O globo, n.30848 , 21/01/2018. PAÍS, p.4

Brasil determinou expulsão de 375 estrangeiros em 2017

RENATA MARIZ

 

 
 
Muitas vezes, porém, condenado já ganhou liberdade e não é localizado

 

Com mais de dois quilos de cocaína depositados em 89 cápsulas no estômago, o nigeriano Chiwetalu Raphael Mgbechi foi preso em 2011 no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, numa viagem que tinha Dakar, no Senegal, como destino final. Além de usar um passaporte falso com quantidade impressionante de viagens registradas, o detido, com 33 anos à época, era apontado por órgão de inteligência britânica como integrante de uma organização criminosa ligada ao tráfico internacional de drogas. Condenado a 8 anos e 10 dias em regime fechado, Mgbechi é o exemplo mais comum de estrangeiro expulso do Brasil. Somente em 2017, o governo determinou a saída de 375 cidadãos de outras nacionalidades, entre eles Mgbechi, que cometeram crimes no país — média de uma ordem a cada 23 horas.

 

TRÁFICO É CRIME MAIS COMUM

O número é seis vezes maior que o registrado em 2016, quando 57 estrangeiros foram alvos de expulsão, segundo dados inéditos do Ministério da Justiça. A pasta afirma não ter estatísticas anteriores, mas informações divulgadas à época apontam uma média anual de 300 a 450 determinações, o que sugere que 2016 tenha sido um ponto fora da curva, impactado pelas mudanças de governo e de equipes, com queda da produtividade nessa área. Apesar da retomada do ritmo de expulsões em 2017, ainda estão pendentes de análise 3.987 processos no Departamento de Migrações (Demig) do Ministério da Justiça. Só podem ser expulsos os estrangeiros condenados, com sentença definitiva, por crimes dolosos punidos com privação de liberdade ou delitos contra a humanidade.

Entre os 375 estrangeiros que tiveram a expulsão determinada em 2017, a maioria é de bolivianos (51), nigerianos (45) e sul-africanos (32). O crime mais comum é o tráfico internacional de drogas, mas também há registros consideráveis de roubo, furto, estupro e uso de documento falso. As ordens de saída determinadas a partir de 21 de novembro já foram feitas com base na nova Lei de Migrações. Pela legislação anterior, além dos condenados, estrangeiros processados poderiam ser alvo de expulsão. Agora, somente com sentença transitada em julgado. Outra novidade é a proibição de retornar ao Brasil pelo prazo de até o dobro da pena aplicada pela Justiça. Antes, isso era estabelecido caso a caso.

Ser expulso pelo governo brasileiro, no entanto, não é garantia da saída imediata do condenado do território nacional. Depois de determinar a retirada do estrangeiro por meio de portaria, o Ministério da Justiça dá uma autorização à Polícia Federal (PF) para executar o ato. Foram 103 permissões emitidas ao longo de 2017, que equivalem a 27,4% das expulsões publicadas no mesmo período. E nem toda autorização resulta, necessariamente, em retirada efetiva do estrangeiro. Muitas vezes o condenado já ganhou a liberdade e não é mais localizado pelas autoridades brasileiras. Questionada, a PF não informou quantas expulsões de estrangeiros realizou no ano passado.

Uma celeridade maior do processo administrativo de expulsão, que conta com direito de defesa, entre outras formalidades, é a solução para aumentar a efetivação das expulsões determinadas, aponta Silvana Borges, diretora do Demig e delegada da PF. Segundo ela, como os presos progridem de regime após cumprirem parte da pena, muitas vezes a ordem de expulsão só ocorre no momento em que eles já não estão mais sob a custódia do Estado, o que dificulta a localização.

— Precisamos ser mais céleres para que o processo seja concluído antes que o expulsando termine de cumprir a pena. E como a pena não é elevada na maior parte dos casos, variando de cinco a oito anos, essa agilidade tem que ser maior — diz Silvana.

Ela aponta que, ao assumir a Demig em 2016, introduziu uma metodologia de trabalho para enfrentar o passivo de processos pendentes, analisando dos mais antigos para os mais recentes. Por esse motivo, segundo Silvana, não é possível esclarecer o motivo de bolivianos, que em 2016 representaram apenas 3,5% dos estrangeiros expulsos, ocuparem o topo do ranking no ano passado, correspondendo a 13% do total. Já a presença constante de nigerianos e sul-africanos nas ordens de expulsão tem relação com a conexão do Brasil e África na rota do tráfico internacional de drogas.

O chileno Bryan Humberto Reyes Garcia escapa ao perfil mais recorrente do estrangeiro expulso do país, envolvido com drogas, mas é exemplo da demora no cumprimento da decisão. Ele foi condenado na Justiça em pelo menos dois processos, primeiro por furto e depois por roubo a uma residência em São Paulo. O último delito teve a participação de dois comparsas. Na ocasião, os moradores da casa assaltada se trancaram em um cômodo e conseguiram acionar a polícia, que surpreendeu Bryan saindo do imóvel com os bens roubados.

A expulsão foi determinada em portaria do Ministério da Justiça em dezembro do ano passado. Mas o chileno, condenado em 2015, continua cumprindo pena num presídio paulista, em regime semiaberto, embora não saia durante o dia por não ter emprego, segundo a advogada Rosemary Menezes, que fez defesa dele na área criminal.

Sempre determinada pelo ministro da Justiça, a expulsão não se confunde com deportação ou extradição. A deportação é aplicada a pessoas que estão de forma ilegal no país e a extradição se refere a uma cooperação internacional entre duas nações para que alguém seja enviado a fim de ser processado ou punido onde cometeu o crime. Há fatores que impedem a expulsão, segundo a lei. Ter filho brasileiro sob “guarda ou dependência econômica ou socioafetiva” e ser casado ou viver sob união estável com residente no Brasil são os motivos mais alegados por estrangeiros que conseguem se livrar da expulsão.