O globo, n. 30804, 08/12/2017. País, p. 6

 

Decisão sobre prisão de deputados é adiada 

Carolina Brígido e Karla Gamba

08/12/2017

 

 

Para cinco ministros, assembleias não podem reverter punições impostas pela Justiça contra parlamentares-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu o julgamento que definirá se as assembleias legislativas podem revogar prisões ou medidas cautelares impostas a deputados estaduais. Cinco ministros votaram para derrubar trechos das constituições do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e de Mato Grosso que contêm a regra. Outros quatro ministros votaram no sentido oposto, para garantir essa imunidade aos deputados estaduais. O julgamento só deve ser retomado no ano que vem, com os votos dos ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski, que estavam ausentes. Por lei, uma decisão nesse tipo de processo só pode ser tomada com a maioria dos votos dos 11 ministros do STF para um dos dois lados. A ausência de dois ministros comprometeu a conclusão do julgamento. Barroso está em viagem previamente marcada ao exterior e deve voltar na próxima semana. Lewandowski está de licença médica e não há previsão de ter alta ainda neste ano. A presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, anunciou que vai aguardar o retorno dos dois colegas. A expectativa é de que a decisão final restrinja as imunidades de deputados estaduais. O julgamento que iniciou esta semana trata de três ações apresentadas pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) contra as regras das três constituições estaduais. O resultado deve definir as normas para esses estados e também ditar a conduta das assembleias de todo o país.

Em seguida, deve ser julgada uma ação apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a decisão tomada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) de revogar as prisões dos deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi. A tendência é que a Corte declare que essa medida não foi legítima, porque as assembleias não têm esse poder. Os dois relatores das ações discordaram, mas, até o momento, a posição do ministro Edson Fachin leva vantagem. Ele declarou que os legislativos estaduais não têm o direito de rever prisões ou cautelares — entre elas, o afastamento de mandato, o recolhimento noturno e a proibição de deixar o país. As constituições dos três estados estendem aos deputados estaduais garantias dadas a parlamentares federais. A Constituição do Brasil diz que senadores e deputados federais só podem ser presos em flagrante, e que para continuarem detidos isso precisa ser referendado pelo Congresso. Em outubro, o STF estendeu o mesmo procedimento para medidas cautelares que afetem o exercício do mandato, como o recolhimento noturno. Para Fachin, as assembleias criaram direitos que não estavam expressos na Constituição Federal ao revogar prisões e medidas cautelares. Além disso, violaram o princípio da separação dos poderes, porque caberia apenas ao Judiciário a decretação de medidas penais. Concordaram com ele os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. — Se o Judiciário decretar a prisão preventiva, essa competência do Judiciário é insindicável por outro poder — afirmou Fux.

CÁRMEN: IMUNIDADE PROTEGE INSTITUIÇÃO

Cármen Lúcia disse que as imunidades parlamentares não são privilégios individuais, mas garantias destinadas à proteção das instituições. No entanto, elas devem ser interpretadas de forma restritiva, para que não sejam transformadas em um caminho para a impunidade. — É preciso que os princípios constitucionais digam respeito à higidez das instituições e aos princípios garantidores dos direitos fundamentais, e não permitam, no entanto, que a imunidade se torne impunidade, o que tornaria o direito inócuo — disse a presidente do tribunal. Para Dias Toffoli e Cármen Lúcia, faz sentido a Constituição proibir apenas a prisão de deputados federais e senadores, a não ser em caso de flagrante delito. Isso porque os parlamentares federais, por terem direito ao foro especial, teriam a prisão decretada pelo STF e só poderiam recorrer à própria Corte. No caso de parlamentares estaduais, há possibilidade de recorrer a um tribunal de segunda instância, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, ao STF. Portanto, o amplo direito de defesa não seria violado.

MARCO AURÉLIO: SITUAÇÃO NOS ESTADOS É IGUAL

Marco Aurélio Mello, relator de uma das ações da AMB, discordou da tese. Ele lembrou que a Constituição Federal garante aos deputados estaduais as mesmas imunidades dadas a deputados e senadores. E, como o Congresso Nacional pode revogar prisões e medidas cautelares, as assembleias deveriam ter a mesma garantia. Concordaram com a tese os ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Celso de Mello. O voto de Gilmar foi contundente na defesa das imunidades dos deputados estaduais. Ele ressaltou que a regra protege o Poder Legislativo como um todo, e não os parlamentares. Embora admita a existência de corrupção entre parlamentares, o ministro pondera que esses casos devem ser discutidos individualmente. — Se começarmos a invadir competências do Congresso Nacional e a proteção dos parlamentares, pouco importa quem esteja no Congresso ou nas assembleias estaduais, vai estimular toda sorte de autoritarismo — alertou. Alexandre de Moraes afirmou que é clara a regra constitucional que estende imunidades de parlamentares federais a estaduais. Ele disse que questões específicas de parlamentares que cometeram ilícitos não podem ditar a regra geral. Ele argumentou que, nesses casos, se a assembleia revogar a prisão, o Judiciário pode anular o ato depois. O ministro lembrou que isso aconteceu no Rio, quando o TRF decretou nova prisãodepois da decisão da Alerj. Os votos de Barroso e Lewandowski devem ser dados a partir de fevereiro, quando o STF retomar as atividades depois do recesso.

