Título: Procuram-se 515 mil trabalhadores
Autor: Bonfanti, Cristiane: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2012, Economia, p. 12

O tombo registrado pela economia brasileira em 2011 mostrou que, apesar dos esforços do governo em promover o crescimento, a atividade avança a passos lentos e abaixo de seu potencial. O cenário desfavorável, porém, não minimizou o drama vivido pelas empresas em busca de mão de obra qualificada. Levantamento do Correio mostra que o deficit de trabalhadores chega a quase 265 mil profissionais, se consideradas apenas 12 funções específicas (veja o quadro). Quando o cálculo é feito levando em conta o setor da construção civil, porém, o número salta para 515 mil. O apagão atinge todas as ocupações, dos postos de base aos mais complexos, e as companhias não conseguem encontrar nem mesmo caminhoneiros em número suficiente para atender a demanda.

O economista José Márcio Camargo, da Opus Investimentos, explica que, com o crescimento da economia nos últimos anos, o Brasil atingiu um patamar histórico de baixo desemprego. As empresas absorveram praticamente toda a mão de obra capacitada disponível. Em dezembro, a taxa de desocupação foi de 5,5%, a menor para o mês desde o início da série histórica, em março de 2002. Mesmo assim, ainda há 1,3 milhão de pessoas à procura de uma vaga. A escassez, diz Camargo, está na qualificação. "O problema é que o nível educacional dessas pessoas é baixo", diz o especialista.

Ele analisa que, se a economia continuar crescendo, a falta de profissionais vai se acentuar. Diante dos desafios de explorar os campos de petróleo da camada pré-sal e de realizar grandes competições, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, os empresários brasileiros, que já não encontram trabalhadores qualificados para tocar as grandes obras de infraestrutura, deverão enfrentar daqui para a frente uma busca desesperada pelos melhores e mais capacitados cérebros. Embora seja um problema para os gestores das companhias, esse cenário abre uma enorme janela de oportunidades para quem quer ingressar no mercado de trabalho.

Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, nos próximos três anos, o setor vai precisar de 97,3 mil novos técnicos. As indústrias precisarão, principalmente, de trabalhadores com formação em menor prazo, de pouco mais de 200 horas. Para o cargo de mecânico de manutenção de máquinas industriais, com salário inicial de R$ 1,1 mil, por exemplo, serão abertas 30 mil vagas. Os operadores de máquinas de produtos plásticos também serão cobiçados: nada menos que 12,5 mil novos postos, com remuneração de R$ 841. "As ocupações que estão na base da pirâmide vão gerar mais empregos. Com esses dados em mãos, a população pode escolher que curso fazer. No caso dos técnicos, o país precisa começar a formar hoje para ter profissionais daqui a um ano e meio", observa o gerente do Observatório Ocupacional do Senai Nacional, Márcio Guerra.

Despreparo

Assim como a indústria, a construção civil não encontra candidatos qualificados para os serviços mais simples. Estima-se que, em todo o país, haja 250 mil postos à espera de um trabalhador bem preparado. Pelos dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), 94% das empresas têm dificuldade em contratar até pedreiros e serventes. Vice-presidente de Relações Capital-Trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Haruo Ishikawa diz que o Brasil não estava preparado para o boom que o setor viveu nos últimos anos. "De 2005 para cá, o número de trabalhadores na área passou de R$ 1,7 milhão para 3 milhões", estima.

Ishikawa observa que a falta de profissionais com formação técnica básica é tão grande que pessoas com pouca escolaridade podem ter salários de nível superior. Walace Alves, 36 anos, hoje operador de motoniveladora, foi beneficiado por esse movimento. Ele estudou somente até a 6ª série do ensino fundamental. Mas, há dois anos, passou a ganhar o salário de um engenheiro recém-formado: R$ 5 mil.

O patrão dele, o sócio-diretor da construtora J Couto, Juliano Cortez Rodrigues, explica: "É muito difícil conseguir alguém que opere essas máquinas. Até há pessoas dispostas a trabalhar, mas elas não sabem manusear." Ele relata que as construtoras perdem até quando investem na qualificação de seu quadro de pessoal. "Mas aí vem alguém e leva o recém-treinado", diz. O consultor Adriano Rogério dos Santos, da CM Consultoria, avalia que o caso de Walace Alves é comum no Brasil. "O país tem muita gente no ensino superior, mas não tem no técnico. Outro problema é que o brasileiro se apega apenas à educação formal e as escolas do país não ensinam uma profissão", critica.

Carência

O setor automobilístico também sofre com a escassez de profissionais. A carência de mão de obra inclui os serviços mais básicos, como reparação de veículos e direção de caminhão. O deficit de mecânicos é de 90 mil trabalhadores. A necessidade de caminhoneiros frotistas no país é ainda maior: faltam 130 mil profissionais. O diretor de recursos humanos da transportadora Braspress, Gustavo Brasil, explica que o problema é quantitativo e qualitativo. "Os últimos anos têm sido perversos para as transportadoras. Além da falta de profissionais, que migram para outras áreas nas quais o trabalho não é tão pesado, os trabalhadores que aparecem são pouco capacitados", diz.

A motorista de caminhão Ana Karine Pereira dos Santos, 36 anos, se aproveitou da deficiência de profissionais no mercado para garantir uma vaga. Após dois anos trabalhando na Braspress, ela teve que se mudar para Uberlância (MG) com a família. De volta à Brasília após três anos na cidade mineira, Ana Karine não teve nenhum problema em reaver o emprego na transportadora, há um mês, com um salário R$ 400 mais alto. "Já fiz cursos para mexer com equipamentos específicos, como betoneira, e procuro me manter sempre atualizada por meio de revistas e pela internet", conta.

O apagão também afeta os setores que exigem qualificação especializada. O de Tecnologia da Informação (TI) tem um deficit estimado em 50 mil. Em 2020, esse buraco deverá chegar a 280 mil, nas contas da Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex). Hoje, a maior carência é por analista de sistema: faltam 30 mil. "A demanda por esses profissionais é tão grande porque eles são enquadrados em uma categoria mais genérica, que abriga diferentes perfis", explica Virgínia Costa Duarte, gerente do Observatório Softex.

O especialista em geologia de engenharia Luiz Ferreira Vaz calcula que, com o avanço dos setores de mineração e petróleo, o Brasil já tem um deficit de 200 desses trabalhadores. "A demanda por geólogos é diretamente proporcional ao avanço da economia. Se ela vai bem, vamos furar mais poços. Hoje, a maior necessidade é por profissionais ligados às grandes obras de infraestrutura", ressalta.

""É muito difícil conseguir alguém que opere essas máquinas. Até há pessoas dispostas a trabalhar, mas elas não sabem manusear"" Juliano Cortez Rodrigues, Sócio-diretor da construtora J Couto