Correio braziliense, n. 20058, 21/04/2018. Política, p. 4

 

Facção brasileira na América Central

Paulo Silva Pinto

21/04/2018

 

 

Foz do Iguaçu — O PCC está expandindo suas atividades não só para países vizinhos, mas também para a América Central, alerta o especialista em segurança norte-americano Douglas Farah. Segundo ele, a principal facção criminosa brasileira está se associando ao MS13, gangue de El Salvador que surgiu a partir de pessoas que estavam presas nos Estados Unidos e foram expulsas do país.    

Os brasileiros, explica Farah, estão atrás das conexões dos salvadorenhos com mexicanos, para, assim, terem acesso aos Estados Unidos, maior mercado consumidor de drogas do mundo. Eles levam a droga à América Central. Mas têm a oferecer também sua expertise no manejo de armas e no controle de comunidades. Juntos, eles “serão capazes de construir uma aliança e serão muito mais letais do que temos visto até hoje”.

Farah, ex-correspondente do Washington Post em vários países da América Latina, participou no início desta semana do Enecob, encontro de jornalistas que teve essa versão organizada com o Instituto Etco, que defende o combate mais forte ao contrabando na tríplice fronteira, uma área que o PCC já domina. Depois da palestra, o especialista falou ao Correio.

As facções criminosas brasileiras estão se tornando uma ameaça global?
Não sei se global, mas certamente para a América Latina. O que é mais assustador é que, pela primeira vez, o PCC e o MS13, de El Salvador, particularmente nos últimos meses, estão desenvolvendo relações sérias, especialmente em Puerto Cortés, em Honduras. Pela primeira vez na história, o MS13 está fazendo tráfico de cocaína. Eles nunca lidaram com drogas. Proporcionavam segurança para os traficantes, mas agora estão entrando diretamente no negócio. E os brasileiros estão chegando à América Central, levando a droga pela costa atlântica, de onde ela é distribuída para Belize e México. Cinco anos atrás, o MS13 estava em El Salvador, Honduras e Guatemala. O PCC, no Brasil. Hoje, o PCC está também no Paraguai, Bolívia e Peru. E o MS13, no Panamá, Guatemala. Os dois grupos estão se expandindo, e a aliança de ambos vai tornar as coisas muito complicadas.

Qual tende a ser o próximo passo?
É difícil dizer. O MS13 está atrás de poder político. É a primeira vez que vejo desejo deles por atuação política direta. Eles têm candidatos a prefeito e estão financiando campanhas para o Legislativo. Acho que vão conseguir o que querem, porque têm dinheiro. O Estado está tão desmoralizado que o MS13 vem ganhando a batalha da legitimidade por uma série de coisas que vem fazendo. Assim como o PCC, eles surgiram na cadeia, e estenderam a controle para as ruas e para as comunidades. À medida que entenderem as similaridades e complementariedades que têm, serão capazes de construir uma aliança e serão muito mais letais do que temos visto até hoje.

Quando o MS13 começou a se expandir?
É algo novo. Nos últimos 18 meses.

No que o PCC pode ajudar uma facção na América Central?
Eles têm instrutores de tiro e tráfico muito melhores do que o MS13. E também têm acesso a um mercado muito maior. O Brasil é o segundo ou terceiro maior país do mundo em consumo de cocaína per capita. O MS13 usa drones. Não sei o que o PCC usa em termos de tecnologia. Mas ambos têm capacidades complementares. Uma facção vai aprender com a outra. O PCC tem muita capacidade de controle de comunidades. Começou antes e faz isso com mais competência do que o MS13, que está apenas começando nesse aspecto, e pode avançar muito. O PCC vai ganhar um aliado que pode conectá-lo com as estruturas de crime no México.

Os governos da América Central tendem a ser capazes de dar algum tipo de resposta?
Não. Já sabemos que eles não conseguem fazer absolutamente nada. Não têm ideia da magnitude do problema, não têm estratégia para combater isso e, nos países em que o MS13 é mais forte, pode-se dizer que a facção tem mais poder do que o Estado. Fizeram uma pesquisa em El Salvador no fim do ano passado. A questão era: quem governa o país? Mais de 50% responderam que são as gangues de criminosos. O partido do governo e o próprio governo ficaram com 20%. Isso diz bastante sobre a legitimidade deles. O governo está constantemente negociando, de forma secreta, com as gangues. Isso mina completamente a capacidade de lidar com o problema.

Outros países poderiam ajudar? Os Estados Unidos?
Os Estados Unidos só fazem piorar o problema. A deportação massiva de cidadãos da América Central, particularmente de integrantes de gangues, vai destruir a América Central. Estão mandando para lá pessoas que têm habilidades especiais. Conhecem o mercado dos Estados Unidos, sabem como entrar e sair do país ilegalmente. Não estamos falando de uma ou duas pessoas, mas de milhares. As gangues absorvem essas pessoas em El Salvador. E estão muito mais fortes hoje do que estavam há seis meses. Os Estados Unidos estão fazendo tudo errado, e vão tornar a América Central ainda pior.

Então não há muita esperança, certo? Teremos uma situação pior em cinco anos do que hoje?
Se você observar a Colômbia, que tinha 50% do território nas mãos dos guerrilheiros e, ainda, dos paramilitares, percebe-se que há algumas medidas que podem reverter o processo. Mas é indispensável ter vontade política. A sociedade precisa ver isso como algo indispensável para a sobrevivência da nação. A Colômbia pagou por essa guerra. Temos a ideia errada de que os Estados Unidos é que financiaram, mas não foi o que aconteceu. Nunca responderam por mais do que 25% do orçamento militar da Colômbia. Tudo o mais veio de impostos pagos pelo povo colombiano. O problema é que, na América Central, a carga tributária está entre as mais baixas do mundo, e não há disposição de aumentá-la para o combate ao crime.

A relação entre crime e política tende a ser crescente no Brasil também?
Não sei exatamente qual é a dinâmica aqui. Mas posso dizer que, uma vez que os criminosos entram na arena política, uma vez que se estabelecem como atores políticos em determinados espaços geográficos, eles tendem a crescer.

Como evitar?
Algo importante é transparência, algo que os Estados Unidos não têm mais. Não servem de exemplo, porque empresas podem doar de forma anônima a candidatos. Saber quem doou para quem e por que é fundamental, porque, então, podem se tomar medidas para se contrapor à força desses financiadores.