O globo, n.30848 , 21/01/2018. PAÍS, p.6

ADVERSÁRIOS JÁ TRAÇAM PLANOS COM E SEM LULA

 

 

Pré-candidatos adaptam estratégias e fazem cenários para depois do julgamento do petista

 

Com a pré-campanha eleitoral em pleno andamento, os potenciais candidatos à Presidência da República têm um compromisso em comum na agenda esta semana: acompanhar com atenção o julgamento, em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex do Guarujá (SP). Nos bastidores, traçam estratégias para cenários com e sem a presença do petista — e avaliam como hipótese mais provável que Lula, líder nas pesquisas de intenção de voto, siga na disputa até o limite máximo, ainda que seja eventualmente condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

Se for absolvido, o petista terá caminho livre para tentar o terceiro mandato. No entanto, se os desembargadores confirmarem a condenação imposta pelo juiz Sergio Moro, o assunto vai parar na Justiça Eleitoral. A lei da Ficha Limpa estipula que condenados em órgãos colegiados (como o TRF-4) fiquem inelegíveis, mas abre brecha para que a candidatura de Lula se mantenha até que todos os recursos sejam analisados.

Adversário histórico do PT, o PSDB tem em Geraldo Alckmin o nome mais provável para disputar a Presidência. O governador de São Paulo trabalha com o panorama de que o petista será seu adversário, mas, a aliados, confidencia que uma eleição sem Lula do início ao fim seria o melhor dos mundos para o PSDB. O raciocínio é simples: sem o petista, as duas vagas do segundo turno estariam em aberto.

 

NA ÚLTIMA HORA

No entanto, como considera remota a possibilidade de Lula abrir mão de uma candidatura, mesmo que seja declarado inelegível, Alckmin tem defendido que o cenário mais favorável a ele seria Lula fazer campanha e ser tirado da eleição na última hora. O tucano tem dúvidas sobre a tese de que o petista transferiria automaticamente os votos para um substituto indicado pelo PT. Alckmin avalia também que a presença de Lula em boa parte da campanha serviria de trava para o crescimento de outros candidatos de esquerda, como o ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT. Essas duas situações juntas, na opinião do governador, ampliariam a chance de o PSDB chegar o segundo turno.

— Parte importante do eleitor de Lula não tem acesso à informação tão rapidamente. Quanto menos tempo um substituto de Lula tiver para fazer campanha e dizer que é o escolhido do petista, menor será a transferência de votos — avaliou um interlocutor de Alckmin.

Os nomes cogitados atualmente para suceder a Lula nas urnas, caso a Justiça barre a candidatura, são os do ex-ministro Jacques Wagner e do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.

Nas pesquisas eleitorais, o melhor resultado de Alckmin até o momento é um terceiro lugar. A polarização com Lula está a cargo do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que mantém um discurso forte contra o petista — a quem chamou de “lixo” em um vídeo recente publicado no Facebook. O parlamentar desconversa e diz que “tanto faz” se Lula for ou não candidato:

— Não vou fazer campanha mostrando defeitos dos outros — disse ao GLOBO.

O grupo mais próximo ao deputado não acredita que Lula desista da disputa e avalia que Bolsonaro se tornará o principal alvo dos outros candidatos, já que a presença do ex-presidente no segundo turno parece consolidada, segundo as pesquisas. No entanto, se o petista for substituído por um correligionário, o discurso permanecerá afiado contra quem ocupar o lugar.

— O Bolsonaro já é anti-Lula desde quando estava no PP, que era a base do governo. A polarização vai continuar, porque o Lula será um cabo eleitoral forte (se não for candidato). Vai ser alguém representando o Lula, e a gente vai atacar de qualquer forma — diz um aliado.

 

DISPUTA PELA HERANÇA

No campo ideológico mais próximo ao PT, Ciro Gomes e a exministra Marina Silva, pré-candidata da Rede, vão disputar o espólio de Lula se ele não se candidatar. O comando da précampanha do PDT avalia que Ciro, no entanto, poderá tirar uma fatia do eleitorado de centro-esquerda ainda que Lula participe do pleito, especialmente no Nordeste — Ciro tem base eleitoral no Ceará, onde ele e seu irmão já foram governadores. Sem Lula, o avanço nessa fatia do eleitorado poderá ser mais amplo.

— O Nordeste, onde o Lula é mito, é onde o Ciro pode crescer muito sem o Lula — avalia o presidente do PDT, Carlos Lupi.

Na hipótese de o petista participar da disputa, o ex-ministro tem tentado se distanciar: já irritou aliados do ex-presidente quando disse à BBC que Lula “é o grande responsável por este momento político trágico que o Brasil está vivendo” e classificou a candidatura de Lula de “desserviço ao Brasil”. Ao GLOBO, em julho, Ciro citou a “impertinência” da candidatura de Lula.

Já Marina procura não rivalizar com o ex-presidente e diz que não mudará o programa de governo com o intuito de atrair o eleitorado do petista, se ele não concorrer:

— A campanha não deve se guiar pela participação ou não de Lula. As propostas não serão construídas para agradar um perfil de eleitorado, mas para dialogar com o povo brasileiro.

Sem Lula, Marina terá a chance de disputar com Ciro e o candidato do PT a herança de votos do ex-presidente.

