O globo, n. 30810, 14/12/2017. Economia, p. 19

 

Chance Remota

Geralda Doca, Bárbara Nascimento, Cristiane Jungblut e Ana Paula Ribeiro

14/12/2017

 

 

Governo tenta retomar debate sobre Previdência, mas provável adiamento traz risco para a economia

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O debate sobre a reforma da Previdência será retomado hoje no Congresso, com a primeira leitura do relatório, mas as chances de aprovação do texto no plenário da Câmara dos Deputados ainda em 2017 se tornaram praticamente nulas. Ontem, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), anunciou que, diante da falta de votos, a reforma seria deixada para fevereiro de 2018. Imediatamente interlocutores do Planalto e integrantes da equipe econômica reagiram e disseram que a decisão sobre adiar a votação da proposta só será tomada depois do início dos debates. Mesmo assim, o estrago já estava feito.

Nos bastidores, integrantes do governo admitiram que o presidente Michel Temer já havia chegado a um entendimento com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), de que não havia condições de votar a reforma em 2017. No entanto, Jucá acabou se precipitando. O Planalto ainda queria tentar conseguir votos até a semana que vem.

Ao deixar a reforma para 2018, o governo joga a economia num mar de incertezas, aumenta a desconfiança dos investidores em relação ao ajuste fiscal, o que afeta a queda dos juros e cria volatilidade cambial. E como optou por aprovar um teto de gastos antes de reforma, que é condição essencial para a manutenção desse limite, o governo Temer cria um problema não apenas para si mesmo, mas para o próximo presidente, que corre o risco de não conseguir cumpri-lo se não houver uma mudança no regime de aposentadorias.

O adiamento também deixa o país próximo de um novo rebaixamento por agências de classificação de risco. A perspectiva da nota soberana do Brasil é considerada negativa pelas três principais agências, que já classificam seu rating em nível especulativo — “BB”, para S&P e Fitch, e Ba2, para Moody's. Elas consideram a reforma da Previdência crucial para a correção de rota da dívida pública brasileira e, logo, para o futuro do rating. Em entrevista ao GLOBO este mês, Moritz Kraemer, chefe global para ratings soberanos da S&P Global Ratings, afirmou que a janela de aprovação da reforma da Previdência estava se fechando, o que poderia representar o gatilho para um novo rebaixamento.

NOS BASTIDORES, IRRITAÇÃO DE MEIRELLES

Quando a Fitch reafirmou a perspectiva negativa do rating no mês passado, ressaltou que o ambiente político desafiador continuava a impedir o progresso da reforma da Previdência. Para a agência, a nota brasileira é limitada por fraquezas estruturais nas finanças públicas, endividamento elevado e perspectiva de crescimento fraco.

As declarações de Jucá terminaram de azedar o humor dos investidores. A Bolsa chegou a reagir positivamente com a decisão do PSDB de fechar questão a favor da reforma da Previdência. Ao longo da tarde, porém, o mercado de ações passou a operar em baixa com o aumento de juros nos Estados Unidos e o acordo para votação da reforma tributária nos EUA. Após o anúncio do líder, porém, o desânimo se intensificou, e o pregão fechou em baixa de 1,22%, aos 72.914 pontos. Já o dólar comercial recuou 0,36%, a R$ 3,317.

Para Mário Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco, um eventual adiamento para 2018 não deve afetar a perspectiva de crescimento para a economia no próximo ano. — O importante é votar a reforma logo. Se ficar para fevereiro, não é ideal, mas não deve ser problema para a retomada econômica, desde que ela seja aprovada — disse o economista.

Assim que Jucá deu suas declarações, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reagiu e disse que ainda não há uma posição fechada no governo para que a votação da Previdência fique para 2018. Meirelles disse que a declaração do senador é “uma avaliação respeitável”, mas que o governo continua trabalhando com a perspectiva de votação ainda este ano. O ministro garantiu que nem ele nem o presidente, que estava em São Paulo para tratamento médico, participaram de discussões neste sentido.

— A avaliação do senador Romero Jucá é importante, de que essa seria uma solução viável e possível, e pode ser que ocorra. Ele expressou uma avaliação dele, que este seria um acordo viável. Mas isso não é uma decisão e ainda continuamos trabalhando para votar a reforma este ano, se possível na semana que vem. Não precisa de acordo nas duas casas sobre a Previdência. Ela será votada primeiro na Câmara e depois no Senado. O que houve foi um acordo para a votação do Orçamento — afirmou.

Segundo integrantes do Planalto, a reação de Meirelles foi bem mais forte nos bastidores. Tanto que a presidência da República se viu obrigada a soltar uma nota rebatendo Jucá e dizendo que o martelo ainda não está batido. Isso demonstrou o tamanho da desarticulação política em torno da reforma.

