Correio braziliense, n. 20067, 30/04/2018. Economia, p. 6
Uso de carros oficias custa R$ 1,6 bilhão
Hamilton Ferrari
30/04/2018
Despesa com veículos, combustíveis, manutenção e transporte de servidores supera o volume total de desembolsos que os ministérios do Turismo e do Transporte realizaram em 2017. Os dados são da ONG Contas Abertas
A administração pública federal gastou R$ 1,6 bilhão em 2017 com carros oficiais e outros custos para viabilizar o transporte de servidores e autoridades, segundo a ONG Contas Abertas. Nesse retrato, entram os pagamentos com veículos, combustíveis, manutenção, pedágios e outros. De acordo com especialistas, o volume é considerado alto e demonstra que ainda há desperdícios no setor público.
A título de comparação, o montante é suficiente para construir mais de 21,3 mil unidades do programa Minha Casa Minha Vida e ajudar cerca de 44,7 mil pessoas sem moradia. Além disso, ao se considerar o custo anual médio de R$ 28,8 bilhões do Bolsa Família (R$ 2,4 bilhões mensais), o valor poderia beneficiar 761 mil famílias.
O economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, destaca ainda que o volume é superior a todas as despesas que o Ministério do Turismo e o Ministério do Esporte tiveram juntos em 2017. Além disso, em um momento de corte de gastos públicos, o gasto ficou estável em relação a 2016. As instituições defendem que vêm adotando medidas para redução desses custos.
O Executivo federal, por exemplo, com iniciativas do Ministério do Planejamento, implementou ações para derrubar o número de automóveis que estão em circulação e terceirizar o transporte de funcionários públicos.
Mesmo assim, Castello Branco ressalta que outras ações são necessárias para evitar mais evasão de dinheiro público. “Acredito ser possível a redução ainda maior desses gastos. No momento, por exemplo, são necessárias medidas de contenção das despesas com combustíveis, tendo em vista a elevação acentuada dos preços (por conta do aumento internacional do preço do petróleo)”, alega o especialista.
Apesar do número elevado, o Ministério do Planejamento divulgou que houve uma queda nos gastos com combustíveis e manutenção de veículos em 2017, saindo de R$ 792,2 milhões para R$ 750,1 milhões. Os economistas avaliam que a redução pode ser ainda maior.
Dando continuidade à série de reportagens Pequenos grandes gastos, o Correio mostra que ainda é possível cortar esses e outros desperdícios. No ano passado, apesar do governo federal ter diminuído as despesas discricionárias — aquelas que não são obrigatórias e podem ser evitadas —, especialistas contam que falta um empenho maior dos órgãos para controlar as cifras consideradas pequenas, mas que são essenciais para outros serviços prioritários.
No tema de hoje, Castello Branco destaca que será preciso, ainda, fazer com que os funcionários públicos e as autoridades tomem medidas para minimizar a quilometragem percorrida, visando um custo menor. “É preciso otimizar o uso de veículos e restringir a circulação ao mínimo necessário”, ressalta o especialista.
Roberto Piscitelli, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), destaca que qualquer quantia pode ser reduzida com o controle dos desperdícios. “Sabemos que o custo com transporte é inevitável e faz parte do conjunto da administração pública, é da natureza dos serviços públicos”, diz. “Evidentemente, é preciso avaliar a evolução dos gastos e observar como estão sendo feitos para analisá-los, porque o gestor precisa eliminar os desperdícios e verificar se essas despesas estão atingindo os objetivos preestabelecidos de uma forma que não gere perdas”, completa.
Marcha à ré
Nos últimos dois anos, o governo federal tem adotado medidas para reduzir gastos com transporte. Além de diminuir o número de carros oficiais em circulação, criou o programa TáxiGov, que permite o transporte de servidores por meio de agenciamento de táxis (confira mais informações na matéria abaixo). Bolivar Godinho, professor de finanças, destaca que a medida precisa ser ampliada para toda a administração pública, porque o vazamento de recursos diminui. “Manter carro oficial é uma tarefa que exige vários gastos, como motorista, manutenção, seguro, pedágios, multas e revisões. É muito mais fácil ter um convênio com várias empresas que possam oferecer o serviço de forma muito menos custosa”, diz.
