O globo, n. 30803, 07/12/2017. Rio, p. 8

 

Agora, o foco é a Rocinha

Gustavo Goulart, Rafael Nascimento e Vera Araújo

07/12/2017

 

 

Autoridades se preocupam com o risco de uma nova guerra na comunidade

Um monitoramento de ligações feitas para uma quadrilha do Pavão-Pavãzinho, em Copacabana, foi o ponto de partida da operação que resultou, ontem, na prisão de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, que era o traficante mais procurado do Rio: havia uma recompensa de R$ 50 mil por informações que levassem à sua captura. Além de apontar a localidade em que ele estava escondido — a Favela do Arará, em Benfica —, o trabalho de investigação mostrou que o bandido, um ex-batedor de carteiras que virou dono de todas as bocas de fumo da Rocinha, tinha poder sobre várias comunidades da cidade e planejava expandir seus domínios. Em telefonemas, comparsas de Rogério 157 transmitiram ordens dele para morros da Zona Sul e relataram um plano de invasão do São Carlos, no Estácio, reduto da quadrilha de seu ex-chefe e maior inimigo, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem. Além disso, em alguns contatos, indicaram a região onde o criminoso vinha morando. Agora, com Rogério 157 atrás das grades, a preocupação das autoridades se volta outra vez para a Rocinha: existe o temor de uma nova guerra na favela, onde o tráfico movimenta, segundo investigadores, cerca de R$ 10 milhões por mês. Rogério 157 foi encontrado dentro de uma casa pouco antes das 6h. Estava numa cama, ao lado de uma mulher, e, de acordo com investigadores, tentou se esconder debaixo de um cobertor quando equipes da 12ª DP (Copacabana) e da 13ª DP (Ipanema) entraram no local. Segundo agentes, ele havia chegado à Favela do Arará por volta das 3h, depois de ser avisado sobre uma movimentação das Forças Armadas na região: quase 3 mil militares começariam uma grande operação em apoio à Polícia Civil na Mangueira e comunidades vizinhas. Foram avisados que dariam suporte a buscas por seis traficantes, mas não sabiam que um sétimo, justamente Rogério 157, também seria procurado.

No momento em que foi encontrado, Rogério 157 disse que se chamava Marcelo, mas, ao ser identificado, teria tentado oferecer suborno aos policiais. “Ele disse: a vida de vocês pode mudar aqui”, contou um agente. Mas, na hora em que o delegado Gabriel Ferrando, titular da 12ª DP (Copacabana), entrou na casa, o traficante falou apenas “perdi, né, doutor?”. Chamou a atenção o fato de o número um da lista de bandidos mais procurados do Rio estar desarmado e desacompanhado de seguranças. A operação terminou sem um tiro sequer, mas não sem uma preocupação com o que vai acontecer a partir de hoje. Afinal, ao ser perguntado sobre o futuro da Rocinha e de outras comunidades após sua captura, Rogério 157, segundo um um investigador, afirmou: “Vou continuar mandando. Estarei preso, mas ainda serei o chefe”. Ontem à tarde, durante um debate no seminário “Reage, Rio!", promovido pelo GLOBO e pelo “Extra”, o secretário estadual de Segurança, Roberto Sá, disse que “a guerra de facções na Rocinha ainda é uma realidade”. De acordo com ele, ainda é cedo para setores de inteligência das polícias Civil e Militar avaliarem o risco de as quadrilhas de Rogério 157 e Nem voltarem a entrar em confronto na favela. — Só os próximos dias dirão se, com a prisão (de Rogério 157), eles (traficantes da Rocinha aliados ao bandido) passarão por uma instabilidade e retornarão ao grupo anterior (de Nem) ou permanecerão na facção atual, fazendo com que o clima de tensão permaneça latente. Pedi uma avaliação aos setores de inteligência das polícias, que vão elaborar cenários e farão análises de risco para a gente direcionar nosso planejamento — afirmou o secretário, acrescentando que 500 PMs estão na comunidade “para evitar uma guerra”. Roberto Sá ainda destacou que pedirá à Justiça que Rogério 157 seja transferido do complexo penitenciário de Gericinó para um presídio federal fora do estado, assim como foi feito com Nem, que cumpre pena em Porto Velho (RO).