— O diferencial entre Marina e Ciro é que ele tem uma pregação próxima da usada por Lula, à esquerda de Marina, que tem abordagem própria sobre os grandes problemas nacionais — avalia o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), aliado da ex-ministra.

 

QUE JULGAMENTO É ESSE?
 

O RECURSO DE LULA: Em julho de 2017, o juiz Sergio Moro, que conduz a Lava-Jato em Curitiba, condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na quarta-feira, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, vai julgar o recurso de Lula contra a condenação.

A ACUSAÇÃO DO MPF: Lula teria recebido R$ 2,7 milhões em propinas relacionadas a um apartamento tríplex no Guarujá, no litoral de São Paulo. O PT e a OAS teriam acertado o pagamento de 3% do valor dos contratos firmados entre a empreiteira e a Petrobras a título de propina. Os valores do apartamento e das reformas foram descontados desse percentual.

O CASO, EM RESUMO: Em 2005, a então primeira-dama Marisa Letícia adquire cota de um apartamento em um condomínio em frente à praia, no Guarujá, da antiga cooperativa de crédito do Sindicato dos Bancários de São Paulo, conhecida como Bancoop. O imóvel custou R$ 209 mil. A cooperativa foi à falência, e a OAS assumiu o empreendimento. Em 2009, a empreiteira, de acordo com a acusação, fez uma espécie de “upgrade” para Lula e substituiu o imóvel simples por um tríplex, sem cobrar a diferença de preço do ex-presidente. Em 2014, a OAS reformou o imóvel. Ao todo, a vantagem indevida apontada foi de R$ 2,7 milhões, sendo que R$ 1,47 milhão foi a diferença de preço dos dois apartamentos e R$ 1,27 milhão, o custo das reformas.

O QUE MORO DECIDIU: O juiz condenou Lula. Para Moro, o mais importante das investigações é que o apartamento foi dado a Lula com reformas sem qualquer motivo legal. “Essa é a questão crucial neste processo, pois, se determinado que o apartamento foi de fato concedido ao ex-presidente pelo Grupo OAS, sem pagamento do preço correspondente, sequer das reformas, haverá prova da concessão, pelo Grupo OAS a ele, de um benefício patrimonial considerável, estimado em R$ 2.424.991 e para o qual não haveria uma causa ou explicação lícita.” “A culpabilidade é elevada”, escreveu Moro. “O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes,” decidiu o juiz da Lava-Jato.

AS PROVAS: Uma das principais provas que Moro considerou para condenar Lula é a escritura do tríplex, em nome da OAS, encontrada no apartamento do ex-presidente. O documento estava rasurado, com a tentativa de substituir a descrição do tríplex pela propriedade do apartamento mais simples comprado por Lula em 2009, apontou o Ministério Público Federal. O MPF também utiliza como prova visitas que Lula e Marisa Letícia fizeram ao apartamento, entre 2013 e 2014, durante a reforma, e sustenta que a família chegou a escolher melhorias a serem feitas no tríplex, como a instalação de um elevador privativo.

O QUE DIZ A DEFESA DE LULA SOBRE O APARTAMENTO: A defesa de Lula afirma que Marisa Letícia tinha uma cota para comprar um apartamento no Condomínio Solaris, mas que, após a falência da Bancoop e a entrada da OAS nos negócios, a ex-primeira-dama desistiu. Segundo os advogados, o apartamento 164 A está em nome da OAS, mas, desde 2010, quem detém 100% dos direitos econômico-financeiros sobre o imóvel é um fundo gerido pela Caixa Econômica Federal.

O QUE DIZ A DEFESA SOBRE AS VISITAS AO TRÍPLEX: Os advogados sustentam que Lula e dona Marisa queriam conhecer o imóvel e planejar uma possível compra. Afirmam que a construtora fez as reformas para tentar vender o apartamento ao casal – mas que, mesmo assim, a compra não foi feita.

DISCUSSÃO SOBRE CORRUPÇÃO PASSIVA PODE SER PONTO-CHAVE: A interpretação do crime de corrupção passiva pode ser um ponto polêmico no julgamento. Pelo Código Penal, o crime acontece quando alguém solicita ou recebe vantagem indevida em razão da função, mesmo que já esteja fora dela. Pelo tipo penal, não há necessidade de comprovação do ato de ofício – ou seja, não precisa ser comprovado que o agente público prestou algum favor em troca. Até 2012, no entanto, o Supremo entendia haver necessidade de comprovação de ato específico do agente público em troca da vantagem indevida, como aconteceu no julgamento do ex-presidente Fernando Collor. Esse conceito foi colocado em xeque naquele ano, no julgamento do mensalão. A partir de então, o entendimento em vigor é que não é necessário comprovar a contrapartida do agente público.

O QUE OS ADVOGADOS DE LULA DIZEM SOBRE CORRUPÇÃO PASSIVA: Para a defesa de Lula, não se pode cogitar de crime de corrupção passiva sem a indicação de um ato que o funcionário público tenha praticado ou deixado de praticar relacionado à suposta vantagem recebida. A defesa, liderada por Cristiano Zanin Martins diz que a sentença de Moro não indica qualquer ato de ofício que Lula tenha praticado ou deixado de praticar, muito menos uma vantagem real recebida — já que reconhece que ele não é o proprietário do tríplex, porque o imóvel está no nome da empreiteira OAS.