O globo, n. 30817, 21/12/2017. País, p. 3

 

Decano da corrupção

Jussara Soares e Jailton Carvalho

21/12/2017

 

 

Deputado federal se entregou ontem, após ordem de prisão expedida por ministro do STF

-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Apoiado numa muleta e com o semblante aparentemente abatido, o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), 86 anos, se apresentou na manhã de ontem à Superintendência da Polícia Federal em São Paulo. Condenado em maio deste ano a 7 anos, nove meses e dez dias de prisão, por desvio de verba no período em que foi prefeito da capital paulista (19931996), o parlamentar teve, anteontem, seu recurso negado pelo ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que ele começasse a cumprir pena imediatamente, em regime fechado. Uma investigação que começou há 17 anos apontou que o então prefeito teria desviado recursos na construção da Avenida Água Espraiada, hoje Avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul de São Paulo. O prejuízo aos cofres públicos teria sido de US$ 1 bilhão à época.

Ontem, a defesa de Maluf agiu rápido para que o parlamentar não cumprisse a pena em uma carceragem. Alegando que o político tem sérios problemas de saúde, os advogados ingressaram com um recurso na Vara de Execuções Penais do Distrito Federal para que ganhasse o benefício da prisão domiciliar, o que inclui o uso de tornozeleira eletrônica. Segundo a petição encaminhada à Justiça, além de estar com idade avançada, o deputado é cardíaco, tem hérnia de disco com limitação de movimentos e está fazendo tratamento contra um câncer de próstata. Em 1997, Maluf fez uma cirurgia para a retirada de um tumor maligno no local. O médico responsável foi o urologista Miguel Srougi, o mesmo que recentemente operou o presidente Michel Temer (PMDB).

Embora tenha necessitado de apoio e apresentado grande dificuldade de locomoção ao chegar ao Instituto Médico Legal, onde fez exames antes de ser levado para a sede da Policia Federal, o “Jornal Nacional" mostrou ontem imagem do parlamentar entrando no carro, ainda em sua residência, sem nenhum auxílio.

Segundo o recurso da defesa, no início de agosto, Maluf fez um exame, no Hospital SírioLibanês, que teria indicado o reaparecimento do câncer de próstata. O deputado estaria passando por sessões de radioterapia. À reportagem, o Hospital Sírio-Libanês informou que não comenta o estado de saúde de seus pacientes.

VERIFICAÇÃO DE CONDIÇÕES PARA ATENDIMENTO

Em resposta a recurso dos advogados, na tarde de ontem, o juiz Bruno Aielo Macacari, da Vara de Execuções Penais, determinou a imediata transferência do deputado da carceragem da Polícia Federal em São Paulo para uma cela em Brasília. Num momento posterior, o deputado deverá ser levado para a ala de idosos no bloco V do Centro de Detenção Provisória, no Distrito Federal. No mesmo despacho, o juiz pede que o diretor do centro de detenção informe em 48 horas se o presídio tem condições de oferecer tratamento de saúde adequado a Maluf.

A decisão foi considerada positiva pelo advogado Carlos Antônio Carlos de Almeida Castro.

— O bloco V tem condições razoáveis e é melhor do que o sistema prisional de São Paulo. Como ele está condenado, não poderia ir para a PF de São Paulo. Ele estará bem alojado (na ala de idosos em Brasília) até a definição da prisão domiciliar — disse o advogado, em nota.

No fim da tarde de ontem, o advogado anunciou que apresentou um recurso no STF para anular a decisão de Fachin. Na prática, se aceito, isso significará a suspensão da prisão enquanto outro recurso de Maluf não for julgado. Assim, ele poderá ser solto. Como o tribunal está de recesso, caberá à presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, decidir se atende ou não o pedido da defesa.

— Ele vai ser a única pessoa que não tem direito a duplo grau de jurisdição, de recorrer. Isso não tem cabimento — disse o advogado Ricardo Tosto, que acompanhou Maluf para se entregar na PF em São Paulo. — A defesa ficou em uma posição difícil. A decisão saiu ontem (terça-feira) às quatro da tarde, na véspera do recesso — completou Tosto.

