Correio braziliense, n. 20063, 26/04/2018. Negócios, p. 12
Brasil lidera em suborno e corrupção nas empresas
Paula Pacheco
26/04/2018
PROPINA NOS NEGÓCIOS - Pesquisa indica que 96% dos executivos brasileiros consideram essas práticas corriqueiras no ambiente de negócios. Preocupação é maior com jovens gestores, mais tolerantes a elas
São Paulo – Frases como “se eu não pagar por fora alguém vai pagar” são mais comuns no ambiente corporativo nacional do que se pode imaginar. Pesquisa global feita pela empresa de consultoria e auditoria Ernst & Young (EY), que ouviu 2.550 executivos de 55 países, mostrou que para 96% dos profissionais brasileiros entrevistados as práticas de suborno ou corrupção ocorrem amplamente nos negócios. Para efeito de comparação, em 2014, quando a Operação Lava-Jato, iniciada em 2009, prendeu Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras – naquele momento, as investigações saíam do ambiente de lavagem de dinheiro e chegavam aos primeiros indícios de corrupção –, esse número era de 70%.
Com esse percentual, o Brasil ficou em primeiro lugar de um total de 53 países e regiões participantes da pesquisa, que está em sua 15ª edição. No outro extremo do ranking, ficou a Alemanha, onde apenas 2% disseram ter essa percepção sobre o ambiente de negócios. Os Estados Unidos, que são referência no combate à corrupção empresarial, graças a uma lei aprovada pelo Congresso americano em 1977, ficaram na 39ª posição. Na América do Sul, a média é de 74% e a melhor posição é a do Chile, no 27º lugar. Já a pior, depois do Brasil, é a da Colômbia, a vice-campeã da lista.
Para Guilherme Meister, sócio da área de investigação e de fraudes da EY, a percepção de que o ambiente de negócios no Brasil é impactado por atos de corrupção ou suborno se acentuou desde 2014, quando entrou em vigor a Lei Anticorrupção. “Antes, talvez a percepção fosse distorcida. Mas as ações do judiciário tornaram esse assunto mais presente na vida das pessoas e das empresas”, avalia.
O especialista acredita que no Brasil ainda está muito presente a cultura de criticar a corrupção no plano das intenções em vez de ações mais objetivas. Para José Francisco Compagno, sócio da EY para a área de serviços de auditoria, a pesquisa também chama a atenção para o fato de um a cada cinco executivos com até 35 anos estarem dispostos a pagar propina se for necessário para o êxito do negócio. Na faixa acima de 35 anos, essa proporção alcança um a cada oito profissionais. “O que vai ocorrer quando essa faixa etária mais baixa assumir a liderança nas empresas?”, questiona.
Segundo Compagno, a propensão maior dos mais jovens a pagar propina pode ter relação com a pressão por resultados e a dificuldade de compreensão de que a corrupção pode ser decisiva para interromper o desempenho e a perenidade de um negócio. “Há uma massa de jovens executivos mais tolerante a esse tipo de comportamento e isso preocupa”, completa Meister.
Ainda segundo o levantamento da EY, 18% dos executivos brasileiros dizem que determinadas práticas são justificáveis se o objetivo for conquistar negócios, por exemplo, oferecer presentes e viagens, pagamentos em dinheiro ou até mesmo manipular demonstrações financeiras. Se serve de consolo, em 2014 20% afirmaram concordar com alguma dessas ações.
Ao todo, 10% dos executivos brasileiros admitem que oferecer pagamentos em dinheiro pode ser justificado se eles ajudarem na sobrevivência de um negócio durante uma crise econômica. Nos países desenvolvidos, esse número é de 6%. Já entre os emergentes sobe para 19%.
Outro dado alarmante se refere à trivialidade com que a prática de suborno é tratada. A cada cinco executivos brasileiros, um diz ser comum no setor em que atua o ato de subornar alguém para ganhar contratos. A média mundial é de 11% e nos países desenvolvidos esse número é de 5%.
