O globo, n. 30820, 24/12/2017. País, p. 11

 

Bitcoin, fora do catálogo

Pablo Cerdeira

24/12/2017

 

 

Qual o valor de um bitcoin? Segundo as últimas cotações, cerca de 17 mil dólares. Subiu mais de 1.500% este ano. E isso acendeu o alerta vermelho. Por todos os lados, fala-se de um eminente estouro de bolha, que poderia jogar por terra a moeda junto com sua credibilidade. Eventual rompimento pode, sim, ocorrer, e isso poderia até mesmo ser saudável para o futuro das criptomoedas.

Como vimos, a valorização do bitcoin despertou forte debate sobre o que seria essa moeda e por que ela tem tido desempenho tão positivo. Para a primeira pergunta, podemos dizer, sem erro, que não há ainda classificação adequada para o bitcoin. Às vezes se comporta como moeda (nas trocas), às vezes como ação (nas ICOs — initial coin offerings, semelhante aos IPOs de ações, mas feito com criptomoedas), às vezes como derivativo (mercado futuro de opções). O bitcoin ainda é um ornitorrinco que os economistas, legisladores e outros tentam catalogar.

Quanto à pergunta sobre sua forte valorização, muitos argumentam que o valor do bitcoin é meramente especulativo, e que ele não teria nenhum valor utilidade. Essa afirmação reduz o verdadeiro papel da criptomoeda. Para os iniciados em mercado futuro, seria como dizer que as opções têm apenas valor extrínseco, sem nenhum valor inerente ao título (intrínseco). Mas isso não é verdade. Todos os dias são realizadas transações multimilionárias usando bitcoin. É fácil encontrar transferências de 100, 200 e até 400 milhões de dólares diariamente.

Dizer que o bitcoin não tem valor inerente é ignorar que transações dessa monta estão sendo realizadas por algum motivo. Podemos apontar duas razões para isso:

1— credibilidade na estrutura do bitcoin como meio de transferência;

2 — menores custos e menor tempo para movimentações de recursos, em especial quando comparado com os modelos tradicionais de transferências internacionais. Transferências usando bitcoins são muito rápidas, muito baratas e muito confiáveis.

Nesse aspecto, o bitcoin se parece, sim, com uma commodity com utilidade real (como o ouro, o petróleo ou a soja). Sua utilidade, entretanto, não está na produção de eletrônicos, de energia ou de alimentos, mas sim na realização de movimentações financeiras.

Parcela desses 17 mil dólares por bitcoin é especulativa, mas parcela é valor utilidade. E não existe barreira bem definida separando ambos. Uma bolha pode estourar, e os especuladores, que compram para armazenar, poderão perder dinheiro. Mas quem está usando bitcoin pelo seu valor utilidade não será afetado por isso, porque seu valor de mercado é irrelevante.