O globo, n. 30819, 23/12/2017. País, p. 3

 

Suspeita reforçada

Bela Megale e Thiago Herdy 

23/12/2017

 

 

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- A Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal (PF) encontraram novos indícios que, de acordo com os investigadores, reforçam a suspeita de que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu propina para atuar em nome de empreiteiras na construção da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. Tema de inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), a acusação contra o tucano foi relatada por ex-executivos da Odebrecht em acordos de colaboração premiada. E teve impacto direto na delação de outra empreiteira, a Andrade Gutierrez, que foi obrigada a esclarecer sua participação no episódio. De acordo com os executivos da Odebrecht, Aécio recebeu R$ 50 milhões, repassados pela própria empreiteira (R$ 30 milhões) e pela Andrade Gutierrez (R$ 20 milhões).

A Odebrecht sustenta a acusação com a apresentação de documentos bancários, que, segundo a empresa, comprovam depósitos para o senador tucano, por meio de uma conta de offshore em Cingapura. A conta havia sido citada por um de seus ex-executivos, Henrique Valladares, em depoimento à PGR. A identificação do seu titular não foi revelada, mas Valladares diz que está vinculada ao empresário Alexandre Accioly, padrinho de um dos filhos de Aécio e integrante do grupo mais restrito de amigos do tucano. Aécio nega as acusações. Accioly rejeita com veemência a afirmação do delator, o único que sustentava, até aqui, seu envolvimento no caso da Usina de Santo Antônio. Nos últimos meses, no entanto, ex-integrantes da Andrade Gutierrez levaram à Lava-Jato informações que miram novamente em Accioly: em depoimento à PF, o ex-executivo e delator da empreiteira Flávio Barra confirmou o repasse de R$ 20 milhões a Aécio por meio de um contrato com a Aalu Participações e Investimentos, empresa controladora da rede de academias Bodytech, que pertence ao empresário carioca, a uma sobrinha dele e a um ex-banqueiro.

Segundo o relato de Barra, a empresa, que leva as iniciais dos dois sócios, firmou um contrato de R$ 35 milhões com a Andrade para mascarar propina paga pela empreiteira ao tucano, em 2010. O valor seria uma contrapartida pela defesa, por parte de Aécio, então governador de Minas, da participação da Andrade no consórcio de construção da usina. O delator não soube dizer por que a empresa transferiu R$ 15 milhões além do valor previamente acertado. Ao GLOBO, Accioly confirmou o repasse, mas negou se tratar de propina, e sim investimento da Andrade Gutierrez na rede de academias. Segundo ele, a Andrade nunca recebeu dividendos e “permanece como acionista” da holding controladora da Bodytech, por meio de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP) com a empresa Safira Participações, que pertence ao grupo mineiro. A Andrade, por sua vez, negou a alegação de Accioly. Em nota, informou que “não é e nunca foi sóda cia na rede de academias” e que sua relação com o empresário se restringiu à aquisição, em 2010, de uma “opção de compra futura de ações” que jamais teria sido exercida e, por isso, perdeu a validade.

As duas empresas foram informadas sobre a apresentação de versões contraditórias entre si, mas mantiveram o posicionamento original. A relação entre a Andrade e a holding que controla a Bodyech não é explicitada nas demonstrações contábeis das empresas, o que contraria recomendações do Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Na segunda semana de abril deste ano, mesma época em que foi tornada pública a íntegra da delação da Odebrecht, vinculando o nome de Accioly a pagamentos para Aécio, a Andrade fez uma alteração na Junta Comercial elevando o capital social da Safira de R$ 5 mil para R$ 35 milhões. É o mesmo valor repassado em 2010 para Accioly. A Andrade não quis informar se o dinheiro investido foi devolvido, nem comentar as razões da alteração contratual. Em seu depoimento, Barra afirmou ter tido conhecimento da relação do contrato com um pagamento a Aécio alguns anos depois da assinatura e disse não ter sido responsável por operacionalizar o repasse. Também colaborador e ex-executivo da Andrade, Rogério Nora citou em depoimento o nome de Sérgio Andrade, um dos sócios da empreiteira, como o responsável por tratar deste assunto diretamente com Aécio. Apesar de ter firmado acordo de leniência em 2016 e ter 11 ex-executivos entre colaboradores da Lava-Jato, a Andrade Gutierrez não havia apresentado às autoridades episódios de corrupção envolvendo o ex-governador de Minas. O tema passou a integrar uma nova rodada de conversas com a PGR e faz parte do recall do acordo, atualmente em negociação, e é considerado sensível pela empresa, por envolver um dos sócios do grupo.

