O globo, n. 30816, 20/12/2017. País, p. 8

 

Fachin determina que PF prenda Paulo Maluf

André de Souza e Daniel Gullino

20/12/2017

 

 

Ministro do STF rejeita recurso do deputado e ordena execução imediata da pena de mais de 7 anos de prisão

-BRASÍLIA- O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a execução imediata da pena do deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), 86 anos, condenado em maio a sete anos, nove meses e dez dias de prisão, por lavagem de dinheiro. Na decisão, o STF determinou que a pena começará no regime fechado. A defesa de Maluf havia recorrido da decisão, mas Fachin rejeitou o recurso, e determinou que a Polícia Federal cumpra o mandado de prisão. Ele também encaminhou ofícios para a Vara de Execuções Penais do DF, para o Tribunal de Justiça local, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e para a Câmara dos Deputados. Maluf foi condenado, em maio, pela Primeira Turma do STF, que também determinou a perda de mandato de deputado federal e o pagamento de multa no valor de R$ 1,3 milhão. Foram a favor, além de Fachin, os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Apenas Marco Aurélio Mello votou contra.

Em novembro, a defesa de Maluf entrou com embargos infringentes, tipo de recurso que dá direito a um novo julgamento, pelo fato de a decisão não ter sido unânime. Fachin, contudo, considerou que o recurso não pode ser aplicado neste caso. Primeiro, porque a regra dos embargos infringentes foi estabelecida quando todas as ações penais eram julgadas no plenário do Supremo, e não nas turmas, e não foi atualizada. Além disso, Fachin destacou que o voto divergente “não se qualifica como absolutório próprio”, já que Marco Aurélio Mello não se concentrou no mérito da ação, mas sim no prazo de prescrição e na falta de perícia.

ADVOGADO CRITICA ENTENDIMENTO

O advogado da Maluf, Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, criticou o entendimento: — É uma decisão para mim teratológica, porque a admissão dos embargos é jurisprudência pacificada no Supremo. Não conheço nenhuma decisão que coloque em dúvida a possibilidade de interposição de embargos quando há votos vencidos. E temos votos vencidos na preliminar e no mérito. Sequer consigo entender a decisão dele. Nunca vi essa decisão em absolutamente nenhum lugar. Em nota, o advogado acrescentou que talvez só possa ter acesso à decisão no dia 8 de janeiro, mas afirmou que irá recorrer à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que fica no plantão durante o recesso. “Confiamos que a Presidência do Tribunal devolverá o direito do Deputado de ver seu recurso ser analisado pelo Pleno do Supremo”, disse Kakay.

De acordo com a sentença, Maluf desviou recursos das verbas para a construção da Avenida Águas Espraiadas, em São Paulo, quando foi prefeito da cidade (1993-1996). O prejuízo aos cofres públicos teria sido de aproximadamente US$ 1 bilhão. O dinheiro teria sido enviado ao exterior e circulou em contas bancárias supostamente mantidas pela família do deputado na Suíça, Inglaterra e na ilha de Jersey, localizada no Canal da Mancha, a partir de distribuição feita de uma conta nos Estados Unidos. A obra foi executada na década de 1990 por um consórcio formado pelas construtoras Mendes Junior e OAS, ao custo de R$ 796 milhões, em valores da época. Segundo as investigações, a Mendes Junior subcontratou várias empresas para vender serviços fictícios, cobrando propina de 10% do valor dos contratos. Na avaliação de Fachin, ficou comprovado que o deputado tinha consciência das irregularidades cometidas.

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A habilidade de dar vida longa aos processos 

Silvia Amorim

20/12/2017

 

 

Maluf explorou todos os recursos, se livrou da Lei da Ficha Limpa e só ficou preso por 41 dias

-SÃO PAULO- Há 48 anos na política, Paulo Maluf já figurou no topo da lista de políticos com mais processos judiciais. Entretanto, graças a recursos, nunca passou mais do que 41 dias na prisão. Isso foi em 2005, quando ficou na carceragem da PF em São Paulo, entre 10 de setembro e 20 de outubro, acusado de coagir testemunhas na ação que o levou à lona ontem. Entre o início da investigação sobre desvio de recursos da obra da Avenida Água Espraiada, hoje Avenida Roberto Marinho, e a sentença do Supremo Tribunal Federal foram 17 anos. Essa é outra peculiaridade da ficha corrida de Maluf. Ele soube dar vida longa a seus processos, explorando todos os recursos protelatórios disponíveis.

Com o tempo, a idade trouxe vantagens ao réu Maluf. O deputado passou a contar com o benefício da prescrição de algumas ações judiciais. Uma delas foi a de uma obra símbolo da gestão dele na prefeitura paulistana, o túnel Ayrton Senna. Em 2009, o STF decretou o arquivamento do processo criminal por desvio de recursos públicos porque Maluf tinha mais de 70 anos. Mas uma das maiores proezas de Maluf nos últimos anos foi conseguir se livrar da Lei da Ficha Limpa na eleição de 2010, mesmo condenado por um colegiado por improbidade administrativa no caso do superfaturamento do túnel Ayrton Senna. Sua defesa convenceu a Justiça eleitoral de que a improbidade cometida tinha caráter culposo e não doloso. Também consta no currículo de Maluf uma “estadia” na lista dos procurados pela Interpol, com ordem de prisão em 188 países. Maluf jamais admitiu ter cometido crime de corrupção. O bordão “não tenho nem nunca tive conta no exterior” continua sendo a sua principal retórica.