— Não havia definição ainda, houve uma precipitação do senador. O presidente estava na sala de cirurgia quando Jucá disse isso, claro que não foi combinado — afirmou um aliado próximo do presidente.

ORÇAMENTO APROVADO DIFICULTARÁ QUÓRUM

Depois das declarações de Jucá, Rodrigo Maia anunciou que poderia se reunir hoje com Temer (que pode sair ainda hoje do hospital em São Paulo), e com Eunício Oliveira para tratar da proposta e do calendário de votação.

— É claro que a gente sabe que votar na semana que vem não é fácil. Mas amanhã (hoje) vamos estar preparados para ler o relatório do acordo. Ainda não houve acordo. Vou conversar com o presidente Michel para ver se temos condições de votar ou não. Jucá não mentiu, ele pode estar falando pelo governo — disse Maia.

O Orçamento da União foi aprovado na noite de ontem no Congresso, em votação simbólica. Desde cedo, Eunício avisava que essa votação aconteceria. A votação do Orçamento é considerada o encerramento do ano legislativo. Assim, com a votação do Orçamento, não deve haver quórum para a aprovação da reforma na semana que vem. A leitura dos parlamentares foi de que o presidente do Senado estava justamente estimulando o esvaziamento do Congresso. Ele quis correr tanto que deixou a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovar o Orçamento em sessão concomitante com a sessão do Congresso e depois da Câmara. Tudo para deixar o caminho livre para sessão à noite. Essa atitude teria incentivado a fala de Jucá.

Mesmo assim, o relator da reforma, Arthur Maia (PPS-BA), disse mais cedo que vai ler seu parecer hoje:

— O mais razoável é que, se houver risco, se adie a votação. Mas leremos amanhã (hoje) a proposta. A reforma da Previdência é muito importante. Estamos avançando no convencimento. Mas, por uma combinação entre os presidentes do Senado e da Câmara, seria votado o Orçamento Federal. Sendo votado, forçosamente na próxima semana não haverá um quorum como queremos para votar a reforma da Previdência. Então, a reforma vai aguardar mais alguns dias para ser votada: ou em fevereiro ou um entendimento entre os presidentes para uma convocação extraordinária. Votaremos no momento em que tivermos os votos. Será agora ou fica para o ano que vem.

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‘Trata-se de uma derrota não do governo, mas do Brasil’

João Sorima Neto

14/12/2017

 

 

Ex-presidente do BC diz que há risco de rebaixamento da nota de crédito e subida do dólar além das expectativas

-SÃO PAULO- O ex-presidente do Banco Central e sócio da consultoria Tendências, Gustavo Loyola, avalia que, se a votação da reforma da Previdência, assim como a de outras medidas de ajuste fiscal como a tributação de fundos exclusivos, ficar para 2018 será uma derrota não apenas do governo, mas do Brasil.

Qual sua avaliação sobre o risco de adiamento da votação da reforma da Previdência e outras medidas de austeridade para 2018?

É muito ruim, quase um desastre. Trata-se de uma derrota não do governo, mas do Brasil, onde o Congresso se recusa a olhar para o problema e faz um cálculo míope. Assim, o Brasil fica longe de resolver seus problemas.

Quais os impactos na economia?

É possível que o Brasil sofra um novo rebaixamento da nota de crédito das agências de classificação de risco. O câmbio pode se deteriorar além das expectativas. Haverá reflexos na política monetária e na recuperação da economia. É muito negativo.

E há chance de a reforma ser aprovada em 2018, ano eleitoral?

Se o cenário já foi complicado em 2017, em 2018 fica ainda mais difícil. O governo terá que fazer um esforço gigantesco, com acordos políticos e liberação de verbas, sem a garantia de aprovação do Congresso. Um possível adiamento não é garantia de aprovação no ano que vem. Haverá a contaminação do processo eleitoral, com interesses políticos e pessoais no cálculo do Congresso.

A reforma sairia em 2019?

O processo eleitoral de 2018 começa com bastante incerteza. Dois candidatos que aparecem bem colocados nas pesquisas — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) — não sinalizam pela continuidade das reformas e pela responsabilidade macroeconômica. E não apareceu um candidato que tenha condições de ganhar e levar adiante essa agenda. Assim, se as reformas não saíram em 2017 e 2018, fica difícil achar que sairão em 2019 com o quadro eleitoral. Com isso, deixamos de construir uma ponte que poderia dar tranquilidade ao país. O Brasil está comprando volatilidade antes da eleição.