Integridade
Do total de executivos ouvidos no Brasil, 10% dizem que suas companhias sofreram algum tipo significativo de fraude nos últimos dois anos, mesmo número constatado nos países desenvolvidos. No entanto, na América do Sul, esse número sobe para 14%. Para 96% dos brasileiros, é muito importante ser capaz de demonstrar que a organização onde trabalha opera com integridade. Na América do Sul a média é de 99%.
Apesar do que dizem os especialistas em compliance, para metade dos executivos brasileiros a responsabilidade sobre a integridade da companhia deve ser individual, seguida pela área de administração (24%), compliance (12%), RH (6%) e conselho de administra (2%). Nas economias desenvolvidas, esse número cai para 22%.
O ambiente regulatório é apontado por 60% dos executivos brasileiros como o fator que representa os maiores riscos para o negócio, enquanto a média mundial é de 43%. Já os aspectos macroeconômicos são o segundo motivo de preocupação, com 50%, seguidos por fraude e corrupção (44%), riscos geopolíticos (30%), ciberataques (28%) e conformidade com a lei de concorrência (12%). O terrorismo ficou de fora da lista dos profissionais ouvidos no Brasil.
Graças às investigações no âmbito da Operação Lava-Jato, o Brasil inflou o número de acordos entre empresas e a Justiça americana baseados na Lei Anticorrupção. Foram 11 acordos na região em 2017. Isso ocorreu por causa dos negócios e contas em bancos que as companhias brasileiras denunciadas tinham nos Estados Unidos, o que levou a estender os efeitos das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal até aquele país.
Meister avalia que o caminho ainda seja longo até que o discurso dê lugar a ações de combate à corrupção no ambiente empresarial. “Por enquanto, a intolerância dos executivos quanto à necessidade de o negócio se manter íntegro está mais no campo das ideias, tanto que muitos ainda admitem pagar suborno”, explica. O que falta, segundo Compagno, é que seja disseminado no ambiente corporativo o fato de qualquer tipo de fraude colocar em risco uma companhia.
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Legislação pune pouco
26/04/2018
Em janeiro de 2014, entrou em vigor no Brasil a Lei Anticorrupção. Ela prevê que empresas que pratiquem, seja por meio de seus empregados, seja por representantes, atos ilícitos contra a administração pública (nacional ou internacional) sejam responsabilizadas e punidas com sanções administrativas. Dados divulgados em janeiro mostram que em quatro anos o governo federal instaurou 183 processos contra empresas – 153 deles iniciados em 2017. Desse total de inquéritos, 30 resultaram na aplicação de penalidades.
O Ministério da Fazenda foi o órgão do governo que mais se utilizou da Lei Anticorrupção com o objetivo de investigar a atuação de grupos privados, com um total de 62 processos, seguido pela pasta de Minas e Energia (42) e Saúde (34). Transportes, Portos e Aviação Civil, por sua vez, foi uma das pastas com menos ações, com apenas cinco inquéritos até o início do ano.
A Lei Anticorrupção, ou Lei da Empresa Limpa, prevê que a Controladoria-Geral da União (CGU) tenha a competência de apurar, processar e julgar atos ilícitos. Apenas atos cometidos depois que a regulamentação entrou em vigor podem ser apurados segundo o que prevê o texto. Na época da divulgação desses números, o então corregedor-geral da União, Antônio Carlos Vasconcellos, admitiu que ainda se punia pouco no Brasil.
Outra regulamentação que tem ajudado a desencorajar atos ilícitos na esfera pública é a Lei nº 8.112/1990 (Regime Jurídico dos Servidores). Só no primeiro trimestre deste ano, órgãos e autarquias do Governo Federal expulsaram 142 agentes públicos por atividades irregulares, segundo o Ministério da Transparência (CGU). Foram 120 demissões de funcionários efetivos, 18 cassações de aposentados e quatro destituições de ocupantes de cargos em comissão. Não estão incluídos na estatística os funcionários das estatais, como Caixa, Correios e Petrobras.