Correio braziliense, n. 20063, 26/04/2018. Cidades, p. 21

 

Agnelo, Arruda e Filippelli viram réus

Ana Maria Campos e Ana Viriato

26/04/2018

 

 

OPERAÇÃO PANATENAICO » Além dos ex-governadores e do ex-vice, nove pessoas são acusadas de organizar um acordo de mercado para receber propina e fraudar licitações, entre elas a do Estádio Nacional Mané Garrincha

Quase um ano após a deflagração da Operação Panatenaico, a 12ª Vara Federal recebeu as três denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal (MPF) e tornou réus, devido ao superfaturamento do Estádio Nacional Mané Garrincha, os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (MDB), além de outras nove pessoas. Os 12 acusados, entre políticos, ex-integrantes do alto escalão da administração pública e empresários, são suspeitos de organizar um “acordo de mercado” para dividir as maiores obras da capital com as empreiteiras em troca de propina.

Nas três decisões, a juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves ressalta que as petições descrevem “de modo claro e objetivo os fatos imputados aos denunciados”. De acordo com o MPF, Arruda, Agnelo e Filippelli teriam faturado, no total, R$ 16,6 milhões com a negociata. Se condenados, eles terão de devolver o montante aos cofres públicos. Parte da propina passou pelos supostos operadores Jorge Luiz Salomão, Afrânio Roberto, Luis Carlos Alcoforado, Sergio Lúcio e Wellington Medeiros. Os advogados dos réus foram intimados a apresentar a defesa em 10 dias. Após as alegações dos defensores, a juíza deve dar início à instrução do processo, momento em que são produzidas provas.

Segundo as denúncias, embasadas pelos termos de colaboração de executivos da Andrade Gutierrez, o cartel que fraudou a concorrência da arena passou a existir em meados de 2008, à época da gestão de José Roberto Arruda. A divisão das obras teria acontecido em meio a diversas reuniões na Residência Oficial de Águas Claras, com a presença de representantes das empresas. Pela distribuição, o governador cobrou o valor de 1% sobre o custo total das obras.

O MPF destaca a manipulação da licitação do Mané Garrincha. Executivos e técnicos da Via Engenharia e da Andrade Gutierrez, além de integrantes do alto escalão da Novacap, supostamente formaram “um grupo de estudos” para debater os termos e as exigências estabelecidos para que as construtoras obtivessem vantagem no processo. Os responsáveis pelas tratativas na estatal eram, segundo a investigação, Maruska Lima e Nilson Martorelli, que também se tornaram réus. Cientes do acordo, Odebrecht e OAS fizeram preço de cobertura, que, no jargão dos empreiteiros, significa apresentar uma proposta com valores mais altos para forjar o interesse e dar um caráter de normalidade ao processo de seleção.

Com a licitação do estádio ganha pelo consórcio no DF, teve início o esquema de superfaturamento. Houve, então, uma série de aditivos e subcontratações a fim de “gerar dinheiro” e justificar os recursos destinados ao pagamento de propina. No governo Arruda, a trama ficou prejudicada pela Operação Caixa de Pandora, que levou o ex-governador à prisão e à derrocada de seu governo. Contudo, ele retornou em 2013 para cobrar a dívida das empreiteiras, recebendo R$ 3,92 milhões, de acordo com a denúncia do MPF.

Na gestão seguinte, sob o comando de Agnelo e Filippelli, o esquema ganhou fôlego. Para garantir que o conluio funcionasse, o então governador emplacou na Câmara Legislativa um projeto que ampliou a área de atuação da Terracap, com o intuito de englobar novos investimentos em obras, além de contingenciar as contas do Executivo local.

O MPF apontou que, em troca, o petista recebeu R$ 6,495 milhões por meio de doações oficiais, bebidas, ingressos para jogos e afins. O emedebista garantiu R$ 6,185 milhões a título de doações oficiais à chapa nas eleições de 2014, além de 1% sobre o valor do contrato firmado com as empreiteiras.

Os envolvidos responderão por organização criminosa, corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação. Os empresários da Andrade Gutierrez não foram incluídos na peça de acusação por causa das delações, que indicam, ainda, fraude nas concorrências do BRT Sul e do Centro Administrativo — os crimes são investigados em paralelo.

