Correio braziliense, n. 20064, 27/04/2018. Política, p. 2
Segredos de Palocci assombram o PT
Bernardo Bittar e Renato Souza
27/04/2018
INVESTIGAÇÃO » Acordo de colaboração do ex-ministro petista firmado com a PF tem peso suficiente para atrapalhar a estratégia do partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Delação foi confirmada pela corporação policial depois de travar no Ministério Público
Se a delação do ex-ministro Antonio Palocci seguir a mesma linha da carta de desfiliação enviada ao Partido dos Trabalhadores, o antigo “grão petista” causará efeito suficiente para atrapalhar a estratégia dos petistas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua preso e inelegível, mas a legenda mantém o nome dele como o principal candidato de 2018. Se Palocci delatar esquemas que respinguem em Lula, poderá tumultuar ainda mais a situação do antigo aliado — ou até mesmo dos indicados —, condenado a 12 anos e um mês de cadeia no caso do tríplex do Guarujá (SP).
O acordo de colaboração premiada foi concluído ontem pela Polícia Federal do Paraná e pela defesa de Palocci. Trata-se de um desejo antigo do ex-ministro, que nunca escondeu a vontade de sair da prisão a qualquer custo — mesmo se fosse necessário passar por cima de sua história com o PT, o que ele fez ao enviar uma carta se desfiliando do partido e atacando antigos aliados, como Lula e a senadora Gleisi Hoffmann (PR). Na ocasião, disse que o ex-presidente é “o pior da política”.
A Polícia Federal diz que Palocci tem como fornecer provas e que avaliará documentos e fatos apresentados. Por isso entendeu que a colaboração é fundamental para recuperar o dinheiro desviado na Lava-Jato e provar a participação de políticos, empresários e funcionários públicos em esquemas sofisticados de corrupção. Palocci disse ter documentos que comprovam como era a logística dos pagamentos de propina e informações sobre o mecanismo dos repasses.
Preso preventivamente em Curitiba desde setembro de 2016, Antonio Palocci tenta fechar acordo com o Ministério Público desde outubro, mas nunca teve sucesso. A defesa resolveu, então, negociar com a PF. Advogados afirmam que o ex-ministro trouxe à tona novos fatos e, quase dois anos depois da prisão, enfim, o acordo foi concluído, mas ainda não tem validade.
O Partido dos Trabalhadores preferiu não se manifestar sobre o assunto, alegando que Palocci não faz mais parte da sigla. Ele foi um dos criadores do PT, teve enorme influência entre os companheiros e chegou a ser cotado como substituto de Lula no Planalto, em 2011 — quando Dilma Rousseff foi eleita. Ainda que não tenha chegado à Presidência, Palocci foi homem de confiança dos petistas. Atuou como ministro nas áreas econômica e política das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), sendo ministro da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República, respectivamente. Desfiliou-se do PT em setembro do ano passado. Para valer, a delação tem que ser homologada pela Justiça.
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Moro desconsidera decisão do Supremo
27/04/2018
O juiz federal Sérgio Moro afirma que a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirar as delações da Odebrecht do processo do sítio de Atibaia, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — preso e condenado —, não traz “ordem expressa” para que os autos sejam enviados para São Paulo. Em despacho, o magistrado determinou o prosseguimento da ação na 13ª Vara Federal, em Curitiba.
“Oportuno lembrar que a presente investigação penal se iniciou muito antes da disponibilização a este juízo dos termos de depoimentos dos executivos da Odebrecht em acordos de colaboração, que ela tem por base outras provas além dos referidos depoimentos, apenas posteriormente incorporados, e envolve também outros fatos, como as reformas no mesmo sítio supostamente custeadas pelo Grupo OAS e por José Carlos Costa Marques Bumlai.”
O juiz da Lava-Jato se manifestou no processo do sítio, após a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) peticionar pela manutenção dos autos em Curitiba, e a defesa de Lula, pela remessa a São Paulo, junto com as delações da Odebrecht. “Em conclusão, apesar do lamentável tumulto processual gerado pela remessa de depoimentos a uma jurisdição diversa da definida nas vias ordinárias, ignorando realidade conhecida. A decisão majoritária da 2ª Turma do STF não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto Juízo para promover e processar a presente ação penal”, informa o documento do MPF.
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Conflito com os procuradores
27/04/2018
A delação acertada com a Polícia Federal foi a opção encontrada pela defesa para tentar reduzir a pena do ex-ministro Antonio Palocci, visto como uma pessoa fraca e mais sensível às questões prisionais. Ele tentou negociar com o MPF, mas a questão não seguiu adiante. No Ministério Público, diziam que faltavam detalhes para a celebração do acordo ser vantajosa. Para que o acordo com a PF tenha validade, o Ministério Público precisa acatar e o juiz Sérgio Moro tem que homologar.
“A delação fechada pela Polícia Federal só tem validade se for aprovada pelo Ministério Público Federal (MPF) e homologada pelo juiz, neste caso, Sérgio Moro”, entende o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.
O procurador explica que a Lei de Organizações Criminosas permite que a PF feche as delações, mas lembra que o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) para que o texto ganhasse nova interpretação. A ideia era que apenas as delações aprovadas pelo MPF tivessem validade.
“A delação foi feita pensando no melhor do interesse público. O MPF precisa deixar a polícia fazer o trabalho. Não prometemos amenizar denúncias, pois não somos Ministério Público; nem falamos sobre a fixação da pena, pois não somos juízes. O acordo celebrado com a PF é muito mais vantajoso para o Estado, pois o que se dá em troca de informações é muito pouco. Raramente se vai chegar ao perdão judicial que vemos em outros casos”, explica o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva.
Desconforto
A questão sobre quem pode fechar os acordos causa certo desconforto entre as duas instituições. Tanto que o processo apresentado por Janot foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde sete ministros deram suas opiniões sobre o tema. A reunião dos magistrados ocorreu no ano passado, foi adiada e voltará para a pauta nas próximas semanas. Por ora, o placar é de seis a um a favor dos policiais — mas pode mudar com eventuais recuos de ministros quando o assunto voltar à pauta.
O assunto chegou à Suprema Corte depois que Janot questionou a delação do ex-marqueteiro Duda Mendonça, fechada diretamente com a Polícia Federal — e a única, até então, que ocorreu sem a participação do Ministério Público.