O globo, n. 30834, 07/01/2018. País, p. 9

 

No comando, o filho de Gilmar

Bela Megale

07/01/2018

 

 

Em maio passado, o advogado Francisco Schertel Mendes, de 32 anos, deixou para trás o salário de R$ 30 mil que ganhava como consultor concursado do Senado para assumir a direção do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o principal negócio do pai, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Sem posses e imóveis no seu nome, Francisco usou um empréstimo adquirido pelo próprio instituto no Bradesco para pagar R$ 12 milhões nas cotas do ex-sócio de Gilmar, o procurador da República Paulo Gonet, e se tornar dono do negócio.

Formado em direito pela UnB, com mestrado na mesma universidade e neste momento doutorando na Alemanha, o advogado assumiu a direção da instituição implementando mudanças como a transformação de secretarias físicas por virtuais, demissões, substituição de professores, cortes de bolsas de estudos e aumento de mensalidades em cerca de R$ 700 para 2018. A principal transformação, porém, foi colocar fim aos polêmicos financiamentos externos para eventos da faculdade — um dos focos de críticas a Gilmar Mendes.

Até 2016, recursos injetados por grandes empresas como Caixa e JBS, por exemplo, eram de grande relevância para o IDP e, principalmente, para a realização de eventos no exterior. Só a J&F, controladora da JBS, desembolsou R$ 2,1 milhões ao instituto entre 2015 e 2017. Com a delação premiada dos donos do frigorífico, a ideia de acabar com os patrocínios foi colocada em prática e R$ 650 mil do dinheiro devolvido à empresa dos irmãos Batista.

Na mesma época, a então diretora do instituto que negociava os aportes, Dalide Corrêa, que também dava as cartas na faculdade até o advogado assumir as rédeas, desligou-se após o seu vínculo com os colaboradores virem a público. Advogada, ela assessorou o ministro por mais de 20 anos. Tanto ela quanto Francisco negam que o afastamento tenha relação com o caso. O próprio Gilmar teve uma série de encontros com Joesley Batista, sendo o último deles em abril, no IDP. Mas, questionado, o ministro argumentou que votou contra os interesses da JBS.

As transformações renderam críticas entre parte dos funcionários que apelidaram o novo chefe de “imperador”. Os alunos, porém, têm aprovado. Há sete meses, quando o advogado passou a se dedicar exclusivamente ao IDP, ele se reuniu com estudantes e estimulou a criação de um centro acadêmico e de uma atlética batizada de Pretória. Para celebrar, liberou uma cervejada no 3º andar do prédio apelidado pelos estudantes de “olimpo”, por ser um espaço para professores e direção.

— Todos os alunos tinham a sensação de que o IDP era muito frio, com cara de sala de espera de consultório médico. O lançamento da atlética ajudou a dar um ar de faculdade e o Francisco nos apoiou muito — disse Flávia Taiane de Jesus, organizadora dos eventos da Pretória.

Num sábado de novembro, Francisco calçou as chuteiras depois de dois anos sem pisar num campo de futebol e participou de um campeonato de alunos contra os professores. Depois do jogo, ele se juntou ao grupo para feijoada e chope. Informal, circula pela faculdade de jeans, camiseta polo e tênis e raramente é reconhecido na lanchonete.

As mudanças, segundo ele, visam transformar o instituto em “um centro de excelência em ensino e pesquisa na área das ciências sociais aplicadas”. Quando pensa no futuro, Francisco mira alto e planeja colocar a faculdade no nível das melhores instituições privadas nacionais, como o Insper, que cobra cerca de R$ 4,5 mil de mensalidade pelo curso de economia, carrochefe da entidade. Com o aumento o curso de Direito, o principal do IDP, deve ir para cerca de R$ 2.500 para as alunos que ingressarem em 2018.

Segundo pessoas próximas, a atuação do advogado na faculdade faz parte de uma aproximação que vem acontecendo entre pai e filho. Recentemente, Gilmar chegou a citar os estudos do primogênito na Alemanha durante uma discussão num julgamento no STF. Discreto, Chico, como é conhecido, sempre fala pouco da relação com o pai e evita entrar em debates das polêmicas envolvendo o ministro. Em nota, Gilmar se limitou a dizer que os dois filhos “tem carreiras profissionais e acadêmicas autônomas, a partir dos seus próprios esforços e inclinações, e por meio de aprovações em vestibulares e concursos públicos disputados”.