TROCA CONSTANTE DE ESCONDERIJOS

A delegada titular da 13ª DP (Ipanema), Cristiana Bento, afirmou que Rogério 157 vinha trocando de esconderijos desde setembro, quando Forças Armadas ocuparam a Rocinha para a acabar com a guerra do tráfico. — Ele vinha migrando de favela em favela — disse Cristiana, que não informou qual foi o último lugar em que o traficante esteve antes de ser encontrado no Arará. Ao ser questionada sobre possibilidade de terem ocorrido vazamentos de informações nas buscas ao bandido, a delegada decidiu suspender a entrevista. No entanto, um agente que participou da operação de ontem contou que toda a movimentação das Forças Armadas foi planejada de forma que forçasse Rogério 157 a buscar refúgio na Favela do Arará. O bandido, segundo essa fonte da Polícia Civil, estava na Mangueira, e não imaginava que seria procurado na pequena comunidade de Benfica.

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De segurança do tráfico a bandido metrossexual

Gabriela Goulart

07/12/2017

 

 

A história do bandido cheio de vaidade que pinta as unhas, usa relógio Rolex e roupas de grife

“Wild spirit”, a faixa número 5 do disco “Head on” (1975), da banda de rock canadense Bachman–Turner Overdrive (BTO), que teve participação da lenda Little Richard, explica o conceito que a batiza e que é em si mesmo a essência da década de sua origem. A letra fala de um cara que voa através da brisa e que vê com naturalidade tempestades e seus trovões. A expressão já batizou santuário de lobos nos Estados Unidos, festas psicodélicas mundo afora e coleções de grifes de peso. Ontem, ao ser preso, Rogério 157 vestia uma camiseta da marca Diesel com a frase. Usava jeans novo, cinto e relógio Rolex. Estava com as unhas feitas e o cabelo cortado no estilo asa-delta, aquele batido na nuca e mais cheio no cocuruto. O visual nada selvagem chamou a atenção dos policiais, que destacaram a “metrossexualidade” do bandido. Junção das palavras metropolitano e sexual, o termo metrossexual surgiu no fim dos anos 1990 para definir homens extremamente preocupados com a aparência. Mais ou menos nessa época Rogério Avelino da Silva, nome de certidão de Rogério 157, teve os primeiros contatos com o crime. Nascido em 1981 na cidade mineira de Governador Valadares, começou assaltando nas ruas da Zona Sul carioca, daí a alcunha 157, número do artigo do Código Penal que se refere a roubo. O que levava das vítimas ele vendia para traficantes. De assaltante a vapor (responsável pela venda de drogas no varejo), de vapor a gerente, de gerente a segurança, de segurança a braço-direito do chefe do tráfico. A escalada na Rocinha teve como padrinho Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, seu futuro desafeto.

Até o início dos anos 2000, Rogério 157 era isso: o segundo na hierarquia do grupo de Nem — atualmente preso em Rondônia — e sua fama cabia nos limites da favela. Em 2010, após uma invasão na comunidade, ele comandou a invasão do Hotel Intercontinental, em São Conrado, com 35 reféns. Foi preso, mas, dois anos depois, já estava solto. Livre, passou a controlar o tráfico na parte baixa da Rocinha. Mas Rogério queria ir mais alto. E deu início a uma disputa interna pelo controle total da favela de Nem. A relação entre criador e criatura já havia ruído. Em 2013, Rogério já era homem forte por lá, instalou câmeras para monitorar policiais da UPP, aumentou o valor dos serviços de gás e TV fechada. Em 17 de setembro, aconteceu o que Rogério mais temia. Mesmo preso, Nem articulou a retomada da Rocinha. A invasão levou pânico a moradores da comunidade e do entorno, parou a Lagoa-Barra, mobilizou a cidade e levou o Exército a ficar uma semana nas imediações da favela. Desde então, tiroteios são constantes, e muitas vezes levam ao fechamento de escolas e da UPA.

