O globo, n. 30834, 07/01/2018. País, p. 4

 

As piadas, as manias e os dramas dos colegas de prisão

Bela Megale

01/07/2018

 

 

Corrêa socorreu até quem tentou o suicídio e lembra idiossincrasias de ex-líderes políticos

Todas as noites o exdeputado federal Pedro Corrêa senta-se na cabeceira da mesa de oito lugares para jantar com a família, em Recife. Perto dele, fica a filha, a ex-deputada federal Aline Corrêa, indiciada na LavaJato e, ao lado dela, o genro, Laudo Ziani, que chegou a ficar mais de 90 dias preso com o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral em Benfica. A operação de combate à corrupção afetou diretamente a vida de boa parte dos Corrêa. E foi esse o fator determinante para que o ex-presidente do PP optasse pela delação premiada.

No entanto, o patriarca é o único condenado e que cumpre pena, hoje em casa.

— Aguentei o mensalão inteiro sabendo de tudo, sem falar nada. Mas, desta vez, iam prender meus filhos. Por mim, eu morreria na prisão. Deus já me deu mais do que eu merecia — diz Corrêa.

É com sorriso no rosto, gargalhadas e classificando-se como “bipreso” que Corrêa relembra os mais de três anos que passou nas prisões da Papuda, em Brasília; de Canhotinho, no interior de Pernambuco; e no Centro Médico-Penal e na carceragem da Polícia Federal, ambas no Paraná. Ele chegou ao sistema carcerário em dezembro de 2013, quando foi sentenciado no mensalão e só saiu em março passado, ao obter a permissão para ficar detido em casa depois de três internações hospitalares.

— Não tive momento difícil na prisão. Se eu não tivesse as questões de saúde, não teria problema em estar numa carceragem. Gosto de ler, li muita biografia, muito livro que precisava. Acho que de Canhotinho até aqui foram mais de cem livros — conta o ex-parlamentar, que é diabético, hipertenso e sofre de uma doença pulmonar e insuficiência renal.

Mesmo com a saúde debilitada, era ele o responsável por acudir colegas na carceragem da PF, em Curitiba. Médico por formação, Corrêa socorreu Branislav Kontic, ex-assessor do ex-ministro Antonio Palocci, quando tentou suicídio.

— Ele ia ter morrido. Estava bem pálido, com o pulso fraquinho. Fui ver a caixa dos ansiolíticos e tinha tomado todos os comprimidos. Pedi para chamar a ambulância, para fazer uma lavagem estomacal e tentamos dar café para ele acordar — lembra-se.

Os atendimentos não pararam por aí. De “furúnculo, a cortes na pele, quedas da cama e dores de cabeça”, o ex-deputado conta que tratava de tudo com a maleta de remédios e artigos de primeiros socorros que foi permitido guardar. Hipocondríaco, o empresário Marcelo Odebrecht era quem o chamava com mais frequência, até para verificar a situação de colegas de cárcere.

— Marcelo gosta de um médico, viu? Ele ficava: “Pedro, fulano de tal não tá bem”. Eu dizia: “Tá bem, rapaz”.

“TRÊS RAMBOS”

Caçoar de Marcelo era uma das brincadeiras favoritas de Corrêa na carceragem da PF. O ex-deputado tirava sarro principalmente da mania de organização do companheiro de cela:

— Eu o chamava de “intendente”, porque ele tinha um TOC (transtorno obsessivo compulsivo) com a geladeira. Ele arrumava a geladeira todo dia e eu ia lá e desarrumava (gargalha). “Pô, intendente, a geladeira tá desarrumada”, dizia. Ele ficava louco. Intendente é o cara do Exército que toma conta da comida, das coisas todas. Ele era metódico, mas é uma pessoa simples. Sabe que as filhas dele se vestem com roupas da C&A?

Foi também na carceragem da PF de Curitiba que o ex-parlamentar encontrou, pela segunda vez na prisão, o ex-ministro José Dirceu. Assim como ele, o petista havia sido condenado no mensalão e ambos dividiram cela na Papuda, em Brasília, por uma breve período. A situação voltou a se repetir na Lava-Jato, quando Dirceu foi preso três meses depois de Corrêa.

— Na Papuda tive um estremecimentozinho com o Dirceu, porque ele queria mandar na cela, queria ser um sargentão. Ele gosta de acordar às 5h da manhã, quer dormir cedo, e o pessoal ficava de noite conversando, jogando baralho, dominó. Só tinha uma televisão e a gente ficava assistindo e ele reclamava. Em Curitiba, eu disse: “Você aqui é soldado novo”. Ele riu. É um camarada diferente. Não sei se Dirceu tá mais velho, mas ainda continua com aquele negócio de luta armada, aquela coisa de meninice. Ele não estava mais falando nisso, agora voltou — conta.

Antes de ser levado para Curitiba, Corrêa cumpria o semiaberto no presídio de Canhotinho, onde dividia a cela com dois assassinos e convivia com traficantes, segundo conta. Quando chegou, houve transferências e ele circulava escoltado por policiais.

— Andava com três Rambos com metralhadora. Falei com o diretor do presídio: “Vamos mandar esse povo (policiais) embora”. Daí, pronto, passei a viver bem e nunca ninguém me disse uma graça lá — relata Corrêa, que afirma nunca ter sido ser hostilizado por ser político nem nas prisões e nem nas ruas, mesmo na época do mensalão.