O globo, n. 30799, 03/12/2017. País, p. 6

 

Bolsonaro empregou ex-mulher e parentes dela no Legislativo

Eduardo Bresciani, Miguel Caballero e Paulo Celso Pereira

03/12/2017

 

 

Deputado e filhos abrigaram em gabinetes Ana Cristina, seu pai e sua irmã

O deputado federal e pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e seus filhos empregaram, nos últimos 20 anos, uma ex-mulher do parlamentar e dois parentes dela em cargos públicos em seus gabinetes. Ana Cristina Valle, ex de Bolsonaro e mãe de Jair Renan, o quarto filho do presidenciável; a irmã dela, Andrea, e o pai das duas, José Cândido Procópio, ocuparam as vagas a partir de 1998, ano de nascimento de Jair Renan. Ana Cristina e José Cândido não estão mais nos gabinetes da família, mas Andrea continua no do deputado estadual Flávio Bolsonaro, filho do presidenciável. Embora esteja lotada no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), ela não trabalha no local. O GLOBO a procurou duas vezes no gabinete nos últimos dias, e os funcionários disseram desconhecê-la. A ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina, alegou que a irmã, assim como o pai, sempre trabalhou em Resende, uma das bases eleitorais de Bolsonaro. O trabalho de assessores nas bases dos parlamentares é permitido. Apesar dos quase 20 anos de nomeações, os casos não podem ser tecnicamente enquadrados como nepotismo. A contratação de parentes foi normatizada por uma súmula do Supremo Tribunal Federal, em 2008. Os casos da família Bolsonaro ocorreram antes disso. Andrea, pelo grau de parentesco com Flávio Bolsonaro, não se enquadra na proibição expressa na súmula do STF. O cargo com Flávio não é o primeiro de Andrea perto do presidenciável. Sua trajetória junto à família Bolsonaro começou após o nascimento de seu sobrinho Jair Renan, em 1998. Naquele ano, Jair Bolsonaro a nomeou como assessora na Câmara.

Andrea ficou lotada ali até novembro de 2006, quando deixou o cargo. Em 2008, uma semana depois da publicação da súmula antinepotismo pelo STF, foi nomeada no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro e de lá não mais saiu. Pela folha salarial de setembro, ela recebe R$ 7,3 mil entre salário e gratificações, além de R$ 1,1 mil em auxílio escolar. O valor líquido recebido por Andrea, depois do desconto de Imposto de Renda e Previdência, foi de R$ 6,5 mil. A entrada de Andrea no gabinete de Flávio Bolsonaro se deu no mesmo dia em que o pai dela e de Ana Cristina, José Cândido Procópio Valle, foi exonerado. Ele estava lotado no gabinete do deputado estadual desde fevereiro de 2003, quando Flávio assumiu seu primeiro mandato. Mas, segundo regra editada pelo STF sobre nepotismo, o vínculo familiar entre Procópio e Flávio Bolsonaro é um grau mais próximo que o de Andrea. O trabalho na Alerj, no entanto, não foi o primeiro do patriarca dos Valle no clã Bolsonaro. Ele já havia sido contratado em novembro de 1998 para o gabinete de Jair, então seu genro, onde ficou até abril de 2000. Já Ana Cristina trabalhou no gabinete de Carlos Bolsonaro, o primeiro filho de Jair a entrar para a política, eleito vereador aos 17 anos, em 2000. A Câmara do Rio não informou o período em que ela atuou na casa. Embora ressalte que não se lembra do período exato trabalhado, Ana Cristina afirma ter deixado a Câmara em 2006, quando terminou a relação com Jair Bolsonaro. Antes, Ana Cristina ocupou outros cargos no serviço público. Ela começou a trabalhar na Câmara em abril de 1992, no gabinete do deputado Mendonça Neto (PDT-AL), onde ficou até agosto do mesmo ano. Quatro meses depois, assumiu cargo na liderança do PDC, partido pelo qual Jair Bolsonaro cumpria seu primeiro mandato de deputado. Entre agosto de 1993 e maio de 1994, atuou como secretária parlamentar com o deputado Jonival Lucas (BA), que foi correligionário de Bolsonaro no PDC e migrou para o PSD.

A partir de 1995, ela passou a trabalhar no Executivo — na Casa Civil e na Integração Regional —, e só voltou à Câmara no fim de 1998, quando seu filho não tinha ainda completado um ano, e foi lotada no gabinete da liderança do PPB, partido pelo qual Bolsonaro acabara de ser reeleito. Ana Cristina foi nomeada para o cargo menos de dez dias depois de seu pai assumir um posto de assessoria no gabinete de Bolsonaro, e dois meses após a irmã fazer o mesmo. Ou seja, os três estavam empregados em cargos ligados ao clã. Em abril de 2005, durante uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bolsonaro defendeu a contratação dos parentes e citou a situação do filho Eduardo, hoje deputado federal por São Paulo. Ele foi funcionário da liderança do PTB entre 2003 e 2004, quando o hoje presidenciável estava no partido. — Já tive um filho empregado nesta casa e não nego isso. É um garoto que atualmente está concluindo a Federal do Rio de Janeiro, uma faculdade, fala inglês fluentemente, é um excelente garoto. Agora, se ele fosse um imbecil, logicamente estaria preocupado com o nepotismo, ou se minha esposa fosse uma jumenta eu estaria preocupado com nepotismo também — justificou. O relacionamento entre Jair e Ana Cristina durou dez anos, de acordo com declaração do deputado em um processo judicial, em 2011, sobre a guarda do filho Jair Renan. Atualmente, a ex-mulher de Bolsonaro é chefe de gabinete do vereador Renan Marassi (PPS), em Resende. Em outubro, o salário de Ana Cristina foi de R$ 5,8 mil. No dia 14 de novembro, o vereador foi recebido por Jair para divulgar a apresentação, pelo deputado, de duas emendas para o município.

