Correio braziliense, n. 20040, 03/04/2018. Política, p. 4

 

Pedido de respeito à pátria

Bernardo Bittar e Renato Souza

03/04/2018

 

 

JUSTIÇA » A menos de um dia do julgamento do habeas corpus de Lula, presidente do Supremo disse que o país vive tempos de "intolerância e intransigência" contra pessoas e instituições. Sem citar nomes, se disse preocupada com a "preservação da democracia"

Às vésperas do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, disse que o país “vive tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições”. Em pronunciamento oficial na TV Justiça, Cármen Lúcia disse que “a democracia brasileira é fruto da luta de muitos. E fora da democracia não há respeito ao direito nem esperança de Justiça e ética”. A ministra não citou nomes nem eventuais demandas em curso na Suprema Corte, mas mostrou preocupação com “a preservação da democracia”. Terminou pedindo “serenidade e respeito à pátria”.

“A efetividade dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros exige garantia de liberdade para exposição de ideias e posições plurais, algumas mesmo contrárias. Repito: há que se respeitar opiniões diferentes. O sentimento de brasilidade deve sobrepor-se a ressentimentos ou interesses que não sejam aqueles do bem comum a todos os brasileiros”, disse a ministra. O comunicado ocorreu porque, amanhã, o Supremo julga o habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula. O discurso foi um pedido dos assessores da presidente, que citaram os milhares de juízes e promotores pedindo a prevalência do entendimento do STF pela prisão em segunda instância. Advogados que querem a mudança também foram usados como argumento para o discurso.

Cármen Lúcia ainda pediu sensatez, dizendo que “problemas resolvem-se com racionalidade, competência, equilíbrio e respeito aos direitos. Superam-se dificuldades fortalecendo-se os valores morais, sociais e jurídicos. Problemas resolvem-se garantindo-se a observância da Constituição, papel fundamental e conferido ao Poder Judiciário, que o vem cumprindo com rigor”.

Polícia Federal

Com a agitação criada em torno deste debate, o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Rogério Galloro foi chamado até o gabinete de Cármen Lúcia para para detalhar o esquema de segurança do julgamento. Quando o assunto seria discutido pela primeira vez na Corte, há duas semanas, não houve grande mobilização em torno do Supremo. Cerca de 300 pessoas compareceram ao ato que durou menos de uma hora. Mas, agora, a expectativa é de que o número de manifestantes contra e a favor de Lula seja maior.

Considerando a possibilidade de haver tumulto no local, a PF vai monitorar as proximidades do Supremo. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) é a responsável pela segurança ao redor da Corte (leia reportagem na página 6). No último dia 22, os ministros do Supremo adiaram a conclusão do julgamento do habeas corpus preventivo de Lula. Com a decisão, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que condenou Lula a 12 anos e um mês em regime fechado, ficou impedido de decretar a prisão do ex-presidente depois de ter julgado o único recurso da defesa contra a condenação — o que não modifica o resultado do julgamento.

Assim que a prisão do ex-presidente Lula foi decretada pelo TRF-4, surgiram rumores de que o Supremo faria uma reavaliação do tema. Um dos ministros mais favoráveis à atitude é Marco Aurélio Mello. Ele disse que o assunto tinha que voltar à tona, mas disse que não faria essa sugestão para Cármen Lúcia. Ao Correio, o ministro criticou a presidente, afirmando que seu isolamento sinalizava a falta de consideração com os colegas. Dias antes, ela declarou que “não sucumbiria à pressão” e não trataria novamente deste caso.

O ministro Luís Roberto Barroso também se posicionou, afirmando que mudar o entendimento de uma decisão do Supremo por causa de um caso isolado seria o “fim de um estado de direito”, que, em suas palavras, se tornaria um “Estado de compadrio”.

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"Pacto oligárquico"

03/04/2018

 

 

Sem citar nomes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que agentes do Estado, empresários e políticos firmaram um “pacto oligárquico de saque ao Estado brasileiro”. O ministro fez a declaração ainda em meio a impacto da Operação Skala, deflagrada pela Polícia Federal por sua determinação que, na quinta-feira passada, prendeu amigos e antigos aliados do presidente Michel Temer — como o advogado e empresário José Yunes e o coronel da reserva da PM João Batista Lima Filho.

As declarações de Barroso ocorreram ontem durante Fórum da ONU sobre Segurança Humana, em São Paulo. O ministro defendeu a ideia de que “talvez, até hoje”, exista um “modelo padrão de fazer política e negócios” no Brasil que envolve corrupção e superfaturamento de contratos públicos. “O agente político relevante indicava o dirigente de ministério ou da empresa estatal com metas de desvio de dinheiro. O dirigente da empresa estatal contratava por licitação fraudada a empresa que seria parceira no esquema de desvio de dinheiro. A empresa parceira superfaturava os preços para gerar o excedente de caixa que seria distribuído para o agente político que nomeou o dirigente estatal e seus correligionários”.

“A minha análise é de que se celebrou de longa data, e com renovação constante, um pacto oligárquico de saque ao Estado brasileiro celebrado entre parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia estatal”, afirmou o ministro. Para Barroso, “o fenômeno não é novo, mas a percepção dele é mais recente e muito aguda”.

“O Brasil, nos últimos tempos, se deu conta de que nós vivenciávamos uma corrupção que era sistêmica, endêmica. Não era produto de falhas individuais, de pequenas fraquezas humanas, era o programa, um modo de conduzir o país com um nível de contágio espantoso, que envolvia empresas públicas, privadas, agentes públicos, privados, membros do congresso, do executivo, da iniciativa privada. Foi espantoso o que aconteceu no Brasil”, disse.

O ministro, no entanto, vê uma reação à onda corrupta que vive o país. “Nós estamos fazendo um esforço no Brasil para tomá-lo das mãos das elites extrativistas e devolvê-lo à sociedade para que as pessoas se sintam livres, iguais, participantes, e possam confiar umas nas outras”. Barroso ainda disse que a corrupção “atrasa o processo de distribuição de renda”, “prejudica a qualidade dos serviços públicos” e “faz a vida ser pior”.

“Brasilidade”

Discursando durante o Fórum Econômico Brasil-Países Árabes, em São Paulo, o presidente Michel Temer classificou como “falta de brasilidade” a suposta tentativa de desestabilizar o governo e o País. Sem citar nomes, o presidente afirmou que enfrenta oposições e que seguirá na “trilha” de trazer o Brasil para o século 21. Ele afirmou que o governo venceu “todas as dificuldades e chegamos aonde estamos”.

“Não foram poucos os embaraços e oposições que nós sofremos””, afirmou, em discurso. Ele disse que há pessoas querendo “desestabilizar o país” com “gestos irresponsáveis” com repercussão internacional. “Pessoas que agem desta maneira não sentem brasilidade no seu coração, porque sabem que gestos como esses criam problemas no aspecto internacional”, declarou.