-governador Sérgio Cabral e de outros políticos. As operações de compra e venda de 160 vacas, efetuadas entre a Agrobilara e a empresa Zi Blue, ligada à Carioca Engenharia, totalizaram R$ 3,5 milhões entre 2012 e 2013. A empresa da família Picciani também foi usada para lavar R$ 760 mil em propina recebidos pelo ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Jonas Lopes, que se tornou delator da Lava-Jato. Ele falou sobre Felipe em sua delação. “Que Felipe comparecia ao Gabinete da Presidência do TCE/RJ para recolher o dinheiro ou na residência do colaborador; Que os recursos utilizados no pagamento em espécie do gado eram provenientes dos ativos auferidos ilicitamente em razão do cargo de conselheiro do TCE/RJ”. Ricardo Pernambuco Júnior, da Carioca, disse que Felipe sabia das operações da Agrobilara, embora as tratativas não tenham se dado com ele.