O globo, n. 30834, 07/01/2018. País, p. 3

 

Trinta anos de corrupção e de compra de votos

Bela Megale

07/01/2018

 

 

Condenado e cumprindo prisão domiciliar, Pedro Corrêa diz que política se fazia assim

Sentado no sofá da sala e apoiado na bengala de madeira, o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido Progressista (PP) Pedro Corrêa, condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, recebeu O GLOBO na quarta-feira, a quatro dias de completar 70 anos, em sua cobertura com vista para a praia de Boa Viagem, em Recife. Preso há mais de quatro anos, sendo os dez últimos meses em regime domiciliar fechado, ou seja, sem poder sair de casa, Corrêa é o primeiro condenado no mensalão e na Lava-Jato a dar uma entrevista e detalhar os crimes que cometeu.

— Vamos sentar ali na mesa, por onde entra brisa — disse, acomodando-se diante da janela de frente para o mar.

Uma adega climatizada para vinhos, uma moderna geladeira para cervejas e uma enorme televisão de LED contrastam com a grande quantidade de móveis antigos que se amontoam na sala tomada por quadros de artistas nordestinos, herança dos pais de Corrêa, segundo o próprio. Ele veste bermuda azul com listras da Adidas, camiseta da mesma cor e sandálias de borracha, uniforme que adotou desde que voltou para casa, uma vez que não tem permissão nem mesmo para descer à área de lazer do prédio. Nas pernas à mostra, não há tornozeleira eletrônica. Corrêa conta que foi autorizado temporariamente a não usar o aparelho devido aos exames e cirurgias que fez nos últimos meses.

Em mais de cinco horas de conversa, com pausa para andar na sala e jantar com a família, o ex-deputado gargalhou ao lembrar dos tempos de preso, bateu no peito garantindo que ainda se elegeria para a Câmara e confirmou que participou permanentemente de esquemas de corrupção e de compra de votos nos quase 30 anos de vida pública. Também detalhou um acordão para tentar salvar todos os envolvidos no mensalão a partir da narrativa de que se tratava apenas de caixa dois. Os idealizadores seriam dois dos mais famosos advogados do país — Márcio Thomaz Bastos e Arnaldo Malheiros Filho, mortos em 2014 e 2016, respectivamente — e o avalista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— Não foi um acordão que funcionou. Foi invenção do Malheiros, que era advogado de Delúbio (Soares, extesoureiro do PT) e transmitiu isso ao Márcio Thomaz Bastos, que o assunto do mensalão seria caixa dois. Tanto é que Lula deu uma entrevista em Paris falando sobre o negócio de caixa dois, que era errado, mas que todo mundo tinha feito, incluindo o PT. Foi um entendimento porque o Thomaz Bastos e o Malheiros achavam que era um crime menor e que estava prescrito.

Segundo Corrêa, o próprio Lula participou de reuniões com os advogados e os réus do mensalão em que a tese foi apresentada para tranquilizá-los:

— Lula dizia que não ia dar em nada, porque todos esses crimes estavam prescritos. Quem fazia muita restrição a isso era Valdemar (Costa Neto, ex-deputado e filiado ao PR). Ele falava: “Rapaz, isso não vai dar certo. Se prepare que vamos ser presos”. Eu dizia: “Mas o homem (Lula) não está falando que vai resolver isso?”

Assim como fez em sua delação, o exdeputado não poupou críticas ao petista e voltou a afirmar que “ele coordenou tudo, comandou tudo e sabia que tudo era feito para arrecadar, para pagar conta de eleição, e que a gente colocava as pessoas para fazer isso”.

— Qual interesse que a gente tinha em colocar um diretor na Petrobras? O interesse que a gente tinha era fazer ele prestar serviço ao empresário para ele dar retorno para gente em recurso. Um diretor de uma estatal que não dá voto... Você vai tomar voto aonde numa diretoria da Petrobras? — indagou.

Questionado sobre as afirmações do ex-presidente do PP, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, negou as acusações e disse que “a palavra de um criminoso confesso e que recebeu benefícios do Ministério Público Federal para acusar Lula sem provas, não merece qualquer credibilidade”. O criminalista também afirmou que a opinião de Corrêa não pode se sobrepor à posição do ex-procuradorgeral da República e ao julgamento do Supremo Tribunal Federal, que não identificaram elementos que relacionassem o petista ao mensalão. Procurado, Costa Neto disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que não comenta conteúdos que foram examinados pelo Judiciário.