OFFSHORE NAS ILHAS MARSHALL

A Lava-Jato também obteve novas evidências envolvendo o pagamento de R$ 30 milhões da Odebrecht ao tucano, relacionados ao mesmo contrato da Usina de Santo Antônio. Em depoimento à PGR, o delator Henrique Valladares disse ter sido orientado por um emissário de Aécio, Dimas Toledo, a depositar parte dos valores em uma conta bancária de Cingapura. Valladares sustenta que o número conta veio anotado em um bilhete, ao lado do nome de Accioly. Outras contas também receberam parte dos pagamentos. Com base em registros dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados para as operações de pagamento de propina na Odebrecht, interlocutores da empreiteira informaram a procuradores e integrantes da PF que a conta de Cingapura é da offshore Embersy Services Limited, sediada nas Ilhas Marshall, país com pouco mais de 60 mil habitantes, localizado no Oceano Pacífico. O GLOBO apurou que a empresa funciona desde agosto de 2001 e está ativa. Há cerca de quatro meses, a empreiteira realizou uma varredura em arquivos e entregou aos investigadores registros de seu sistema de aproximadamente US$ 300 mil repassados à Embersy.

Extratos de movimentações financeiras de offshores da Odebrecht obtidos pela Lava-Jato em 2015, por meio de cooperação jurídica com autoridades de Antígua e Barbuda, já traziam registros de transações para a Embersy, entre novembro de 2008 e janeiro de 2009, que totalizaram pouco mais de US$ 740 mil. No entanto, o MPF não sabia a razão das transações, o que só foi possível graças à colaboração da empresa. Independentes dos EUA desde 1986, as Ilhas Mashall permite o anonimato de proprietários de empresas offshore. A Lava-Jato investiga se Embersy foi usada apenas para transação de valores entre contas ou se está, de fato, diretamente vinculada ao beneficiário final da propina. Nos registros internos da empreiteira, a transferência de valores para a Embersy está vinculada ao código “mineirinho” forma como Aécio era identificado nos sistemas de propina. Henrique Valladares relatou que o pagamento a Aécio foi acertado em reunião com a presença de Marcelo Odebrecht, em Belo Horizonte, no Palácio das Mangabeiras, sede do governo mineiro, no início de 2008. Em depoimento, Marcelo também citou o pagamento ao tucano e disse ter estimulado Valladares, que cuidava da área de energia do grupo, a levar os pagamentos adiante. De acordo com o ex-presidente do grupo Odebrecht, o objetivo dos pagamentos a Aécio era influenciar decisões da Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig) — estatal de energia mineira — e Furnas — estatal federal — a favor da empreiteira baiana.

Na época Aécio exercia seu segundo mandato como governador de Minas e integrava a oposição ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável por licitar Santo Antônio. Apesar disso, o tucano tinha influência no setor elétrico devido à sua relação com Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, umas das empresas sócias da usina, além de estar a frente do estado que comanda a Cemig, outra sócia do empreendimento. A relação de intimidade entre Aécio e Dimas foi citada por outros delatores da Lava-Jato, como o ex-senador Delcídio Amaral e o lobista Fernando Moura. Henrique Valladares sustenta também que era o ex-diretor de Furnas o responsável por levar ao seu escritório papéis com as contas em que a propina para Aécio deveria ser depositada.