Correio braziliense, n. 20057, 20/04/2018. Economia, p. 7

 

União Europeia barra o frango brasileiro

Marlene Gomes

20/04/2018

 

 

CONJUNTURA » Alegando problemas sanitários, bloco europeu proíbe 20 frigoríficos nacionais de exportar carne da ave para os 28 países do mercado comum. Governo brasileiro considera a medida protecionista e prepara recurso à Organização Mundial de Comércio

O governo vai entrar com uma representação na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a decisão da União Europeia (UE) de proibir 20 frigoríficos brasileiros de exportar carne de frango para o bloco. A proibição entra em vigor em 15 dias. Para impedir a entrada do produto, a UE alegou problemas sanitários, mas o governo brasileiro considera que a medida configura barreira comercial à carne de frango salgada do país.

Das unidades produtoras atingidas pela proibição, 12 são do grupo BRF, dono das marcas Perdigão e Sadia, que, diante da restrição, anunciou que dará férias coletivas a 2 mil funcionários. Analistas temem que a decisão possa levar outros mercados a adotar medidas semelhantes.

O Brasil é o maior exportador de frango do mundo e o bloco europeu é o principal comprador do produto brasileiro, absorvendo 7,5% das exportações nacionais, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Segundo o ministro da Agricultura e Pecuária, Blairo Maggi, o embargo vai alcançar de 30% a 35% do que o Brasil exporta para a Europa — que representaria de US$ 230 milhões a US$ 270 milhões. “É um impacto bastante grande e que terá que ser compensado muito rapidamente por outros mercados”, avaliou Maggi.
 
Segundo dados Confederação Nacional de Agricultura (CNA), a UE representa cerca de 11% da receita de exportações de carne de frango do país, com US$ 770 milhões ante um total de US$ 7,1 bilhões em 2017. 

A União Europeia passou a olhar com lupa as condições sanitárias dos produtos brasileiros desde março do ano passado, quando foi deflagrada a operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF). Em março deste ano, em nova fase da operação, a PF investigou fraudes em laudos de frigoríficos sobre a presença de salmonella, tendo sido detectados problemas em nove unidades da BRF.
 
A UE questiona os critérios observados nos embarques de produtos salgados (com apenas 1,2% de sal adicionado), que são obrigados a realizar análises para mais de 2,6 mil tipos de salmonella. Já para o produto in natura (sem sal adicionado) são exigidas análises para dois tipos dessa bactéria. Blairo Maggi argumenta que a preocupação, manifestada pelo bloco, não tem justificativa técnica, já que é possível exportar cortes de frango in natura para os países da comunidade europeia, com proibição para apenas dois tipos da bactéria, desde que seja paga tarifa adicional.

“A nossa reclamação é que a União Europeia diz que é uma questão sanitária, mas se o Brasil se decidir a pagar um imposto de 1.020 euros por tonelada e mandar tudo para lá como carne in natura, vai entrar sem nenhum problema. Então, não é uma questão de saúde”, desabafou o ministro. Para Maggi, a restrição extrapolou os limites do cuidado com questões sanitárias, comuns a todos os países, caracterizando-se como uma medida meramente comercial contra o Brasil. Para voltar a exportar para o bloco, as unidades alcançadas pela proibição precisarão demonstrar que atendem às normas da comunidade, um processo que não deverá ser concluído a curto prazo.
 
Protecionismo

A decisão da UE também provocou reação da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Em nota, divulgada no final da tarde de ontem, a ABPA considerou sem fundamento a decisão tomada pela União Europeia, classificando a restrição como uma medida protecionista que não se ampara em riscos sanitários ou de saúde pública, além de desproporcional e inconsistente com as regras estabelecidas pelo Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC.

A entidade já contratou escritório de advocacia para realizar o estudo que embasará a queixa que o Brasil apresentará na OMC. “Temos uma longa e sólida relação comercial com a União Europeia. Nosso intuito é fortalecer isto, desfazendo eventuais protecionismos que sejam constatados”, enfatizou Francisco Turra, presidente executivo da entidade.