CORRUPÇÃO PERMANENTE

Apesar da mira apontada para Lula, Corrêa destacou que as indicações na Petrobras também foram políticas em governos anteriores. A principal diferença, segundo ele, é que com os antecessores o número de políticos a participar das indicações era menor, e “os diretores que ficavam mais ricos”:

— O dinheiro ficava com a área técnica e com os políticos que tinham um prestígio muito grande. Os partidos eram fechados demais, tinham donos que seguravam tudo isso. No governo Lula foi abrindo, porque foi democratizando isso. Eleito deputado federal pela primeira vez em 1978 pela Arena, o ex-parlamentar, que também é médico radiologista, exerceu seis mandatos consecutivos na Câmara até ser cassado, em 2006, e confessou que em todos participou de esquemas de corrupção. — Desde que cheguei na Câmara tinha isso. O cara fazia um favor a um empresário, e o empresário dava retribuição em dinheiro para a campanha. Agora se respeitava mais, se recebia sempre no período da campanha. Depois, os empresários começaram a se esconder no período da campanha. Foi quando começou o negócio de antecipar a arrecadação. Entre os primeiros esquemas capitaneados por Corrêa estão desvios do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), extinto em 1993. Eleito com apoio da classe médica, ele foi o responsável pela nomeação do superintendente do Inamps no governo do general João Figueiredo (1979-1985). Segundo Corrêa, o aliado ajudava médicos, hospitais e empresas da área. Em troca, pedia dinheiro para o padrinho. — Não existia caixa um nessa época, muito menos prestação de contas. Era tudo por meio de caixa dois. Em 1982 começou a ter prestação de contas, mas ninguém dava nada. Se dizia muito que o político prestava contas e o tribunal fazia que analisava. Não tinha nenhuma fiscalização. Pedro Corrêa se define como “um político da sua geração”, que comprava votos para se manter no poder. Mas nega ter enriquecido na vida pública — os recursos que arrecadava teriam sido para “fazer política”. — Não sou nenhum santo, sou um político da minha geração. Na minha geração era assim que se fazia política. Não fiquei rico, o dinheiro não apareceu em nenhum lugar, não tenho dinheiro para pagar as multas (R$ 3 milhões do mensalão, que ele contesta na Justiça, e R$ 1,5 milhão da LavaJato), mas era um político que fazia eleição com dinheiro, acertando compras de votos com os prefeitos e com os vereadores. A minha geração fazia política assim, desde que eu entrei na Câmara até eu sair.

O esquema, segundo ele, funciona desde os tempos do Império.

— O meu trisavô paterno foi presidente do Parlamentarismo Imperial, foi primeiro-ministro do Brasil. Foi presidente do Banco do Brasil, senador, presidente da Província do Maranhão e de São Paulo. Já naquela época existia, e existia porque o sujeito para se eleger era complicado.

POLÍTICA É NAMORO, NOIVADO E CASAMENTO

O ex-deputado detalha como operava as negociatas. Segundo ele, oferecia a um prefeito, por exemplo, R$ 5 milhões de verbas do Ministério da Agricultura, ligado ao seu partido à época, para construir um matadouro na cidade. Diz que não interferia na empreiteira que faria a obra e não cobrava porcentagem, mas exigia que na eleição o político se comprometesse a lhe garantir votos proporcionais aos valores recebidos pelo município.

— “Quero os votos e não quero gastar dinheiro no seu município. Tá acertado? Tá acertado”, eu dizia. Esse negócio da gente de política é assim, noivado, namoro e casamento. Não tem divórcio. Divórcio na política é tapa na cara — arrematou rindo e alertou: — Se não tiver dinheiro para fazer boca de urna no dia da eleição não se elege. Se não quer fazer isso não se meta nessa atividade.

Mesmo com os maiores escândalos de corrupção do Brasil no currículo, Corrêa brada que, “se deixarem”, ele volta a se eleger deputado federal ou coloca na Câmara quem quiser — e “sem esses esquemas, só com o fundo partidário”. A autoconfiança vem dos favores que fez a políticos das regiões que formavam seus currais eleitorais. O apartamento funcional que usava em Brasília, por exemplo, servia de hospedagem até para desconhecidos. Com a família em Recife, Corrêa só ocupava o próprio quarto e deixava o restante do imóvel à disposição dos aliados.

— Minha casa era assim, meu carro era assim, ficava à disposição do pessoal. Os prefeitos são loucos por mim.

A prova de fogo tardará a vir. Pedro Corrêa tem pelo menos mais um ano de prisão domiciliar pela frente e está proibido de exercer atividades partidária e até mesmo votar, já que é preso. Além disso, se enquadraria na Lei da Ficha Limpa. No entanto, abre um sorriso quando o assunto é a possibilidade da filha Aline, deputada federal por São Paulo entre 2007 e 2015, tentar se candidatar. Ela também foi investigada na Lava-Jato, mas se beneficiou com o acordo do pai.

Durante as cinco horas de entrevista, Corrêa fez raras autocríticas sobre sua vida pública e deixou claro que “só se arrepende do que não fez”. Questionado sobre seus erros, ele não abordou os episódios do mensalão ou os desvios da Petrobras, restringindo as lamentações a escolhas que o comprometeram politicamente, como o voto contra a campanha das Diretas Já, em 1984, e a favor de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, no ano seguinte, em detrimento de Tancredo Neves, que saiu vitorioso.

Questionado reiteradamente sobre arrependimentos pelos casos que o levaram a ser preso, justificou:

— Tenho. Não precisava ter sido presidente do partido. Talvez meu grande erro tenha sido esse. Porque não teria acontecido nada, seria deputado até hoje, podia estar com alguns processos que iam me acusar de ter recebido dinheiro para fazer campanha e eu tinha recebido mesmo. Mas estava aí com processo no Supremo. Ia me eleger mais duas, três vezes e pronto. Mas, por outro lado, eu também fiquei muito feliz quando fui presidente no partido — ponderou Corrêa, nem tão arrependido assim.