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Desafio é decidir sem prever o amanhã

Thomaz Pereira

08/12/2017

 

 

Crise política impede identificar conjuntura no futuro

Em meio à crise política permanente, caso a caso, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo questões específicas, mas que produzem regras gerais que, espera-se, valerão para casos futuros, e questões abstratas que, na atual conjuntura, sabe-se exatamente a quem afetam especificamente. Ao decidir se Assembleias Estaduais podem resolver sobre a prisão de seus deputados, o STF escreve mais um capítulo dessa história. Segundo a Constituição, os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável e a casa a que pertençam pode decidir sobre a prisão pelo voto da maioria. Foi esse o caso de Delcídio do Amaral. Havia de fato flagrante? Tratava-se de um Senador específico, mas ao decidir sobre isso, imaginava-se, o STF decidia também sobre a possibilidade de prisão de todo e qualquer congressista. Segundo o Código de Processo Penal, são medidas cautelares “diversas da prisão” a suspensão do exercício de função pública e o recolhimento domiciliar no período noturno. Mas caso elas sejam aplicadas a congressistas, a casa a que pertença pode votar sobre tais medidas da mesma forma que faz sobre a prisão? Por seis votos a cinco o STF decidiu que sim. A questão foi formalmente colocada em abstrato, mas ao decidir, em meio a um conflito com o Senado, decidia sobre a situação exata do senador Aécio Neves.

Agora, o STF deverá decidir se essa mesma regra vale também para deputados estaduais. Segundo quatro ministros, a decisão não é do tribunal, mas dos constituintes, que estabeleceram que aos deputados se aplicam “as regras desta Constituição” sobre inviolabilidade, imunidades e perda de mandato. Segundo outros cinco, no entanto, essas garantias dizem respeito apenas aos congressistas, não tendo “a amplitude que lhe foi conferida pelas assembleias legislativas” e, portanto, os deputados estaduais não teriam esse poder. O julgamento foi suspenso, aguardando o posicionamento de ministros ausentes, mas, independentemente da tese vencedora, o principal desafio hoje de um STF dividido não é apenas convencer a sociedade de que decide de fato conforme dita a Constituição, e não conforme a conjuntura, mas é também saber que decide hoje em meio a uma crise que impede prever como será a conjuntura de amanhã.

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De uma só vez, Lava-Jato devolve R$ 654 milhões à Petrobras

08/12/2017

 

 

Quantia foi recuperada em acordos de delação e leniência

-CURITIBA- A força-tarefa da Operação Lava-Jato devolveu ontem R$ 654 milhões para a Petrobras. O dinheiro foi recuperado no último ano via acordos de delação premiada com pessoas investigadas e acordos de leniência com empresas que admitiram participar de corrupção. A estatal já recuperou R$ 1,5 bilhão desde o início das investigações. Apesar do resultado positivo, o dinheiro da corrupção que foi recuperado pela força-tarefa representa 13% do total previsto em todos os acordos já feitos pelos investigadores de Curitiba e Brasília. Os 163 acordos de delação premiada e os dez acordos de leniência firmados no âmbito da Lava-Jato preveem o retorno de R$ 10,8 bilhões aos cofres públicos. Presente ao evento de devolução do dinheiro, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, criticou “iniciativas para tentar constranger" a Lava-Jato. — A Petrobras foi o tempo todo prejudicada por desonestidade de alguns poucos executivos em conluio com empresas igualmente desonestas e maus políticos. Não deixemos que o tempo decorrido desde o início da operação esmaeça a percepção dessa incomensurável contribuição, especialmente quando certos atores começam a propor medidas para tentar constranger os principais protagonistas desta iniciativa — discursou.

Questionado, o presidente da Petrobras negou que estivesse se referindo a algum político do PMDB, o partido do presidente Michel Temer. — Não converso com o presidente em relação a outros assuntos, apenas em relação a Petrobras. E, no cargo, tenho autonomia dada pelo presidente como nenhum outro nas últimas décadas — disse. Segundo Parente, não é possível apontar de maneira exata como os recursos devolvidos serão investidos na estatal, já que eles se somam ao caixa da empresa como um todo. — Há um trabalho duro para reduzir a dívida da empresa e recuperar sua reputação. Já o procurador Deltan Dallagnol disse que esta quantia é pequena perto do que está para ser recuperado. — Esta é uma amostra do que está por vir se as investigações puderem continuar. É uma árvore frondosa que cresce no deserto, num ambiente hostil, em que pequena parte dos recursos é devolvida. É preciso que o Congresso Nacional, com o seu trabalho, mantenha isso — afirmou. O procurador ainda aproveitou para destacar que as delações premiadas são fundamentais para garantir a devolução de recursos. — As colaborações, são, de longe, o melhor instrumento para investigar a corrupção e ressarcir os cofres públicos. É preciso que o Judiciário preserve as colaborações premiadas para que a sociedade não fique a ver navios como no passado — disse. A devolução de ontem foi a maior já realizada de uma única vez para os cofres públicos por uma investigação criminal, segundo o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná. (Katna Baran, especial para O GLOBO).