Godinho ressalta também que os contratos com táxis e outras empresas tornam a fiscalização mais fácil. Segundo ele, nesse serviço, os funcionários públicos ou autoridades precisam preencher formulários com o destino e finalidade do trajeto, evitando viagens desnecessárias. “Hoje, o que percebemos é que é muito fácil uma pessoa pedir para o motorista do carro oficial levar o filho na escolha e usar o veículo para fins pessoais. O controle fica muito limitado”, afirma. “Então, se houver um convênio, essa prática pode diminuir bastante”, acrescenta.
Na última quarta-feira, 25, o economista Gil Castello Branco registrou uma foto de um veículo oficial da Subprocuradoria-Geral da República na frente de um restaurante na 201 da Asa Norte e questionou: “Não sei se, pela atual legislação, ele pode usar o carro, inclusive, para ir almoçar.”
Pilotos
O gasto com transporte deve ser ainda mais expressivo do que o registrado, porque os levantamentos do Ministério do Planejamento e da ONG Contas Abertas não contabilizam as despesas relativas aos salários de motoristas. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, a folha de pagamento desses funcionários aumentou de R$ 5,6 milhões em 2016 para R$ 6 milhões no ano passado. No Tribunal de Contas da União (TCU), o custo passou de R$ 3,3 milhões para R$ 3,6 milhões em igual período.
De acordo com a ONG, os maiores gastos são com a compra de veículos, de R$ 451,9 milhões. Mas há despesas menores: pedágios (R$ 1,161 milhão), serviços de estacionamento (R$ 5,05 milhões) e locação de carros (R$ 216,5 mil).
Na administração pública federal, o Ministério da Justiça e Cidadania foi o órgão que mais pagou pelos custos do transporte em 2017, chegando a R$ 115,3 milhões. Em seguida, aparecem o Ministério da Defesa (R$ 97,3 milhões) e Ministério da Saúde (R$ 61,4 milhões).
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Planejamento amplia os cortes
30/04/2018
O Ministério do Planejamento diz trabalhar “constantemente” para reduzir os gastos com transporte. De acordo com a pasta, o esforço começou em 2015, quando o governo federal assinou um decreto que racionaliza os gastos públicos com veículos oficiais.
O Planejamento também criou o TáxiGov, que é um aplicativo para transporte de servidores públicos federais por meio de táxi. O programa completou um ano de atividade em março de 2018. No período, a plataforma limitou-se às atividades para fins administrativos. Foram 25 mil servidores e colaboradores cadastrados.
No orçamento da pasta, os gastos com frota caíram de R$ 2,8 milhões em 2016 para R$ 1,7 milhão em 2017, “ainda sem contabilizar ganhos de liberação de espaço de garagem, motoristas, alocação de servidores em outras atividades etc.”.
O Planejamento comunica que a implementação completa do TáxiGov deve ocorrer até maio e, em julho, novas licitações poderão ser feitas, permitindo que empresas de aplicativos de transporte individual e locadoras também participem. A pasta garante que o programa permite economia dos gastos públicos. “Outra medida, que entrou em vigor no dia 15 de março, foi o Decreto nº 9287/2018, que elimina a prerrogativa de mais de 1 mil autoridades utilizarem carros em deslocamentos a serviços”, comunica.
Restrição
No Legislativo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) destaca que, há dois anos, a Casa vem restringindo os pedidos de utilização de transporte, além de aperfeiçoando o sistema de controle com apuração de despesas por unidade. “Paralelamente, há um estudo em andamento pela Secretaria de Transporte com a finalidade de avaliar alternativas para redução do custo da frota”, informa a assessoria de imprensa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) diminuiu o custo com transporte de R$ 5,5 milhões em 2016 para R$ 4,5 milhões no ano passado. Do lado do Legislativo, o Senado Federal destaca que não possui frota própria, mas tem convênio com empresa especializada. “O contrato dos automóveis dos senadores foi firmado com a empresa Quality Aluguel de Veículos Ltda.”, comunica. “São 85 carros para atender aos senadores e 43 veículos de serviço”, acrescenta. O contrato firmado custa R$ 3,35 milhões. A Câmara dos Deputados não respondeu.