O globo, n. 30820, 24/12/2017. País, p. 6

 

Coordenador da Lava-Jato diz que indulto já beneficia ex-deputado

Chico Prado

24/12/2017

 

 

Para Deltan Dallagnol, decreto de Temer é ‘feirão de Natal para corruptos’.

Os procuradores Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava-Jato, usaram suas contas em redes sociais para criticar o indulto natalino — que facilita o perdão total da pena a condenados por crimes cometidos sem violência ou ameaça, como corrupção e lavagem de dinheiro — concedido pelo presidente Michel Temer e publicado no Diário Oficial na sexta-feira.

Em mais de uma dezena de posts, Dallagnol atacou a iniciativa que chamou de “feirão de Natal para corruptos”. O procurador citou como exemplo de possível beneficiado pelo decreto presidencial o ex-deputado federal Luiz Argôlo, condenado, em novembro de 2015, a 11 anos e 11 meses de cadeia em regime fechado e preso no Complexo Médico Penal (CMP), em Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba. Há um ano, Argôlo teve a pena ampliada para 12 anos e 8 meses pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Na norma anterior do indulto, só poderiam ser beneficiados os sentenciados a no máximo 12 anos de prisão, que tivessem cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. Agora, o tempo de cumprimento diminuiu para um quinto, independentemente do total da punição.

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Temer vê ‘momento político’ ideal para mudança

24/12/2017

 

 

Ministro da Justiça nega que benefício prejudique investigação da Lava-Jato

O presidente Michel Temer decidiu por um indulto natalino mais amplo por considerar o "momento político adequado" para uma visão mais liberal do direito penal, disse ontem o ministro da Justiça, Torquato Jardim, ao explicar os motivos para um texto “menos rigoroso que o do ano passado”.

As regras editadas pelo governo facilitam a obtenção de perdão da pena para quem cometeu crimes sem emprego de violência, entre eles o de corrupção e lavagem de dinheiro. Torquato diz que o governo coletou várias contribuições até chegar ao texto final mais brando.

— Tudo isso foi exposto ao presidente da República, que é professor de direito constitucional (e foi) duas vezes secretário de Segurança do estado de São Paulo, e entendeu que era o momento político adequado para se mudar a visão, ter uma visão mais liberal da questão do indulto no direito penal — explicou o ministro.

Torquato destacou um outro ponto que torna o decreto ainda mais benevolente: vale para presos em qualquer regime, incluindo o fechado. Nesse sentido, o ministro frisou que as regras pretendem atacar o problema da superpopulação carcerária no país e promover a ressocialização dos condenados de maneira mais eficiente. Ele usou o indicador de dois terços de reincidência criminal no Brasil, embora não haja um dado oficial sobre isso, para justificar as medidas.

‘NÃO É FÁCIL EXPLICAR’

O ministro reconheceu, porém, que o senso de justiça do cidadão brasileiro está “abalado” neste momento.

— Não é fácil explicar à opinião pública no momento político em que dezenas de personalidades ou já foram condenadas ou estão sendo investigadas. Compreendo muito bem que o senso de justiça do cidadão comum fica um pouco abalado — disse.

Segundo ele, excluir do rol de crimes passíveis de indulto os praticados contra a Administração Pública, conforme sugestões feitas por integrantes da Operação Lava-Jato e entidades ligadas ao combate à corrupção, seria "voltar à ditadura" com a quebra do conceito da universalidade na norma.

— Pedem os críticos que eu estabeleça a exclusão de certos fatos, crimes. Isso é um arbítrio total. Isso é voltar ao regime militar — afirmou Torquato.

O ministro negou que o decreto prejudique as investigações.

— Não há nenhum prejuízo para a Lava-Jato. O indulto é sempre uma escolha filosófica e humanitária do presidente da República. Não é ato judicial, não é ato do MP.

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Brasil permite indulto desde o Império

Marlen Couto

24/12/2017

 

 

Constituição de 1988 manteve poder do presidente conceder o benefício, que existe, também, nas legislações de dezenas de países

 

No Brasil, o indulto é previsto desde a primeira Constituição. Na do Império, de 1824, cabia ao imperador o poder de perdoar ou moderar penas impostas a réus condenados. Com a proclamação da República, a competência passou a ser do presidente da República. A Constituição de 1988 manteve o titular do Executivo com o papel de “conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei". Nem sempre, porém, ele foi concedido no fim de ano. Na década de 1960, por exemplo, Juscelino Kubitschek liberou o benefício em abril.

O indulto também não é uma exclusividade do Brasil. Atualmente, está presente na legislação de dezenas de países, como Estados Unidos, Suécia, Suíça, Portugal e Argentina, segundo levantamento publicado em 2016 na Revista Brasileira de Ciências Criminais, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.