Título: O preço da negligência
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 11/03/2012, Saude, p. 23

A morte está chegando cedo demais para os idosos, segundo um estudo da pesquisadora brasileira Cleusa P. Ferri, do King"s College London e da Unesp, publicado na revista PLoS Medicine. Embora seja natural que a maior parte dos óbitos ocorra entre pessoas mais velhas, o aumento mundial da expectativa de vida faz com que homens e mulheres com mais de 60 anos ainda tenham um grande potencial de contribuir com a sociedade. Essa faixa etária, porém, de acordo com o artigo, é negligenciada, principalmente em países em desenvolvimento, onde faltam políticas específicas para ela.

"Eu acho que uma das mensagens mais importantes desse estudo é chamar a atenção para o fato de que o conceito de morte precoce está mudando", destaca Cleusa. "Hoje, as pessoas estão vivendo mais e contribuindo para a sociedade por mais tempo, daí a importância de se estudar o assunto nesse grupo etário", justifica. No artigo publicado na PLoS, uma equipe internacional de pesquisadores analisou as tendências de mortalidade entre 12.373 idosos da América Latina, da Índia e da China. As principais causas de óbito são as doenças crônicas, embora, em alguns lugares, tuberculose e problemas hepáticos estejam no topo do ranking. Dados do Brasil não entraram, mas, de acordo com o Ministério da Saúde, a realidade, aqui, não é diferente (veja quadro).

Ao analisar os fatores socioeconômicos por trás das mortes, os pesquisadores constataram que educação, trabalho, renda e recebimento de pensão são inversamente proporcionais aos óbitos precoces, sendo a escolaridade o indicador mais importante. Na área urbana da Índia, por exemplo, entre a população idosa mais vulnerável, 20% encontravam-se em situação de insegurança alimentar. Na República Dominicana, somente 30,5% recebiam pensão. Na zona rural do México, 84,2% não haviam terminado sequer o ensino primário.

Vulnerabilidade

Sem nenhum estudo, Maria Pereira Dias, 63 anos, jamais recebeu orientações de campanhas sobre cuidados com a saúde. Na roça de Januária (MG), onde nasceu, começou a trabalhar cedo para ajudar a família. "Sempre trabalhei na casa dos outros, graças a Deus", relata. O excesso de serviço estragou a coluna da mulher, que precisa mostrar a carteira de identidade para provar a idade — ela parece ser, pelo menos, 10 anos mais velha. Mesmo com dores por todo o corpo, foi doméstica até oito anos atrás, quando se aposentou, recebendo um salário mínimo por mês.

Maria tem um marca-passo, instalado há quatro anos. O que mais a incomoda, porém, são as pernas dormentes. "Eu não sei o que é isso. Já me disseram que eu tinha diabetes, depois falaram que não. Acho que é porque trabalhei muito na friagem. Às vezes, fico tonta, caio no chão e não enxergo nada. Por causa dessas pernas, não consigo sair na rua, até porque tenho medo de ser atropelada", diz a mulher, que é mãe de oito filhos e, mesmo doente, ajuda a criar seis netos.

Os fatores socioeconômicos são importantes, mas os pesquisadores destacam que apenas a classe social não pode explicar a vulnerabilidade de idosos ao óbito precoce. Outros estudos já demonstraram que doenças cardiometabólicas ocorrem, principalmente, entre pessoas com alto nível educacional. Por isso, eles destacam a importância de haver políticas de saúde pública direcionadas aos idosos, independentemente do fator renda. "Proteção social para pessoas mais velhas e um sistema de saúde efetivo na prevenção e no tratamento de doenças crônicas podem ser tão importantes quanto o desenvolvimento econômico e humano", dizem, no artigo.

O mundo envelhece

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1980 e 2010, a expectativa de vida do brasileiro subiu de 62 anos e 7 meses para 73 anos e 6 meses. Em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a expectativa média é de 80 anos. Já em nações mais pobres, como países da África Subsaariana, as pessoas vivem menos que 40 anos.

Mortalidade no Brasil, por faixa etária

Causa 60 a 69 anos 70 a 79 anos 80 anos e mais Doenças infecciosas e parasitárias 7,18% 7,75% 68% Tumores 11,39% 13,35% 1% Doenças hematológicas 0,9% 1% 1,4% Doenças endócrinas nutricionais e metabólicas 4,94% 5,4% 6,1% Doenças do sistema nervoso 1,95% 1,84% 1,8% Doenças do aparelho circulatório 26,1% 27,8% 26% Doenças do aparelho respiratório 13% 18,2% 24,3% Doenças do aparelho digestivo 13% 9,9% 7,2% Doenças da pele e do tecido subcutâneo 2,26% 1,88% 1,67% Doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo 2,37% 1,72% 1% Doenças do sistema geniturinário 8% 7,18% 6,45% Sintomas e sinais anormais 1,9% 1,88% 1,85% Causas externas 6,8% 6% 7,2% Fonte: Ministério da Saúde

Ranking das principais causas de morte*

País 1º 2º 3° 4º 5° Cuba Derrame (18,9%) Infecção respiratória (14,4%) Doenças coronarianas (13,7%) Doenças hepáticas (6,5%) Diabetes (6,2)

República Dominicana Derrame (23,4%) Doenças hepáticas (9,9%) Tuberculose (8,2%) Doenças coronarianas (5,6%) e infecções respiratórias (5,6%)

Peru (área urbana) Derrame (28,6%) Infecção respiratória aguda (12,9%) Diabetes (5,7%) Doenças coronarianas (4,3%), tuberculose (4,3%), doenças hepáticas (4,3%), causas externas (4,3%) e tétano (4,3%)

Peru (área rural) Tuberculose (15,7%) e doenças hepáticas (15,7%) Derrame (13,7%) Infecção respiratória (7,8%) Doenças coronarianas (4%)

Venezuela Derrame (15,2%) Doenças hepáticas (13,6%) Doenças coronarianas (11,6%) Tuberculose (7,1%) Diabetes (5,5%)

México (área urbana) Derrame (14,9%) e doenças hepáticas (14,9%) Tuberculose (11,9%) Doença respiratória crônica (9%) Diabetes (7,5%)

México (área rural) Doenças hepáticas (29%) Diabetes (8,7%) e tuberculose (8,7%) Derrame (7,2%) Infecções respiratórias (5,8%)

China (ára urbana) Derrame (28,8%) Tuberculose (11,7%) Diabetes (10,7%) Doença respiratória crônica (5,9%) Doenças coronarianas (4,8%)

China (área rural) Derrame (29,1%) Tuberculose (14%) Doença respiratória crônica (8,1%) Doenças hepáticas (3,9%) Infeções respiratórias (3,6%)

Índia Derrame (16,4%) Tuberculose (10,7%) Diabetes (9,8%) Causas externas (7,4%) Infecções respiratórias (7,1%)

* Pessoas com mais de 65 anos Fonte: Socioeconomic factors and all cause and cause-specific mortality among older people in Latin America, India and China: a population-based chort study, de Cleusa P. Ferri e equipe