O globo, n. 30804, 08/12/2017. Economia, p. 22

 

Os juros na ponta

Míriam Leitão

08/12/2012

 

 

Com a queda da Selic ao seu nível mais baixo, a pergunta passou a ser por que essa queda não chega ao consumidor dos serviços bancários. A Febraban contratou um estudo para sustentar, com números, a tese de que o país é que tem erros regulatórios e legais que impedem a queda do spread. Quatro bancos controlam 72% dos ativos, mas eles dizem que não há correlação entre concentração e juros altos. A Febraban tem muitos argumentos em sua defesa. Alguns são bons. Todos juntos não são suficientes para explicar a maior distância entre os custos de captação e de empréstimos, ou seja, o maior spread do mundo. A explicação dos bancos é que o Brasil tem excepcionalidades demais: o mais alto compulsório, uma taxa grande de inadimplência, dificuldades judiciais para executar as garantias e muito imposto. É o que diz o presidente da Febraban, Murilo Portugal. Ele discorda de que a concentração bancária explique parte da anomalia brasileira. — Reconhecemos que o sistema bancário é concentrado. Aqui e no mundo. Como todo setor intensivo em capital. Mas concentração não necessariamente leva à falta de competição — diz Portugal. Evidentemente que sim, a concentração num setor onde é difícil e trabalhoso trocar de fornecedor do serviço, como o setor bancário, reduz a competição. E isso perpetua preços altos demais: — Se fosse verdade isso — argumentou Portugal — teria que haver um conluio entre os bancos públicos, que juntos controlam 55% do mercado, com os bancos privados. Na verdade, não é preciso haver conluio. O ambiente dominado por quatro bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco e Caixa) tem naturalmente barreiras à entrada e leva a um comportamento de acomodação natural.

A Febraban defende a tese de que os excessivos problemas no mercado de crédito é que levam às taxas altas. — A pergunta deveria ser por que os custos de intermediação são tão altos. No Brasil, 55% do spread é explicado pelo custo da inadimplência. Além de ser alta, é difícil executar as garantias. No empréstimo para a compra de carro, que é mais fácil, só se consegue recuperar 20% — diz Murilo Portugal. No estudo contratado por eles junto à consultoria Accenture há uma tabela comparativa com outros 12 países, como Estados Unidos, Alemanha, México, Austrália, Índia, em que o Brasil aparece com o maior percentual de custo de provisão para devedores duvidosos. — Não é apenas mais alto entre todos os países analisados, é quatro vezes maior do que a média do custo em outros países — diz o presidente da Febraban. Argumentei que se é verdade que o custo da inadimplência é o mais alto do mundo, o Brasil é um país de caloteiros e eles, bancos, são péssimos na avaliação do risco de crédito. Há sim algumas jabuticabas. Por exemplo, a Receita exige que os bancos paguem Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido sobre o dinheiro provisionado. O Banco Central exige que, se o pagamento atrasa, o banco faça provisão para a hipótese de o empréstimo ser quitado, mas a Receita exige que se pague imposto sobre esse valor que foi imobilizado. Ainda assim, a inadimplência que chegou a 7,2% na pessoa física e 5,96% na pessoa jurídica não pode explicar mais da metade do spread.

A Febraban é capaz de passar horas justificando através de diversos indicadores e de inúmeros dados, de estudos contratados por eles, que os bancos brasileiros não são vilões, mas vítimas de um ambiente de negócios cheio de distorções e de um mercado com muitos de problemas. No Brasil, o ambiente de negócios é difícil para todas as empresas, mas o mercado de intermediação financeira está mudando muito. As cooperativas cresceram na crise, e as Fintechs estão se ampliando. (...) Enquanto a taxa Selic caiu à metade, o crédito consignado de funcionário público, cuja garantia é o salário do servidor, caiu de 28%, em outubro de 2015, para 24,9% em outubro deste ano, o crédito pessoal caiu de 52,9% para 49,1%, segundo o Banco Central. Houve segmentos com queda forte, como capital de giro para empresas, que saiu de 27,2% para 19,7%. Houve quedas em todas as linhas, mas nada na dimensão da redução da Selic que chega agora ao seu menor patamar.