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Selfie numa hora dessas? A pergunta da vez

Ana Carolina Torres e Ana Paula Blower

07/12/2017

 

 

Policiais civis, alguns sorridentes, posam para fotos com o traficante que capturaram

Desde os tempos em que bandidos presos escondiam o rosto com suas camisas não se via nada igual. Ontem, após a prisão de Rogério 157, seis policiais civis que participaram da operação na Favela do Arará fizeram selfies com o traficante. As fotos ganharam as redes sociais e viraram o assunto do dia, para o bem e para o mal. Se uma parte dos internautas viu orgulho dos agentes pelo feito, uma outra disse se sentir envergonhada e decepcionada com a atitude. Os policiais aparecem de uniforme e fuzis. Alguns com cara de poucos amigos, outros com um sorrisão. Um fez o “V” da vitória. O traficante, mesmo algemado, parecia tão confortável que até deixou escapar um risinho em um dos registros. Sim, porque, além da foto com o grupo, o chefe do tráfico na Rocinha, que era caçado há mais de dois meses, posou separadamente com cada policial. Na Cidade da Polícia, o delegado Gabriel Ferrando, titular da 12ª DP (Copacabana), um dos que comandaram a operação, censurou a atitude dos colegas, embora a tenha atribuído à adrenalina do momento, e afirmou que eventuais excessos poderiam ser punidos pela Corregedoria: — Reprovo, não acho certo. Mas os excessos serão corrigidos. Os policiais estavam numa adrenalina...  Logo após a crítica, o próprio delegado caiu na rede. Uma foto de Ferrando dentro de uma viatura passou a ser compartilhada, tendo ao fundo ninguém menos que Rogério 157. O delegado surge sério, mas a nova selfie pôs fogo no debate. A assessoria de imprensa da Polícia Civil não informou se Ferrando também responderá a uma sindicância na Corregedoria.

EM BUSCA DE PRESTÍGIO DIGITAL

Para especialistas, a atitude dos policiais merece análises mais profundas. Selfies em situações constrangedoras, tristes ou violentas têm se tornado cada vez mais comuns. Em abril deste ano, por exemplo, ônibus incendiados em protestos no Centro do Rio viraram cenários para fotos de curiosos. O mesmo aconteceu no funeral do então candidato à presidência Eduardo Campos, morto numa queda de avião. No resto do mundo, não é diferente. Fotos de turistas sorrindo no Memorial do Holocausto, em Berlim, chamam a atenção e causam revolta. — Cada internauta vive e administra seu próprio canal, e o fato de as pessoas postarem fotos em situações inapropriadas, sem um senso crítico, mostra até um perfil patológico. É alguém que está procurando uma aprovação, um feedback vindo de uma publicação na internet — afirma a psicóloga Luciana Nunes, diretora do Instituto Psicoinfo. Sobre as imagens de policiais ao lado de um dos traficantes mais procurados do Rio, a psicóloga acredita que mostram um caráter exibicionista de quem fez os registros. Para ela, seria também como exibir uma conquista, dado os sorrisos nas fotos. Segundo Carlos Nepomuceno, consultor de inteligência competitiva digital, as selfies, em geral, podem ser consideradas um sinal de um fenômeno de massa, que pode ser explicado por uma busca por visibilidade e identidade. Elas são feitas em locais conhecidos ou com pessoas famosas como uma forma de potencializar essa visibilidade. — Quando surge uma mídia descentralizada, como as redes digitais, há uma demanda emergente de querer sair da invisibilidade. Nessa passagem, há gente e situações de todos os tipos — observa Nepomuceno. — Em vez de tirar a foto da árvore, por exemplo, tira-se uma foto de si mesmo com a árvore. A pessoa não quer ver a árvore, mas sair na foto com ela.

