O globo, n. 30816, 20/12/2017. País, p. 23

 

Nas mãos de Cármen Lúcia

Geralda Doca, Martha Beck, Bárbara Nascimento e Gabriela Valente

20/12/2017

 

 

Para manter adiamento para 2019, AGU prepara recurso, que será levado à presidente do STF

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Advocacia-Geral da União (AGU) estuda uma forma de derrubar a liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que suspendeu o adiamento do reajuste do funcionalismo de 2018 para 2019 e o aumento da contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. Segundo integrantes da AGU, a ideia é apresentar um recurso para que o assunto seja levado às mãos da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, e ela possa decidir o assunto monocraticamente, antes do fim do recesso do Judiciário, em 31 de janeiro. O recesso do STF começa hoje, e o retorno dos trabalhos é no dia 2 de fevereiro. — Ela pode analisar um pedido, um novo recurso relacionado ao tema. Essa possibilidade está sendo estudada pela área jurídica — disse um técnico da AGU. A equipe econômica tem urgência em tratar do assunto. O temor é que, uma vez que o reajuste do funcionalismo comece a ser pago, será muito difícil revertê-lo. Os técnicos apontam que os servidores podem usar o princípio da irredutibilidade dos salários para barrar qualquer ação posterior do governo. O ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, chegou a dizer ontem que o governo poderia pagar o aumento salarial e, se tiver resultado favorável no recurso apresentado pela AGU, descontaria o que foi pago a mais.

No entanto, nos bastidores, há um receio de correr esse risco. O adiamento do reajuste do funcionalismo representa uma economia de R$ 4,4 bilhões para os cofres públicos no ano que vem, enquanto o aumento da contribuição previdenciária significa uma receita extra de R$ 2,2 bilhões. Ambas estão numa medida provisória (MP) que foi suspensa pela liminar de Lewandowski. Sem essas duas ações, a principal saída para o governo é cortar o Orçamento do ano que vem, que já está enxuto. Os técnicos afirmam que é preciso reverter a liminar até o fim de janeiro. Isso porque a folha de salários do Executivo fecha entre os dias 15 e 20 de cada mês. Em janeiro, o governo vai pagar a folha de dezembro. Portanto, o reajuste salarial dos servidores previsto para janeiro só será pago em fevereiro.

REAJUSTE DO BOLSA FAMÍLIA

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, adiantou que, em caso de derrota, o governo terá de adotar medidas adicionais para garantir o equilíbrio das contas públicas. E esse problema pode ser agravado caso o Congresso não aprove outras duas medidas que são importantes para o Orçamento do ano que vem: a cobrança de IR sobre fundos de investimento exclusivos (que representa uma receita extra de R$ 6 bilhões) e a reoneração da folha de pagamento das empresas (R$ 8,3 bilhões). Segundo Meirelles, do lado das receitas, o governo conta com a ajuda de um crescimento maior da economia no ano que vem, o que pode compensar parcialmente as perdas de arrecadação. No entanto, do lado das despesas, o que pode ocorrer são cortes nos gastos discricionários. Ele assegurou que a meta fiscal de 2018, de déficit primário de R$ 159 bilhões, e o teto de gastos serão cumpridos: — Vamos ter que pensar em outras alternativas para controlar despesas e compensar essa medida (aumento do funcionalismo). Em último caso,sempre existe o recurso do contingenciamento. Não é o ideal, mas existe. Apesar das dificuldades fiscais de 2018, Meirelles disse que acha razoável reajustar o Bolsa Família no ano que vem para compensar o aumento do custo de vida da população, ou seja, repor a inflação. Ele explicou, no entanto, que conceder ganhos reais depende de uma decisão política do governo.

