Correio braziliense, n. 20062, 25/04/2018. Política, p. 2

 

Progressistas, mas pode chamar de encrencados

Bernardo Bittar, Hamilton Ferrari e Alessandra Azevedo

25/04/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Integrantes do partido com a quarta maior bancada, o senador Ciro Nogueira (PI) e o deputado Dudu da Fonte (PE) são alvo da Polícia Federal, que fez buscas no Congresso. Eles são suspeitos de obstrução de Justiça e organização criminosa

Dono da quarta maior bancada do Congresso Nacional, hoje com 53 deputados e seis senadores, o Partido Progressista tem 21 integrantes investigados pela Justiça. Ontem, dois deles foram alvo de ações mais profundas. Logo pela manhã, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nos gabinetes do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do partido, e do deputado Eduardo da Fonte (PE). Suspeitos de tentar comprar o silêncio de um ex-assessor, nenhum deles estava no local de trabalho. A operação para apurar os crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin e pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Mesmo com o plenário da Câmara funcionando e uma fila de oito medidas provisórias para serem votadas com urgência, nenhum dos acusados foi trabalhar. Ciro Nogueira está em Bruxelas para participar de evento da União Interparlamentar para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e deve voltar amanhã. Eduardo da Fonte passou a manhã no Recife, onde foi abordado por três agentes da PF de Brasília que estenderam a ordem de busca e apreensão para o apartamento do político. Segundo a assessoria da Polícia Federal em Pernambuco, ao menos um telefone celular foi apreendido. A expectativa era de que ele chegasse ontem mesmo a Brasília.

Tanto Ciro quanto Eduardo da Fonte já foram denunciados ao STF por organização criminosa no “quadrilhão do PP”. A denúncia foi feita pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot e confirmada pela atual procuradora-geral Raquel Dodge. O Ministério Público acredita que integrantes do partido indicavam pessoas comprometidas em arrecadar propina para cargos no governo federal. Em nota, o advogado de Ciro afirmou que não conseguiu falar com o cliente, que está fora do país, e que não iria se manifestar.

As buscas jogam luz sobre a atual situação do PP, que ostenta duas posições aparentemente antagônicas: é o partido mais investigado, e, ao mesmo tempo, um dos que mais atrai deputados para a bancada. Desde as eleições de 2014, conseguiu 17 novos nomes na Câmara — sete deles apenas na janela partidária deste ano —, mesmo sendo alvo de inquéritos. Não importa o número de ações contra o partido, parlamentares dizem que o PP continua sendo visto como um bom destino pelos parlamentares, que consideram o peso das investigações irrelevante quando comparado aos recursos e aos cargos públicos a que o partido tem acesso.

Especialistas acreditam que os pontos positivos superam o suposto envolvimento em casos de corrupção no partido. Apontam que, entre as benesses, estão os recursos partidários expressivos, a proximidade com o governo e o fato de ser mais pragmático. “É uma espécie de porto seguro, porque não constrange os integrantes em relação aos posicionamentos nas votações, e se esquiva das investigações. Não encara como sendo uma responsabilidade do partido, mas como um comportamento individual”, explica o cientista político Geraldo Tadeu, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Conhecido por atuar nos bastidores da Câmara, Dudu já foi denunciado pela PGR ao menos duas vezes. Respondeu por suposto recebimento de propina para beneficiar empreiteira no Paraná e em ação que alegava sua atuação para atrapalhar as investigações da CPI da Petrobras no Senado, em 2009. A última foi rejeitada pelo STF. Em nota, disse confiar na Justiça e em Deus. Por isso, garante: “Estou tranquilo”.

Os percalços enfrentados pelos progressistas não devem afetar o restante do partido, segundo o especialista em política brasileira Sérgio Praça, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Com lógica diferente do PT, por exemplo, o PP não sofre em conjunto quando há uma operação contra algum membro. “As investigações afetam os candidatos diretamente envolvidos, mas não trazem prejuízo à reputação do partido, porque ele mal tem reputação”, resumiu.

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Figura fácil de Brasília

25/04/2018

 

 

» Ciro Nogueira Lima Filho, 49 anos, está na política desde 1994. Muito antes disso, porém, já tinha contato com o poder. Filho de parlamentar, mudou-se para Brasília quando ainda era adolescente. Estudou em colégios caros e fez amizade com pessoas que foram importantes em sua carreira. Venceu a primeira eleição aos 26 anos, lançado como um substituto do pai, Ciro Nogueira, então deputado federal pelo Piauí.

» Ciro é presidente do Partido Progressista e empresário, dono de uma grande concessionária de carros e motos. Considerado mais próximo da direita, Ciro está no centro. Votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), é contra o aborto, faz parte da bancada ruralista e apoia o sistema Parlamentarista — onde o Executivo é representado pelo Congresso. Tem cinco processos em aberto, um deles aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) em que é acusado de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, tráfico de influência e formação de quadrilha.

» Tornou-se senador em 2010, com 695 mil votos. Em Brasília, Ciro costuma frequentar poucos restaurantes. Prefere endereços localizados no Lago Sul, onde fica a residência da família na capital, e locais especializados em carne. Às vezes, almoça com pessoas do partido em uma famosa churrascaria do Setor Hoteleiro Sul.

 

Acusações

Confira os processos de Ciro Nogueira:

 

STF

Inquérito 3910/2014

Ciro Nogueira e a mulher, a deputada federal Iracema Portella, foram acusados de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, tráfico de influência

 

STF

Inquérito 3989/2015

Investigação no âmbito da Operação Lava-Jato que investiga esquema de corrupção, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro com recursos desviados da Petrobras.

 

TRF-1

Ação popular 0039272-79.2004.4.01.3400

Condenado por ser omisso quando atuava como 4ª Secretário da Mesa na Câmara dos Deputados ao ignorar que um ex-deputado continuava ocupando imóvel funcional. Foi condenado a pagar 163 vezes o valor do auxílio-moradia pago pela Casa em 2004. Interpôs embargos de declaração, mas a condenação foi mantida. Apela em segunda instância.

 

TRF-1

Ação Civil 005703-81.2014.4.01.4000

Senador teria usado recursos públicos para a propaganda eleitoral de Iracema Portella nas últimas eleições, em 2014.

 

TRF-1

Ação Civil 0039259-80.2004.4.01.3400

_____________________________________________________________________________________________________________________________

Agentes passam seis horas nos gabinetes

25/04/2018

 

 

A operação da Polícia Federal contra Ciro Nogueira e Eduardo da Fonte foi realizada durante toda a manhã de ontem no Congresso. Os agentes passaram mais de seis horas nos gabinetes dos parlamentares recolhendo documentos e dados dos computadores. No gabinete do deputado, os policiais saíram às 13h15 com algumas mochilas e malotes por elevadores. O corredor que dá acesso à sala foi fechado pela Polícia Legislativa. Só funcionários e visitantes foram autorizados a passar.

No Senado, os seguranças também bloquearam a passagem. Os agentes recolheram apenas um malote grande na sala de Ciro Nogueira. De acordo com uma fonte da PF, está autorizada a quebra do sigilo eletrônico. Os equipamentos serão levados para a perícia, onde mensagens e e-mails serão analisados. Foram nove mandados, sendo oito de busca e apreensão, inclusive nas casas dos acusados. O ex-deputado Márcio Junqueira, de Roraima, foi preso. Em comunicado à imprensa, o deputado Dudu da Fonte disse que está à disposição da Justiça sempre. “Confiamos nela e em Deus”, afirmou.