Título: Militantes cobram de candidatos
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2012, Politica, p. 5
Foi-se o tempo em que os cabos eleitorais eram parte da massa manobrável nas campanhas eleitorais. Depois de aprender o caminho dos tribunais trabalhistas, eles movem uma enxurrada de processos contra candidatos, exigindo indenizações por danos físicos e morais. Isso tem sido até mesmo um obstáculo à prestação de contas dos postulantes cargos eletivos. Levantamento realizado pelo Correio no banco de decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostra que os atores mudam, mas o enredo dos problemas envolvendo cabos eleitorais e candidatos se repete.
Na justiça trabalhista acumulam-se reclamações por calote de candidatos. Quando percebem que vão perder, eles recolhem as bandeiras e deixam os correligionários sem pagamento — cabos eleitorais feridos durante o exercício da militância e trabalhadores que brigam para provar que o trabalho político representa vínculo empregatício.
Apesar de a militância representar um dos principais itens na planilha de uma campanha eleitoral, os candidatos costumam driblar as prestações de contas inserindo apenas uma parte dos valores pagos à militância como despesas com pessoal. Na eleição de 2010, PT, PMDB, DEM e PSDB, declararam juntos R$ 39,5 milhões em gastos com pessoal. Como nem tudo pode aparecer, os cabos eleitorais são apresentados como voluntários. Deecisões recentes da justiça eleitoral têm por alvo essa prática. Nas últimas eleições, prestação de contas de candidatos foram rejeitadas porque o relatório de gastos não incluía os cabos eleitorais na despesa de pessoal. Um dos que teve as contas rejeitadas por esse critério foi o deputado distrital Benedito Domingos (PP), que alegou ter recebido ajuda gratuita de parentes e amigos na campanha.
Além de comprometer a prestação de contas, os cabos eleitorais também estão conseguindo atingir o bolso dos candidatos. O ex-governador Joaquim Roriz teve de indenizar, há dois anos, um militante que perdeu a visão em um confronto durante panfletagem na Asa Norte. Gilberto da Cruz Lima contou ao Correio que sempre trabalhou com Roriz , mas após ficar cego — atingido por pau de bandeira em briga de militâncias — perdeu o contato com o ex-patrão e teve de recorrer à justiça trabalhista. "Foi um ato involuntário, de aglomeração de pessoas, mas foi no trabalho político. Eu trabalhava em comunidade, com programas de moradia."
O acidente que tirou a visão de Gilberto aconteceu em 1998, mas somente em 2010 ele ganhou indenização de R$ 120 mil pelo dano irreversível sofrido como cabo eleitoral de Roriz. O Correio procurou o advogado Alberto Pavie Ribeiro, que defendeu o ex-governador no episódio. Ele afirmou apenas que o caso já está encerrado. "O processo já acabou, o que tinha de ser pago já foi pago."
Dificuldades Uma das maiores dificuldades dos cabos eleitorais para conseguir ganhos na justiça ao processar os candidatos é a comprovação do vínculo trabalhista. Basta que um militante distribua panfletos de mais de um candidato, mesmo em casos de coligação partidária, para que o trabalho não seja considerado uma contratação direta de um comitê eleitoral específico. Apesar de muitos militantes passarem anos ligados informalmente a um mesmo político, prestando serviço de cabos eleitorais ou atuando nas bases, a comprovação de vínculo empregatício é difícil. Presidente do PMDB do Rio de Janeiro, o ex-deputado estadual Jorge Picciani foi acionado por um cabo eleitoral que alegou trabalhar havia mais de 14 anos requerendo direitos trabalhistas. O Correio entrou em contato com a assessoria de Picciani, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição.
O advogado trabalhista e procurador da Fazenda Nacional Leandro Bueno explica que o grande número de processos contra candidatos é motivada por um "conflito" entre a lei eleitoral e a que rege as relações de trabalho. De acordo com Bueno, muitas vezes o cabo eleitoral consegue provar que era um empregado do candidato. "Três características são consideradas para enquadrar um prestador de serviço como empregado: a natureza do trabalho não pode ser eventual, tem que haver um salário e relação de subordinação entre a pessoa e o pagador do salário." O procurador da Fazenda Nacional também observa que muitas vezes os contratos de prestação de serviços são feitos por meio do CNPJ temporário do comitê, mas que a justiça entende que o responsável pelas contas é o candidato, pois ao fim das eleições a pessoa jurídica eleitoral é desconstituída.
Campo minado
Calote » Como os cabos eleitorais não têm regras de remuneração, é comum militantes serem escalados para trabalhar em uma campanha e não receberem por todos os dias trabalhados. A ausência de leis trabalhistas para reger a relação faz com que os cabos eleitorais apelem para relação de contrato civil para requerer a remuneração atrasada. Se o cabo eleitoral trabalhou para mais de um candidato na mesma eleição, o militante tem mais dificuldade para ganhar na justiça os recursos prometidos. Notas fiscais » Quando a relação entre candidato e cabo eleitoral é mediada por notas fiscais, o candidato apresenta a prestação de gastos na justiça eleitoral, sem, muitas vezes, ter cumprido o pagamento. Para receber, os cabos eleitorais podem protestar as notas fiscais apresentadas.
Danos » Quando um cabo eleitoral sofre dano à saúde durante o exercício da militância, tem que apelar para os artigos 186 e 940 do Código Civil, responsabilizando o candidato. Voluntários » A maioria dos candidatos paga a militância com dinheiro vivo e deixa de relatar esse gasto na prestação de contas a campanha. Quando indagado por que fizeram isso, alegam "esquecimento". Sem a comprovação de trabalho nas instâncias formais, cabos eleitorais não têm como comprovar a prestação de serviços. A justiça eleitoral, no entanto, está atenta para prestação de contas que não relacionam despesas com pessoal e enquadra a "distração" como irregularidade.