O Estado de São Paulo, n. 45369, 04/01/2018. Economia, p.B3

 

 

 

 

 

Acordo anima quem processa a estatal no Brasil


Luciana Dyniewicz 
Denise Luna
/ RIO

O acordo de quase US$ 3 bilhões fechado entre a Petrobrás e acionistas minoritários da empresa nos Estados Unidos animou os investidores brasileiros que julgam ter sido prejudicados pelos casos de corrupção na estatal e que esperam que a Justiça no Brasil obrigue a empresa a ressarci-los. “O (investidor) brasileiro tem de ser contemplado também. O pedido é que se tenha isonomia”, disse o vice-presidente da Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin), Romano Allegro, que, em agosto de 2000, comprou o equivalente a R$ 80 mil em ações da petroleira e, 11 anos depois, se desfez de 99% de seus papéis por desconfiar de casos de crimes societários na companhia. “A Petrobrás não é vítima (de corrupção). Quem é vítima não aceita pagar US$ 3 bilhões”, acrescentou Allegro.

Para o advogado da Aidmin, André de Almeida, que também foi responsável por ingressar com a ação nos Estados Unidos, o fato de a Petrobrás ter decidido fechar, de forma voluntária, um acordo no exterior significa que a empresa assumiu sua culpa pelos casos de corrupção investigados na Lava Jato. “É o mesmo réu (no Brasil e nos EUA), que cometeu os mesmos atos e que se comprometeu a pagar (o ressarcimento). Isso pode fazer o Poder Judiciário a exigir estender o acordo aqui no Brasil”, disse o advogado. Almeida entrou, ainda no ano passado, com um pedido de liminar para que a Justiça brasileira concedesse aos investidores daqui o mesmo valor que fosse acertado nos Estados Unidos. Ainda não há uma decisão sobre esse pedido.

Sem empolgação. Para advogados ouvidos pelo Estado, entretanto, os acionistas minoritários da Petrobrás no Brasil não devem se animar com o acordo americano. Muito pelo contrário, “agora os acionistas brasileiros ficaram com um prejuízo ainda maior, porque a empresa vai perder bilhões nesse acordo”, diz a especialista em direito societário Alexandra Bellini, do Vinhas e Redenschi Advogados. Alexandra explica que o fato da empresa ter feito acordo nos EUA não a obriga a fazer também no Brasil, mas pode, eventualmente, influenciar a decisão de algum juiz. Mesmo assim, ela não prevê que haja interesse da estatal em fazer acordo por aqui. Se isso ocorrer, o valor será bem inferior ao alcançado nos EUA, “que foi alto até para uma empresa como a Petrobrás”, ressalta. “Nos EUA, esses acordos são punitivos, para a empresa não fazer mais. No Brasil, é mais fácil pagar uma multa do que consertar o erro”, opina.

Segundo Alexandra, a diferença da justiça americana para a brasileira é o peso da punição após o julgamento, o que leva a uma grande quantidade de acordos como o da Petrobrás para evitar ir a júri. “É minúscula a parcela de ações que vão para julgamento, lá é muito mais pesado se a empresa perder o julgamento.” O advogado Ali Hage, sócio do Veirano Advogados e especialista nas áreas de petróleo, e gás, afirma que são poucas as chances de a Justiça brasileira equiparar os valores que serão pagos aos investidores estrangeiros a um eventual ressarcimento no Brasil. “Os cálculos (do ressarcimento) são subjetivos e feitos de forma distinta aqui e nos EUA. Mas, lá, eles geralmente são maiores.” Hagi destaca ainda que a Justiça daqui não deverá considerar a Petrobrás culpada simplesmente porque a empresa decidiu fazer um acordo no exterior. “(O acordo) é um elemento a mais, mas o que vale são as provas de cada processo.” A Petrobrás ainda é alvo de cinco processos de arbitragem no Brasil, uma ação civil pública reunindo 108 pessoas físicas (movida pela Aidimin) e cerca de 45 ações de pequenos investidores, sendo que 22 já tiveram sentença favorável à empresa.

Lá e cá

“O (investidor) brasileiro tem de ser contemplado também. O pedido é que se tenha isonomia.”

