O globo, n. 30799, 03/12/2017. País, p. 3

 

Teste de fogo

Renata Mariz

24/12/2017

 

 

Após abertura do mercado nacional, controle sobre a fabricação de armas será mais rígido

Com a abertura do Brasil para receber indústrias de armamentos estrangeiras, o governo vai endurecer o sistema de controle e autorização para fabricação de armas, munições e outros artigos regulados. Uma portaria do Exército, que está pronta para ser publicada nas próximas semanas, definirá que os testes deverão ser feitos ao longo do desenvolvimento dos artefatos e também depois de prontos, por meio de exemplares colhidos dos lotes direcionados para venda. Hoje, apenas o protótipo do objeto que ainda vai ser produzido passa pelo crivo do Exército, que aprova ou rejeita. A mudanças também visam a sanar problemas com defeitos de fabricação dos produtos que têm levado a mortes por acidente. As mudanças serão efetivadas no momento em que o Brasil rompe parte da política de incentivo e proteção ao setor de defesa, ao abrir o mercado interno para atuação de indústrias estrangeiras, o que era vedado. Porém, o novo procedimento de controle foi impulsionado após a pistola 24/7, da Taurus, apresentar falhas graves de fabricação, como disparar sozinha. Segundo o general Ivan Neiva, diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, a edição das novas regras neste momento é apenas uma “boa coincidência”. — A portaria não foi pensada em razão da abertura do mercado, mas é uma boa coincidência, pois estamos aperfeiçoando o sistema — afirma o diretor. O general Neiva nega que o sistema de controle atual, que deixou passar o caso da Taurus, tenha falhas. Segundo ele, o modelo vigente não foi desenhado para fazer certificação de qualidade, a exemplo de órgãos como Inmetro. Nesse sentido, atendia aos parâmetros para os quais foi montado, defende o diretor do Exército. No entanto, ele reconhece que passou a ser insuficiente: — O contexto mudou, e nós chegamos à conclusão de que é preciso atualizar o sistema, o que será feito com essas novas normas.

EXÉRCITO NÃO TEM ESTRUTURA PARA TESTES

Como o Exército não tem estrutura para fazer os testes que passarão a ser exigidos, laboratórios ligados a universidades e a outras instituições técnicas serão credenciados pelo órgão para assumir a tarefa. O general diz que já existem instituições de ensino superior, principalmente de São Paulo, por terem mais expertise nesse tipo de avaliação, interessadas em ingressar no projeto. O Sistema S poderá ser outro parceiro importante, aponta o diretor do Exército. Segundo ele, os testes para certificar armas são sofisticados e incluem avaliações químicas e físicas. Entram nas análises, por exemplo, cálculos de velocidade do projétil, poder de destruição, ajuste de mira e adequação dos variados componentes do artefato. O governo se inspirou no modelo de avaliação e certificação montado no interior de Minas Gerais para fogos de artifício, que também são produtos controlados pelo Exército. Há um laboratório conjunto do Sistema S e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que faz esse tipo de aprovação. Para o general Neiva, a atualização das regras agradará a todos: — É bom para a indústria. Os produtores de fogos de artifício até usam a certificação como forma de concorrer com os produtos importados. E será excelente para a sociedade, que terá produtos de maior qualidade. Especialistas ouvidos pelo GLOBO consideram as mudanças positivas. Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que estuda o fenômeno da violência, diz ver “com bons olhos” medidas que aperfeiçoam o controle de qualidade das armas no país: — Sem dúvida, é necessário melhorar, até porque há muitos relatos de problemas em armas por parte dos policiais, que precisam trabalhar com equipamentos seguros. Para Roberto Genofre, que foi corregedor-geral e diretor da Academia da Polícia Civil de São Paulo, hoje integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, qualquer regra para dar mais qualidade aos produtos controlados é bem-vinda, embora ressalte não conhecer os termos da nova portaria: — Inovações do ponto de vista de controle auxiliarão não só os policiais, mas as pessoas que usam essas armas.

TAURUS NA MIRA DAS MUDANÇAS

A mudança no “contexto”, mencionada pelo general como justificativa para o aumento do controle da fabricação de armas, tem nome: Taurus. A empresa, que concentra praticamente todo o mercadona cionaleéamarc amais usada pela polícia no Brasil, vem sendo alvo de denúncias por defeitos de fabricação, sobretudo da pistola .40, modelo 24/7. Secretarias de Segurança Pública de 18 estados e do Distrito Federal relataram ao Ministério Público Federal (MPF) problemas como disparos acidentais. O policial militar Luciano Bispo foi processado por ter matado, em 2014, o estudante Douglas Rodrigues, em São Paulo. O garoto de 17 anos chegou a perguntar: “Por que o senhor atirou em mim?” Bispo alegou que a pistola 24/7 disparou sozinha depois de bater na viatura. Ele foi absolvido pelo crime. Em Alagoas, a qualidade de uma submetralhadora da Taurus foi colocada em xeque após a morte de uma soldado da Polícia Militar, em agosto de 2014. Izabelle Pereira dos Santos estava dentro da viatura quando foi atingida por 17 tiros disparados da arma que repousava no chão do veículo. A Taurus nega problemas e apresentou, à época, laudos técnicos do Instituto de Criminalística de Alagoas para contestar suspeita de defeitos. O MPF ajuizou uma ação contra a Taurus. O Exército abriu uma investigação, que culminou em sanções, como recolhimento das pistolas 24/7, revisão do sistema de qualidade e paralisação da fabricação. Segundo o general Neiva, foi verificado que a empresa introduziu modificações na produção da pistola sem avisar ao Exército — que, pelas regras atuais que serão revisadas, limita-se a aprovar o protótipo do produto. A Taurus nega defeitos no produto, diz que a pistola parou de ser produzida “como parte da renovação do portfólio” e afirma que “não sofreu sanção”. “O Exército, no exercício da sua atividade de controle, está conduzindo as análises e investigações que considera necessárias, sempre com total colaboração da Tau rus ”, diz anotada empresa. A Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), cujo integrante principal é a Ta urus, também refuta os problemas levantados nos últimos anos .“As críticas não têm fundamento e parecem destinadas a enfraquecera indústria nacional”, diz, em nota. A entidade afirma que o setor no Brasil “já se submete a um controle bastante rígido” com uma legislação das“mais restritivas do mundo ”, mas disse a poi arqueu mare dede laboratórios possa fazer testes para agilizara aprovação dos produtos .“As armas e munições produzidas no país passam por rigorosos testes nos laboratórios do Exército Brasileiro e tudo que é vendido pela indústria nacional é passível de ser rastreado”, informa.