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Na favela, temor de invasão com apoio do PCC

Elenilce Bottari

07/12/2017

 

 

Facção de São Paulo apoiaria bandidos de olho em altas vendas de droga

Após a prisão do traficante Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, no Parque Arará, em Benfica, foram ouvidos tiros no alto da Rocinha, a mais de 30 quilômetros do bairro da Zona Norte. Era o sinal de que, a partir daquele momento, o morro já tinha um novo chefe ligado ao Comando Vermelho, assim como o Rogério. Foi ele quem entregou a comunidade à facção, após romper com o antigo dono do tráfico local, Antônio Lopes Bonfim, o Nem, e com a organização criminosa Amigo dos Amigos (ADA). Ontem, à medida em que a notícia se espalhava, o som de televisores e rádios das casas, das biroscas, bares e lojas do comércio local subia porque moradores e trabalhadores, assustados, tentavam acompanhar o noticiário sobre a captura do criminoso. A prisão, embora tenha agradado a moradores e comerciantes, que acusa Rogério 157 de achaques, não mudou a situação da comunidade, onde o clima ainda é de preocupação. Muitos moradores acreditam que uma nova guerra pode ser deflagrada a qualquer momento, desta vez por outra facção, o Terceiro Comando dos Amigos (TCA), que reúne o antigo ADA e o Terceiro Comando, e teria o apoio do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. No momento, estaria à frente dos negócios na Rocinha o bandido conhecido como Johny, ligado a Rogério. Os temores da população local se baseiam no fato de que está em jogo o domínio do maior entreposto de vendas de drogas da Barra e da Zona Sul do Rio. Lá, na Rocinha, também fica o maior arsenal de armas da cidade. De olho nesse butim, estariam traficantes dos morros de São Carlos, da Pedreira e da Favela de Vila Vintém. — O que dizem por aqui é que eles virão com muita gente. Mas os traficantes locais estão de prontidão. São 200 homens com fuzis — contou um morador.

“VIDA ANDA MUITO DIFÍCIL”

Os moradores sabem que os traficantes estão escondidos na localidade conhecida como Terreirão, que fica na parte alta da comunidade, junto às matas, por onde também acreditam que pode ter início uma invasão. — Tenha certeza que quem leva a pior nesta guerra é o morador, que não tem nada com isso, mas fica no meio dos tiros. A vida anda muito difícil — disse uma vendedora do camelódromo na parte baixa da Rocinha. A única agência de um banco público que havia na região, da Caixa Econômica Federal, fechou. Um comerciante contou que tentou ontem obter um empréstimo junto a uma instituição privada, mas foi informado que estão suspensos os créditos para quem tem atividades comerciais na comunidade. — Tem comerciante que não conseguiu pagar o mês passado aos funcionários e nem terá como pagar o 13º salário. O movimento no comércio está muito fraco desde o início da guerra — lamentou. As taxas do tráfico continuam sendo cobradas de donos de imóveis e prestadores de serviços, como mototaxistas, motoristas de vans, e comerciantes que exploram gás e “gatonet”. — A taxa inclui também o arrego para policiais — disse um comerciante.

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Só prisão não muda cenário de violência

Ignácio Cano

07/12/2017

 

 

Fundamental é rever modelo e apostar em inteligência

A prisão de Rogério 157 não representa nenhuma grande vitória. A ideia de que a gente vai resolver o problema da segurança do Rio prendendo o traficante varejista “A” ,“B”, “C” ou “D”, é uma ilusão sob a qual a gente viveu muito tempo. Essas prisões são necessárias, mas não mudam o cenário, pois os chefes do tráfico são substituídos e continuam a atuar da cadeia. No caso de Rogério, pode sim ter impacto nas recentes “guerras” da Rocinha. Mas ainda não sabemos se provocará diminuição ou aumento da violência. Para reduzir os níveis de violência, é preciso mudar o modelo de segurança, repensar as operações policiais, melhorar a taxa de esclarecimento dos crimes e evitar os confrontos armados: investir mais em inteligência do que em poder bélico. E, idealmente, mudar o modelo do tráfico para um tráfico sem violência, como em outros países, de forma que a droga seja entregue diretamente ao consumidor sem pontos fixos de venda, as bocas de fumo, que multiplicam os conflitos armados. Descriminalizar o comércio de drogas seria de grande importância para combater a violência.

 


*Ignácio Cano é professor do Laboratório de Análise da Violência da Uerj