Desde que foi divulgada a decisão do ministro Fachin, negando o recurso da defesa e determinado a prisão do deputado, a mansão do parlamentar, localizada no bairro dos Jardins, foi cercada pela imprensa. A expectativa era que agentes da Polícia Federal poderiam chegar à casa de Maluf logo nas primeiras horas da manhã. Entretanto, durante a noite, advogados já começaram a preparar a estratégia para que ele se entregasse à PF.

De acordo com a defesa, ao tomar conhecimento da decisão de Fachin na noite de terçafeira, Maluf teria manifestado a intenção de se entregar imediatamente à Polícia Federal, mesmo sem um documento formal, mas foi demovido por seus advogados.

ESTADO DE ESPÍRITO

Maluf chegou às 8h55 à sede da Polícia Federal, no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo. Os advogados de defesa chegaram à mansão do deputado no bairro dos Jardins às 7h59.

— Ele vai se entregar. Vim aqui para isso — disse o advogado Ricardo Tosto, por telefone, ao GLOBO. Cerca de 20 minutos depois, Maluf e seus advogados deixaram o local com destino a PF. Ao chegar à sede da instituição por volta das 9h, o veículo em que estava o deputado passou pela entrada privativa.

Por volta das 11h, Maluf deixou a sede da PF em direção à unidade do Instituto Médico Legal (IML), na Vila Leopoldina, também na zona oeste, para fazer o exame de corpo delito. Lá apareceu caminhando com o amparo de dois policiais federais, além da muleta. A fisionomia abatida contrastava com o semblante que exibiu, em 2005, quando deixou a prisão sorridente após 41 dias na cadeia. “SERÁ QUE AGORA VAI, MALUF?” Dessa vez, no entanto, a defesa afirmou que Maluf estava “arrasado” com a determinação para que ele começasse a cumprir a pena imediatamente em regime fechado.

— Ele está arrasado. Ele não esperava (a prisão). Nenhum de nós esperava — disse o advogado Ricardo Tosto.

Paulo Maluf passou a noite na carceragem da Polícia Federal em São Paulo. No mesmo local, estão presos os irmãos Joesley e Wesley Batista, executivos da JBS, presos na operação Lava-Jato. Ainda não há confirmação de quando o exprefeito de São Paulo seguirá para o Complexo Penitenciário de Brasília.

Com quase 50 anos de carreira, Maluf é um dos políticos brasileiros mais controversos. Na manhã de ontem, enquanto jornalistas se aglomeravam na porta do parlamentar, motoristas que passavam pelo local diminuíam a velocidade do carro para se manifestar: — Será que agora vai, Maluf? — gritou um deles.

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Maluf deve ser 'vizinho' de Geddel e Luiz Estêvão

21/12/2017

 

 

-BRASÍLIA- O bloco V, da Ala B, do Centro de Detenção Provisória (CDP), endereço onde o deputado Paulo Maluf (PP-SP) deve iniciar o cumprimento de pena, é uma espécie de setor VIP do presídio da Papuda. A área é reservada a políticos, policiais e idosos que, para a Subsecretaria do Sistema Penitenciário, são vulneráveis.

A subsecretaria não informou o local exato onde Maluf deverá ficar, mas tudo indica que ele ocupará uma cela individual na área onde já estão o ex-ministro Geddel Vieira Lima e o ex-senador Luiz Estevão. Por lá já passaram o operador Lúcio Funaro e o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no mensalão.

As celas desta área são equipadas com vasos sanitários, diferentemente de outros setores, que só contam com vasos turcos (no chão). Os presos da chamada ala dos vulneráveis estão em menor número e, por isso, têm mais facilidade para banhos de sol. Trata-se de uma área mais protegida, com menor risco de rebelião ou de agressão física entre os detentos.

— Ali as pessoas têm um pingo de dignidade. Uma cela com vaso sanitário é fundamental. Ele (Maluf) não poderia ficar numa cela com “boi” (vaso turco). Ele não consegue agachar — explicou o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.