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‘Tudo eu consegui por mérito’

03/12/2017

 

 

Fillho com Bolsonaro não tem relação com contratações, diz ex-mulher

A ex-mulher de Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle, recebeu O GLOBO na última segunda-feira na Câmara Municipal de Resende, onde trabalha como chefe de gabinete do vereador Renan Marassi (PPS). Ana Cristina confirma que ela, seu pai e sua irmã já foram contratados em gabinetes da família Bolsonaro, mas nega que isso tenha relação com o filho que ela tem com o deputado federal.

A senhora já trabalhou em gabinetes de parentes do deputado Jair Bolsonaro?

Tem 21 anos que trabalho com política. Trabalhei na Câmara (dos Deputados), em gabinetes de deputados, em lideranças partidárias, no Ministério da Integração, na Casa Civil, na Câmara Municipal (do Rio)... Sou advogada, foi sempre pelo meu mérito, nunca foi o Jair que conseguiu (emprego) para mim. E, sim, já trabalhei, já fiz a campanha dos filhos dele também. Já participei de 16 campanhas políticas na vida. Trabalhei no gabinete do Carlos, na Câmara (do Rio). Na época não era nepotismo, foi antes da Lei do Nepotismo (a Súmula Vinculante nº 13, do STF). Depois da lei, não trabalhei mais.

Algum dos empregos que teve foi por indicação do deputado Jair?

Se tem uma coisa que ele preza demais é o não nepotismo. Ele nunca pediu um emprego para mim, nunca. Prova disso é que, ao voltar para o Brasil (depois de morar na Noruega), eu não tinha onde trabalhar. Fiquei dois anos desempregada. Só depois que trabalhei na campanha do (vereador) Renan Marassi, por indicação do meu irmão, amigo de faculdade do vereador.

Sua irmã e seu pai trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro. Foi por sua relação com Jair?

Não tem (relação). Eles trabalharam na campanha, eu trabalhei em campanhas do Carlos, do Flávio. Depois, se o político se elege, é natural que tenha uma pessoa de confiança em sua base eleitoral.

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Presidenciável afirma que sempre agiu dentro da lei

03/12/2017

 

 

Bolsonaro ressalta que não contratou parentes após decisão do STF

O deputado e presidenciável Jair Bolsonaro afirma que sempre agiu dentro da lei, respeitando a súmula vinculante editada pelo STF, em 2008, que normatizou a contratação de parentes. Bolsonaro reconhece que sugeriu o nome de sua ex-mulher Ana Cristina Valle para trabalhar como assessora de um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio, e que contratou em seu gabinete o pai e a irmã de Ana Cristina, mas ressalta que essas indicações e contratações ocorreram antes da decisão do Supremo. O deputado enviou nota ao GLOBO:

“1. Mantive, do final de 1997 até o início de 2007, união estável com a senhora Ana Cristina Siqueira Valle, que já havia exercido assessoramento a dois parlamentares e Comissões da Câmara dos Deputados, ressaltando que nunca foi comissionada em meu gabinete;

2. Considerando a experiência adquirida no exercício de assessoramento a parlamentares, aliado ao fato de sua formação escolar, sendo atualmente advogada, sugeri o nome da senhora Ana Cristina para assessorar o vereador Carlos Bolsonaro, em seu primeiro mandato, tendo sido demitida há cerca de 10 anos.

3. O senhor José Procópio e a senhora Andrea Valle estiveram algum tempo comissionados em meu gabinete, exercendo funções de assessoramento parlamentar no Rio. Depois, o senhor José Procópio foi comissionado no gabinete de Flávio Bolsonaro. A senhora Andrea Valle foi demitida em 2006 (da Câmara dos Deputados) e o Sr. José Procópio, em 2008 (da Alerj).

4. Até 2008, antes da edição da Súmula Vinculante do STF, não havia vedação de comissionar parentes em cargos temporários e indiquei, para gabinetes no RJ, onde residiam, alguns parentes de Ana Cristina para exercício de funções de assessoramento parlamentar, sendo que após esse período não houve mais nomeação de parentes até o 3º grau em meu gabinete”.

O deputado estadual Flávio Bolsonaro disse que Andrea trabalha para seu gabinete em Resende, organizando reuniões e fazendo divulgação das atividades parlamentares. O deputado diz que a contratação dela não se deu pelo vínculo familiar anterior e que segue a decisão do STF.

— Tem que separar os casos. Tem gente que fazia isso e o pessoal não trabalhava. Ela é competente, trabalha muito e, quando veio para cá, sua irmã já não estava com meu pai — disse, estendendo a explicação ao caso da contratação de José Procópio.

O vereador Carlos Bolsonaro afirmou, por meio de seu gabinete, que contratou Ana Cristina Valle por seu currículo e qualidades profissionais, e que ela deixou o trabalho porque ganharia mais como advogada.