Romano Allegro

VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS INVESTIDORES MINORITÁRIOS

 

 

 

 

 

 

Acordo da Petrobrás: quem paga e quem ganha

Por: Érica Gorga

 

Érica Gorga

Em 29 de agosto passado escrevi neste jornal que não seria despropositado afirmar que, “apesar dos esforços e custos da Lava Jato arcados pelos contribuintes brasileiros, os benefícios já obtidos pela Petrobrás ainda não compensaram sequer as reparações que fará a investidores internacionais.” Na época, a petroleira havia recebido R$ 716 milhões recuperados pela Operação Lava Jato, mas tinha se comprometido a pagar US$ 445 milhões, ou seja, quase R$ 1,5 bilhão de indenização a investidores estrangeiros que compraram papéis da companhia no mercado americano e a processaram individualmente perante a Justiça dos Estados Unidos.

O acordo divulgado pela Petrobrás ontem para encerrar a ação coletiva em curso nos EUA reforça nossa análise formulada anteriormente. A petroleira, desta vez, se comprometeu a pagar quase US$ 3 bilhões, ou seja, cerca de R$ 10 bilhões ao grupo de acionistas e investidores estrangeiros que adquiriram seus papéis nos EUA. É o maior valor já pago por companhia estrangeira a título de indenização a acionistas minoritários nos Estados Unidos. É também o maior valor já pago como indenização por companhia brasileira, mas ironicamente é restrito apenas aos investidores do mercado americano, estando excluídos os acionistas nacionais. Agora, a soma dos valores pagos nos acordos individuais juntamente com o montante acordado na ação coletiva dos EUA abrange cerca de R$ 11,5 bilhões.

Em dezembro passado, foi noticiado que a Lava Jato recuperou R$ 653 milhões para a petroleira. Somando-se à quantia anteriormente recuperada, a Petrobrás recebeu até agora cerca de R$ 1,4 bilhão via Lava Jato. Apesar das comemorações, permanece um passivo de cerca de R$ 10,1 bilhões gerado pelos pagamentos de indenizações a investidores estrangeiros. Em outras palavras: a Petrobrás acabará pagando para investidores estrangeiros mais de 7 vezes o valor já recebido da Lava Jato. E sem o ressarcimento de um centavo sequer a investidores do mercado nacional. Enquanto o contribuinte brasileiro custeia a Operação, o investidor estrangeiro fica com todo o montante que dela proveio ao longo de seus quase quatro anos.

São fatos que demonstram a enorme transferência de valor da companhia para os investidores estrangeiros em detrimento dos nacionais, obrigados a arcar com o custo da corrupção duas vezes. Na primeira, os investidores nacionais perderam com as sucessivas quedas de valor das ações da Petrobrás em razão das divulgações das fraudes e esquemas de corrupção. Pela segunda vez, agora pagam os custos do acordo celebrado nos Estados Unidos, já que R$ 10 bilhões sairão do caixa da companhia na qual investiram para ressarcir apenas os investidores estrangeiros. Ficam patentes tanto a eficiência do sistema americano em prover proteção aos direitos de acionistas e investidores, como as falhas do sistema jurídico nacional nesse sentido. Lembre-se que milhares de pessoas investiram o FGTS na oferta pública de ações da petroleira em 2010, conforme autorização governamental, e para quê? Verem sua poupança se esvair graças aos esquemas ilícitos de superfaturamento dos preços de obras e pagamento de propinas.

Também são expostas as maiores fraquezas do combate à corrupção no País e da própria Operação Lava Jato. Enquanto aqui o foco é na esfera criminal e nos acordos de leniência que recuperam dinheiro para o Estado, lá é especialmente no ressarcimento civil aos lesados finais da iniciativa privada. É de se perguntar por que a Lava Jato não ingressou com ação civil pública, análoga à ação coletiva americana, pois, conforme previsto na legislação nacional, o Ministério Público é a primeira parte legitimada a propô-la para a defesa dos interesses dos acionistas minoritários.

Sobressai o problema da propagação da visão de que companhias infratoras são vítimas, adotada pelo juiz Sergio Moro em processos criminais específicos que envolvem a companhia e seus ex-administradores, e equivocadamente generalizada de maneira a esvaziar o direito privado brasileiro, perante o qual as companhias são titulares de direitos e obrigações, sendo plenamente responsáveis pelo destino que dão ao capital de seus acionistas, especialmente quando proveniente da poupança popular tutelada pelo artigo 173 parágrafo 5.º da Constituição Federal e pela leis 6.404/76, 6.385/76 e 7.913/89. Afinal, foi somente pelo receio da condenação por responsabilidade civil perante o direito americano – o que poderia resultar em pagamento de valores ainda superiores – que a petroleira aceitou o acordo para pagar US$ 3 bilhões.


DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS. FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE.