Correio braziliense, n. 20062, 25/04/2018. Opinião, p. 13

 

Economia mundial: mais crescimento, mais riscos

Armando Castelar

25/04/2018

 

 

Semana passada o FMI publicou seu relatório World Economic Outlook (WEO), um documento semestral com cenários para a economia mundial (ver https://bit.ly/2qiaDCb). O relatório traz previsões para 2018-2023, uma discussão sobre grandes riscos e recomendações sobre o que os governos devem fazer para evitar que o pior aconteça. Desta vez não foi diferente. Porém, duas coisas chamam a atenção. A primeira é que o FMI cristalizou a visão de que o mundo vive um processo generalizado de recuperação, com componentes cíclicos e estruturais, e deve, finalmente, deixar a grande crise financeira de 2008-2009 para trás. A segunda é que apareceram riscos no horizonte dos quais nada se falava apenas seis meses atrás. Refiro-me aqui à possibilidade de uma grande guerra comercial e de uma escalada das tensões geopolíticas. Assim, este novo WEO traz um cenário de mais crescimento gobal, mas também de mais riscos.

O Fundo estima que o PIB mundial, calculado em paridade de poder de compra (PPP), tenha crescido 3,8% em 2017, taxa que deve subir para 3,9% em 2018 e 2019, caindo para 3,8% em 2020-2021 e 3,7% em 2021-2023. São taxas acima da média do período 1980-2017 (3,5%), reforçando a ideia de que há um componente cíclico relevante nessas previsões, especialmente para as economias avançadas, reflexo de políticas fiscal e monetária expansionistas, que têm ajudado a manter os indicadores financeiros globais em patamares excepcionalmente bons.

São as economias emergentes e em desenvolvimento, porém, que vão puxar a expansão do PIB mundial no próximo sexênio. Nesses países, o PIB deve registrar alta relativamente estável: na média, de 5,0% ao ano. Já as economias avançadas devem crescer 2,3% ao ano em 2018-19, desacelerando para 1,7% em 2021-22, e 1,5% em 2022-23. O Fundo acredita que o potencial de expansão sustentada dessas economias caiu bastante, fruto do lento crescimento da produtividade e da força de trabalho — esta, resultado da transição demográfica.

Isso significa que as economias não avançadas continuarão a ganhar participação no PIB mundial: em PPP, os emergentes e em desenvolvimento devem responder por 63% do total da economia global em 2023. Às taxas de câmbio correntes, as economias avançadas ainda mantêm a liderança, mas essa também vem caindo rápido: em 2013 elas respondiam por 61% da economia mundial, proporção que deve ser cinco pontos percentuais menor um decênio depois. Uma mudança drástica e acelerada.

O Fundo vê como risco positivo a chance de as economias avançadas desacelerarem para um patamar de crescimento mais alto que o previsto no cenário-base, mas foca mais nos três riscos negativos, que considera mais relevantes.

O primeiro é de uma piora súbita nas condições de financiamento, com a curva a termo de juros se inclinando mais positivamente e/ou uma ampliação dos spreads de risco de crédito. Algo assim pode acontecer inicialmente nos EUA e de lá se espalhar para o resto do mundo. Os EUA são o candidato principal, já que estão funcionando perto (ou acima) do pleno emprego e sua política monetária está sendo apertada, enquanto a política fiscal está ficando mais expansionista, com a reforma tributária aprovada em 2017.

Essa combinação de políticas neste estágio do ciclo vai elevar o deficit externo dos EUA, acirrando o sentimento protecionista, que está por trás do segundo grande risco citado pelo FMI: uma guerra comercial. Claro, tudo isso é agravado pela perda de dominância das economias avançadas, que veem a China ascender para o topo, e pela disputa em torno de quem controla as tecnologias de ponta, que, como sempre, têm uma ligação próxima com o tema da defesa nacional.

Ainda que o FMI não entre nessa discussão, eu penso que é possível que estejamos vivendo um redesenho da ordem econômica mundial que surgiu a partir da queda do Muro de Berlim, um processo que transcende as esquisitices do presidente americano. Isso ajudaria a explicar também que se tenha conflitos geopolíticos mais sérios e frequentes, que é o terceiro tipo de risco apontado pelo Fundo.

A América Latina deve crescer bem menos que a média dos emergentes e, para o Brasil, as projeções do FMI são ainda piores: altas de 2,3% e 2,5%, em 2018 e 2019, e depois crescimento constante de 2,2% ao ano até 2023. Ou seja, praticamente não avançamos em termos per capita em relação aos países ricos e ainda temos de lidar com um mundo mais arriscado. O próximo governo vai precisar se mover rápido.

 

» ARMANDO CASTELAR

Pesquisador do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ (As opiniões aqui contidas são exclusivamente do autor)