RISCO DE EFEITO EM SERVIÇOS PÚBLICOS

Segundo analistas, com as incertezas que persistem sobre a aprovação da reforma da Previdência, o cumprimento do teto de gastos é fundamental. — O cobertor é muito curto, e o não cumprimento do teto geraria um desgaste político junto ao mercado. Não seria bem visto este governo, que idealizou o teto de gastos, gastar mais que o previsto. O governo vai ter que cortar no custeio e nos investimentos, e isso pode afetar os serviços públicos — diz Fábio Klein, analista sênior de contas públicas da Tendências Consultoria. Luiz Otávio Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, lembra que o não cumprimento do teto empurrará para o próximo presidente a necessidade de um duro contingenciamento de gastos, inclusive com suspensão de reajustes. — Não terá dinheiro para obra, e vai chegar uma hora em que não haverá recurso para mais nada. Ontem, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, alertou para o fato de que a continuidade das reformas é fundamental, porque as condições externas não devem continuar tão favoráveis: — Quero ressaltar que a continuidade dos ajustes e das reformas, em particular a da Previdência, é importante para o equilíbrio da economia, com consequências favoráveis para a desinflação, a queda da taxa de juros estrutural e a recuperação sustentável da economia brasileira.

DESCONTINGENCIAMENTO AINDA ESTE ANO

A preocupação com a situação fiscal pressionou o mercado financeiro ontem, e a Bolsa encerrou em queda de 0,6%, aos 72.680 pontos. Já o dólar fechou quase estável, com recuo de 0,03%, a R$ 3,298. Apesar do aperto fiscal também em 2017, o ministro do Planejamento confirmou que o governo vai descontingenciar parte dos R$ 25 bilhões do Orçamento que estão bloqueados nos próximos dias. O ministro não quis antecipar valores nem áreas a serem beneficiadas. Disse apenas que as despesas e receitas ainda estão sendo revistas e que os gastos obrigatórios terão uma redução em relação aos valores projetados anteriormente, enquanto a arrecadação deu sinais de melhora nos últimos meses. Segundo a Receita Federal, a arrecadação de impostos e contribuições federais encerrou novembro com o maior resultado para o mês desde 2014, em R$ 115,09 bilhões. O número representa alta real (já descontada a inflação) de 9,49% na comparação com 2016. De janeiro a novembro, os cofres públicos receberam R$ 1,20 trilhão. Colaborou Ana Paula Machado

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Banco Central reduz compulsório e libera R$ 6,5 bi para crédito

20/12/2017

 

 

Medida permitirá que bancos emprestem mais, aquecendo a economia no fim de ano

-BRASÍLIA- Sem o incentivo da reforma da Previdência no horizonte, o governo decidiu usar outras ferramentas para estimular a economia. O Banco Central decidiu ontem liberar R$ 6,5 bilhões para que os bancos emprestem mais. Como antecipou O GLOBO no início de outubro, a autoridade monetária reduziu o chamado “depósito compulsório”, parte do dinheiro dos clientes que as instituições têm de deixar parada nos cofres do BC. Assim, a autarquia quer fazer com que a queda dos juros — que começou em outubro do ano passado — seja, enfim, sentida pelo consumidor, e que as famílias voltem a ter crédito. O BC diminuiu as alíquotas dos recolhimentos compulsórios sobre recursos à vista e a prazo. O percentual do recolhimento à vista passou de 45% para 40%, e o dos recursos a prazo, de 36% para 34%. Com isso, o dinheiro fica livre para ser emprestado e ajudar a movimentar a economia na virada do ano.

POTENCIAL ERA DE R$ 20,5 BI

A medida tinha potencial de liberar muito mais dinheiro. Os cálculos eram de algo em torno de R$ 20,5 bilhões. No entanto, entra em vigor em dezembro mais uma etapa da reversão de diversos benefícios setoriais feitos no governo Dilma, que cortou compulsórios para financiamento de automóveis, motos e diversas outras modalidades. Essa etapa tiraria R$ 14 bilhões de circulação. Com a medida anunciada ontem, o BC anula esse impacto e ainda coloca mais recursos na praça. — O governo está tentando fazer de tudo com os instrumentos que tem na mão para tentar acelerar a economia. A grande maioria dos bancos não refletiu a queda de juros, e o crédito não está solto como deveria estar — explicou Renato Nóbile, economista-chefe da corretora Bullmark, acrescentando: — Não vemos ainda muito dinheiro circulando na economia. Essa é uma medida paliativa, mas ajuda. (Gabriela Valente)