Correio braziliense, n. 20051, 14/04/2018. Política, p. 2

 

Suprema saída

Renato Souza e Alessandra Azevedo

14/04/2018

 

 

Com a demora da Câmara dos Deputados em votar a proposta que restringe o foro privilegiado, a decisão passa para as mãos do STF, que já tem data marcada para terminar de julgar o tema: o próximo dia 2
 
Há 13 anos, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para reduzir o foro privilegiado, que permite que autoridades com prerrogativa de função sejam julgadas nos tribunais superiores. A medida é apontada como o principal motivo da impunidade e das benesses judiciais envolvendo políticos com acusações criminais. Com a demora do Legislativo em resolver a situação, a decisão sobre o tema deve ficar para o Supremo Tribunal Federal (STF). A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, marcou para 2 de maio o julgamento do tema. A ação já foi colocada em pauta duas vezes, mas acabou adiada por pedidos de vista. No plenário do Supremo, oito magistrados já votaram a favor da restrição.

A proposta foi apresentada pelo ministro Luís Roberto Barroso, no ano passado. Apesar de ter ido a plenário em duas ocasiões, a análise do caso foi interrompida por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. Ele acreditava que o assunto poderia ser resolvido pela PEC que tramita no Congresso. Agora, o assunto está impedido de avançar no Legislativo, pois a Constituição proíbe que a Carta Magna seja emendada durante a vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. O foro privilegiado permite que 55 mil autoridades sejam julgadas de forma diferente dos demais brasileiros, de acordo com dados da Consultoria Legislativa do Senado.

Até agora, oito dos 11 ministros já se posicionaram a favor da restrição do foro. A proposta do ministro Barroso é limitar o benefício a políticos acusados de crimes que tenham sido cometidos durante o mandato e que tenham relação com o cargo ocupado. Assim, já seria possível enxugar bastante o número de processos tramitando na Corte, já que apenas 5,44% das ações penais envolvem ao menos um crime que preencha as duas condições, de acordo com o relatório Supremo em Números, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ).

Se nenhum dos três ministros que ainda não declararam os votos — Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski — pedir vista do processo, o resultado será colocado em prática imediatamente. As novas regras já começarão a valer assim que a Corte bater o martelo. Mas, na prática, o foro ainda poderá mudar bastante na Câmara dos Deputados, que deve retomar a PEC em andamento na Casa, seja para “oficializar” o entendimento do STF, transformando em lei, ou para estabelecer os parâmetros de acordo com o que os parlamentares julgam mais interessante.

A PEC, mais dura que a do STF, mantém foro especial para crimes comuns apenas para os presidentes da República, do STF, da Câmara e do Senado, mas as regras ainda podem ficar mais duras ou mais suaves, a depender dos deputados. Ficariam sem o privilégio, deputados federais, senadores, ministros de Estado, juízes, desembargadores, ministros do STF e integrantes do Ministério Público.

A decisão sobre o fim do foro dependerá, em último nível, da composição da Câmara no ano que vem, já que a intervenção no Rio deve durar pelo menos até dezembro. Além dos deputados e senadores, estão entre os beneficiados pelo foro o presidente da República, o vice-presidente, os ministros do Executivo e o procurador-geral da República. Em casos de infrações penais comuns, todos são julgados pelo STF, o que, na prática, adia a punição de vários investigados e permite que muitos deles escapem da Lei da Ficha Limpa.

Lentidão

A PEC do foro privilegiado foi apresentada no Senado em 2005 e ficou parada na casa legislativa por 12 anos. A definição do caso gerou embates entre o Poder Legislativo e Judiciário no final do ano passado. Para o senador e pré-candidato à Presidência, Álvaro Dias (Podemos-PR), autor da proposta, o fato de o STF deliberar sobre o assunto antes dos parlamentares reflete “a omissão do Congresso, que, mais uma vez, dá espaço para a invasão de competência”. Apesar de a proposta não poder avançar durante a intervenção federal, Dias lembra que ela chegou à Câmara dos Deputados em junho do ano passado, oito meses antes de o governo decretar a intervenção. Não foi votada, segundo ele, “porque impediria a candidatura de parlamentares que passariam a ser julgados em primeira e segunda instância”. A manutenção do foro “limitou o espaço da renovação do Congresso”, acredita o senador. “Agora, a PEC está em compasso de espera, mas deveria ter sido aprovada em agosto”, defendeu.

Álvaro Dias também ressaltou que o Supremo vai apenas “reduzir o impacto do privilégio atual, mas não vai eliminar”, diferentemente da proposta dele, que mantém o foro especial apenas para presidentes dos três poderes. “A decisão no STF vai alcançar apenas políticos com mandato em razão de crimes cometidos anteriormente. Outras milhares de autoridades continuarão preservadas”, apontou.

O deputado Efraim Filho (DEM-PB), que foi relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara antes de o projeto parar, concorda que houve tempo suficiente para votar a matéria no plenário. Ele espera que a pauta do STF “sirva de estímulo para que a gente possa sair da inércia na Câmara”. “Se permanecer assim, ninguém vai poder reclamar que depois que o Supremo está legislando”, disse.

No STF, que julga os políticos da ativa, os processos chegam a ficar mais de quatro anos esperando um posicionamento do relator, mais um ano com o revisor e outros dois anos em vista à Procuradoria-Geral da República (PGR). E, no fim das contas, apenas uma em cada 100 decisões em ações penais resultam em condenação, ainda que parcial. Em duas de cada três ações penais, o mérito da acusação não chega sequer a ser avaliado pelo Supremo, em razão do declínio de competência ou da prescrição.