Turra argumentou que as exportações brasileiras não causam risco à saúde do consumidor europeu, nem de qualquer outro, já que toda a carne de frango consumida é cozida anteriormente, seja no processamento da indústria, seja diretamente pelo consumidor. “São critérios sanitários, mas que em nada se relacionam com a sanidade e a qualidade do produto. Nunca tivemos em nossa história qualquer problema sanitário comprovadamente vinculado ao produto avícola brasileiro exportado”, afirmou.

Blairo Maggi disse ainda que a alegação de que os produtos brasileiros têm problemas sanitários nada mais são do que uma etapa de uma guerra comercial da União Europeia com o objetivo de tirar o Brasil do mercado. “Em questões de saúde, a gente põe uma interrogação. Mas proteção de mercado não podemos aceitar. Temos de brigar pelo espaço, pois o mercado mundial deve ser livre para comércio entre os países”, afirmou.
 
Bolsa fecha estável e dólar sobe

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3) alternou pequenas altas e baixas durante o dia, encerrando o pregão estável em 0,06% aos 85.824. A restrição a 20 frigoríficos brasileiros pela União Europeia pouco influenciou o resultado da BRF, principal atingida pelo embargo, que desde ontem lidera a lista de ações que mais se valorizaram na B3, com alta de 4,90%. No dia anterior, havia subido 9,51%, quando se cogitou o nome de Pedro Parente para a presidência do conselho do grupo. O dólar voltou a subir depois de três sessões em baixa, fechando a R$ 3,393, em alta de 0,35%.

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Fiscalização sanitária evita doenças

Vera Batista

20/04/2018

 

 

O Brasil teria um gasto de mais de R$ 4 bilhões em atendimento médico nos hospitais da rede pública com pessoas infectadas, caso não fossem retiradas de circulação mais de 1 bilhão de porções de carnes bovina e suína contaminadas ou com potencial para causar problemas aos consumidores. A estimativa é do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical), com base em dados coletados em 2016.

Naquele ano, foram fiscalizados mais de 37 milhões de suínos e mais de 24 milhões de bovinos abatidos em estabelecimentos registrados e submetidos ao Serviço de Inspeção Federal. Cerca de 7% tinham algum tipo de alteração e foram desviadas para inspeção especial. Desses, em 1,7% foram comprovadas lesão ou doença grave no animal, e deixaram de ser destinados ao consumo.

No total, 760,7 milhões de carnes foram examinadas. Cerca de 61 mil estavam com problemas. Essa quantidade de carne com problemas sendo ingerida pela população causaria, de acordo com Antônio Andrade, diretor de política profissional do Anffa Sindical, o aparecimento de manifestação clínica em seres humanos. Poderiam sofrer de simples intoxicação (reação a toxinas produzidas por bactérias no trato gastrointestinal ou no alimento) a toxi-infecção alimentar (causada pelo consumo de alimentos contaminados por bactéria ou suas toxinas).

Por dia de fiscalização, de acordo com o levantamento, em todo o país, apenas de carne suína com possibilidade de toxi-infecções alimentares foram economizados R$ 9,457 milhões. Da bovina, a retirada de circulação do produto com semelhante potencial reduziu os desembolsos com possíveis doenças em R$ 7,238 milhões. Por região, o maior impacto nas despesas com moléstias seria no Sul (R$ 6,846 bilhões e R$ 1,481 bilhão, suínos e bovinos, respectivamente), seguido do Centro-Oeste (R$ 2,768 bilhões e R$ 1,993 bilhão), Sudeste (R$ 844 milhões e R$ 3,909 bilhões), Norte (R$ 386 milhões e R$ 375 milhões) e Nordeste (constatada por fiscalização apenas R$ 241 milhões na carne suína).

O trabalho do auditor-fiscal agropecuário envolve toda a cadeia de produto animal até o abate, incluindo os insumos, como leite, queijo, iogurte, entre outros. “Quando há lesão, ou sinal de lesão, todo o conjunto do animal é separado, da carcaça à cabeça”, explica Andrade.