O globo, n. 30819, 23/12/2017. País, p. 4

 

Temer facilita perdão da pena condenados por corrupção

Renata Mariz 

23/12/2017

 

 

O presidente Michel Temer publicou ontem decreto de indulto natalino que facilita a concessão de perdão total da pena a condenados por crimes cometidos sem violência ou ameaça, como corrupção e lavagem de dinheiro. Na norma anterior, só poderiam ser beneficiados os sentenciados a no máximo 12 anos que tivessem cumprido um quarto da pena, se não reincidentes. Agora, o tempo de cumprimento diminui para um quinto, independentemente do total da punição estabelecida na condenação. A medida causou reação imediata da Transparência Internacional. Editado anualmente, o novo decreto presidencial também beneficia o bolso de condenados que, além da pena de prisão, têm que pagar multas. O texto prevê que o indulto tem efeito sobre as sanções pecuniárias, contrariando uma definição expressa da norma anterior, publicada em 2016, segundo a qual a pena de multa aplicada “não é alcançada pelo indulto". O benefício é voltado a sentenciados que cumprem a pena em regime aberto ou estejam em livramento condicional.

POLÍTICOS BENEFICIADOS

As regras são publicadas todo ano pelo presidente da República e, com base nelas, as defesas dos condenados pleiteiam na Justiça o benefício. Muitos políticos vêm conseguindo se beneficiar do indulto. A partir do decreto editado em dezembro de 2015 pela ex-presidente Dilma Rousseff, ex-deputados federais condenados no mensalão, como João Paulo Cunha (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Bispo Rodrigues (PR-RJ), tiveram o perdão concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Neste ano, houve pressão do órgão que assessora o governo na elaboração do documento _ o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária _ para incluir expressamente a corrupção no rol de crimes não passíveis de indulto. Mas a sugestão não foi atendida. O indulto natalino, que é o perdão da pena, não se confunde com as saídas temporárias que ocorrem ao longo do ano para determinados presos, quando eles passam alguns dias com a família mas têm que voltar. Uma das ocasiões é o Natal. Já o indulto, que leva o nome de “natalino” por ter regras anuais publicadas geralmente próximo à data, consiste na extinção da punição.

A Transparência Internacional criticou o governo e afirmou que o decreto assinado serve para garantir a “impunidade de uma classe privilegiada”. “O indulto de Natal vem beneficiando ano a ano criminosos corruptos e, em 2017, mostrou-se ainda mais leniente”, declarou a organização. “Desde 2012, a maioria dos réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal no Mensalão, por exemplo, já se beneficiou deste tipo de medida”. Para a entidade, o decreto “está na contramão do esforço empreendido pela sociedade brasileira no enfrentamento da corrupção, na luta contra a impunidade e no avanço institucional do país”. A Transparência defende a proibição expressa de condenados por atos contra a Administração Pública, como a corrupção, terem indulto: “é medida justa e necessária para a superação da cultura de impunidade no Brasil". Em nota, o Ministério da Justiça diz que não cabe fazer distinções específicas no indulto, editado para se estabelecer “critérios abstratos, impessoais e universais, em benefício de presos com percentual relevante da pena concreta já cumprida”. “Escolher critérios concretos direcionando a inclusão ou a exclusão de apenados é uma violação ao princípio humanitário do indulto”.

REGRAS ESPECIAIS

Nas novas regras do decreto publicado, presos com determinadas características, como doença grave e idade superior a 70 anos, ganharam critérios menos rígidos para obter o indulto. Se cometeram crimes sem violência ou grave ameaça, podem pleitear o perdão caso já tenham cumprido um sexto da pena (para não reincidentes) e um quarto (para reincidentes). As mulheres idosas (mais de 60 anos) e muito jovens (menos de 21 anos) foram contempladas com regras especiais de indulto. Elas poderão obter o perdão desde que não tenham usado de violência ou ameaça para cometer o crime, independentemente de parcela já cumprida da pena. Outra alteração é voltada aos condenados por crimes relacionados a drogas. Um novo critério com recorte de gênero foi adotado: ter cumprido um sexto da pena no caso de mulheres e um quarto no de homens. Nessas situações, o indulto só pode ser concedido se a punição não ultrapassou oito anos de prisão e quando o sentenciado tem bons antecedentes. Anteriormente, o tempo mínimo de cumprimento da pena era de quatro anos para homens e mulheres.