O globo, n. 30816, 20/12/2017. País, p. 3

 

Confronto aberto

André de Souza, Cleide Carvalho e Daniel Gullino 

20/12/2017

 

 

Gilmar proíbe conduções coercitivas; Lava-Jato reage e deve ampliar prisões temporárias

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Uma série de decisões proferidas nas últimas horas de trabalho do Supremo Tribunal Federal no ano devem atingir em cheio a forma de atuação da Operação Lava-Jato. A principal delas foi uma liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes suspendendo a utilização da condução coercitiva para interrogar investigados. Só que a decisão, que aparentemente beneficia os investigados, pode acabar tendo a consequência oposta: a força-tarefa da Lava-jato deve mudar sua estratégia e intensificar o uso de prisões temporárias, quando o suspeito fica preso durante cinco dias para ser ouvido.

A decisão de Gilmar sobre as conduções coercitivas é provisória e ainda precisa ser confirmada pelo plenário do Supremo, mas o ministro determinou que o agente público que descumprir a decisão pode ser responsabilizado nas esfera disciplinar, civil e penal. A liminar foi concedida ainda na segunda-feira, mas só ontem foi divulgada e atendeu a ações propostas pelo PT e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Na visão da Lava-Jato, Gilmar age contra a investigação. Um dos procuradores envolvidos diretamente na operação, sob a condição do anonimato, afirmou que a liminar do ministro mostra que a condução coercitiva é “inconstitucional para os ricos”. Antes, os procuradores já haviam protestado, nas redes sociais, contra uma série de decisões do dia anterior, tomadas pelo ministro e pelo colega Dias Toffoli, que rejeitaram denúncias contra parlamentares investigados.

BALANÇO DE 225 AÇÕES COERCITIVAS

Com a decisão do ministro Gilmar Mendes, a força-tarefa da Lava-Jato deve mudar sua estratégia: no lugar de prever a condução coercitiva de investigados para depor, deverá recorrer ao uso de prisões temporárias, quando o suspeito fica preso durante cinco dias para ser ouvido. Desde o início da investigação conduzida em Curitiba, o juiz Sergio Moro determinou 225 conduções coercitivas e 111 prisões temporárias.

De acordo com os investigadores, a condução coercitiva é um bom mecanismo, em grandes operações, para que interrogados sejam pegos de surpresa, praticamente eliminando a possibilidade de depoimentos combinados.

A partir de agora, sempre que considerado importante evitar que réus combinem versões entre si, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deverão pedir à Justiça que seja determinada a prisão temporária, que tem o mesmo efeito e é pior para o suspeito, já que ele tem de passar até cinco dias na prisão para ser ouvido.

Ontem, o dia foi cheio no Judiciário. Logo cedo, o plenário do Supremo tirou do juiz federal Sergio Moro a investigação do chamado “quadrilhão do PMDB”.

No fim da tarde, após tornar-se pública a decisão de Gilmar Mendes de suspender as conduções coercitivas, o ministro Luís Roberto Barroso decidiu, por sua vez, ignorar o fato de ainda tramitar no plenário da corte a discussão sobre o foro privilegiado e enviou para a primeira instância um processo do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN). O argumento do ministro é que a maioria de seus colegas já votou para tirar da corte processos relativos a fatos ocorridos antes do exercício do mandato ou sem ligação com a função. No entanto, o debate na corte ainda não foi encerrado — acabou sendo interrompido no fim de novembro por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Em outra decisão monocrática, Edson Fachin, determinou a prisão do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). No sentido oposto, Gilmar Mendes fechou o dia mandando soltar os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita, ambos investigados no desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro. Já Fachin encerrou os trabalhos, em nova decisão monocrática: manteve Joesley Batista e Ricardo Saud na cadeia.

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Gilmar e Barroso voltam a divergir: MP é o motivo da vez

André de Souza

20/12/2017

 

 

Atuação do Ministério Público é alvo de críticas no plenário do STF. Ministro cita áudio de Temer para defender procuradores

-BRASÍLIA- Em resposta às duras críticas dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes sobre a qualidade das investigações da Lava-Jato, chamadas pelo último de “vexame institucional completo” na última sessão do ano no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a operação de combate à corrupção, com referências às investigações que envolvem o presidente Michel Temer. Embora não tenha citado o nome do presidente, Barroso fez referência ao áudio em que Temer, após ouvir relatos do empresário Joesley Batista sobre pagamento de propina e a boa relação que tentava manter com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, diz: “Tem que manter isso aí, viu”.

— Há diferentes de formas de ver a vida, e todas merecem consideração e respeito. Eu gostaria de dizer que eu ouvi o áudio “Tem que manter isso aí, viu”. Eu quero dizer que eu vi a fita, eu vi a mala de dinheiro, eu vi a corridinha (de Rocha Loures) na televisão. Eu li o depoimento de (Alberto) Youssef. Eu li o depoimento de (Lúcio) Funaro — afirmou Barroso, que prosseguiu:

— Portanto, nós vivemos uma tragédia brasileira, a tragédia da corrupção que se espalhou de alto a baixo sem cerimônia. Um país em que o modo de fazer política e negócios funciona assim.

Antes de Barroso, Toffoli e Gilmar disseram que as apurações não são bem feitas. Os dois ministros citaram o caso do banqueiro André Esteves, que chegou a ser preso e depois foi solto.

— Criamos um monstro (o Ministério Público). E o pior: investigação mal feita. Juntam áudio e não pedem perícia. Um vexame institucional completo de gente que não sabe investigar e foi investido por nós desse poder. É uma grande bagunça, um grande caos, com corta e cola, contradições apontadas. Isso é vexaminoso para o tribunal, e temos obrigação de definir minimamente para que isso não prossiga — reclamou Gilmar, acrescentando:

— O populismo judicial é responsável por esse tipo de assanhamento criminal. A história não vai nos poupar. A covardia com que tratamos os temas vai ser cobrada. Barroso rebateu: — Eu não acho que há uma investigação irresponsável. Há um país que se perdeu pelo caminho, naturalizou as coisas erradas, e nós temos o dever de enfrentar isso e de fazer um novo país, de ensinar as novas gerações de que vale a pena fazer honesto, sem punitivismo, sem vingadores mascarados, mas também sem achar que ricos criminosos têm imunidade. Porque não têm. Tem que tratar o menino pego com 100 gramas de maconha da mesma forma que se trata quem desvia milhões de reais — afirmou Barroso.

— Temos que analisar com prudência e ponderação — respondeu Toffoli, após Barroso.