Falta de provas

Numa das decisões, a Justiça acatou o pedido do MPF e determinou que sejam remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) os documentos com menções de irregularidades atribuídas ao ex-governador Rogério Rosso (PSD), que estava no comando do GDF à época da assinatura do contrato com o Consórcio Brasília 2014. Devido ao foro privilegiado, a Corte precisa autorizar investigações contra o parlamentar. O documento, porém, não aponta quais seriam os indícios de ilicitudes.

Materiais anteriores apontavam o possível envolvimento de Rosso com a distribuição das maiores obras da capital entre as principais empreiteiras. Segundo delação premiada do ex-executivo da Construtora Andrade Gutierrez Rodrigo Ferreira Lopes, homologada pelo STF, um emissário pediu à empreiteira, em nome do ex-governador — que assumiu mandato-tampão entre abril e dezembro de 2010 —, propina de R$ 12 milhões, mas teria recebido R$ 500 mil.

O parlamentar afirma que as peças às quais a decisão faz referência foram objeto de análise da Procuradoria-Geral da República e do ministro do STF Edson Fachin, nos autos da petição nº 7.200. “Nenhuma investigação foi aberta, justamente devido à absoluta falta de provas. Repudio qualquer tentativa de associar o meu nome nesse ou em qualquer outro episódio sobre irregularidades na minha gestão. Estou tranquilo quanto à lisura de todos os atos por mim praticados enquanto governador de Brasília ou no exercício de qualquer função pública”, disse.

Esclarecimento

Ao Correio a defesa de Arruda negou a procedência da denúncia sob alegação de que o político estaria afastado do governo seis meses antes do início do processo licitatório. “O que há é uma denúncia baseada exclusivamente em delações despidas de qualquer elemento corroborativo de prova”, informou, em nota.

O advogado de Agnelo, Daniel Guerber, afirmou que, “apesar de refutar veemente as acusações”, o ex-governador só se pronunciará nos autos do processo. A defesa de Filippelli, vice de Agnelo à época, disse que espera “ter a oportunidade de esclarecer todos os pontos e provar sua inocência”, mas que ainda não obteve o conteúdo do processo.

Apontado como operador de Agnelo no esquema, Luis Carlos Alcoforado negou as acusações. “A injustiça não vence a verdade, razão por que confiamos no futuro com a confirmação das acusações injustas”, disse.

Obras

A 12ª Vara Federal determinou a suspensão cautelar do exercício de atividade econômica da Via Engenharia, empresa que integrou com a Andrade Gutierrez o Consórcio Brasília 2014, responsável pela construção do estádio Mané Garrincha. Na prática, a construtora fica impedida de firmar novos contratos com a administração pública. A decisão da juíza Pollyanna Kelly Medeiros Martins Alves, a pedido dos procuradores da República no DF responsáveis pela Operação Panatenaico, consta do despacho de recebimento da denúncia por corrupção e superfaturamento contra o ex-governador Arruda; o dono da Via Engenharia, Fernando Queiroz; e outros dois integrantes do suposto esquema de desvios para a construção da arena. O ex-executivo da Via Alberto Noli também se tornou réu.

No despacho, a magistrada explica que “mostra-se adequado o pleito do MPF no que tange à proibição da referida pessoa jurídica de participar de novas licitações tendo em vista a possibilidade de reiteração deletiva”. Pollyanna Kelly, no entanto, ressalta que a medida não se aplica a contratações já firmadas com o poder público. “Não se mostra razoável obstar a atividade empresarial nos contratos em andamento, porquanto implica a paralisação de obras”, acrescentou.

Contratos

Ao Correio a Via Engenharia alegou que “aguardará a divulgação oficial da decisão para tomar as medidas cabíveis”. Segundo as delações de acordos de leniência prestados pela Andrade Gutierrez, a Via Engenharia dividiu o mercado de construção civil no DF com outras empreiteiras, como Odebrecht e OAS. Nesse conluio, as companhias apresentaram propostas para dar um ar de legalidade à licitação, mas com preços acima dos que seriam oferecidos pelo Consórcio Brasília 2014.

A Via Engenharia é responsável por três obras em andamento no DF. Neste ano, ela venceu duas licitações para a construção de duas estações do metrô. Os dois contratos somam R$ 39 milhões. Apenas um consórcio disputou a concorrência pública. A empresa é responsável também pela construção do trevo da Saída Norte. Neste caso, a licitação ocorreu ainda no governo de Agnelo Queiroz. Pela decisão, esses contratos estão mantidos.