Correio braziliense, n. 20051, 14/04/2018. Cidades, p. 19

 

A lição que fica com o racionamento

Isa Stacciarini

14/04/2018

 

 

Mesmo após a Barragem do Descoberto ter atingido a marca de 83% do volume útil, o governo prefere esperar a chegada do período da seca para decidir se o racionamento será encerrado. A medição feita ontem demonstrou que falta um metro de altura para o reservatório chegar a 100%, o equivalente a 17%. O de Santa Maria marcou 52,7%. Para tomar a decisão sobre o fim do rodízio, o Executivo local avaliará o uso de água após o fim das chuvas, além de observar a vazão dos afluentes, o consumo e as condições climáticas.

Estimativa da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) aponta que, desde o início dos cortes, decretado em janeiro de 2017 (veja Cronologia), a população reduziu o consumo em 12%. Na casa da servidora pública aposentada Maria Luisa do Nascimento, 55 anos, as crianças aprenderam a economizar. “No banho, a minha sobrinha lembra à mãe dela de que precisa desligar o chuveiro para lavar a cabeça”, conta a moradora do Cruzeiro. Ela comprou dois tambores para captar a água da máquina de lavar. “Uso o que sobra para limpar a varanda e o banheiro e dar descarga. Sempre tive essa consciência, mas o racionamento contribuiu para as pessoas fazerem mais.”

No Guará, Célia Caixeta, 55, também adotou medidas preventivas. Comprou outra caixa-d’água, reduziu a pressão dos registros e adquiriu um galão para aproveitar a água da máquina. “Fica de lição a possibilidade de a gente poder economizar mais do que antes. Para lavar o quintal, aprendi a usar um balde e arrastar a água para os outros cantos da casa”, revela.

Nos comércios, até os empreendimentos que mais dependem da água reduziram o consumo. Em dia de racionamento, a cabeleireira Fabiana Miranda, 35, enche três baldes grandes para trabalhar. Para limpar o estabelecimento, ela reaproveita o que sobra da máquina. “Ou a gente economiza ou fica sem. Eu aprendi a me adaptar e economizar ainda mais, porque, se não, nós não trabalhamos”, explica.

Segundo a Caesb, três medidas contribuíram para a recuperação dos níveis dos reservatórios: o consumo consciente dos moradores, os novos sistemas de abastecimento inaugurados no ano passado e o período intenso da chuva. Segundo o presidente da autarquia, Maurício Luduvice, o Subsistema de Captação de Água do Ribeirão Bananal, na Granja do Torto, e o do Lago Paranoá ajudaram a reduzir a dependência dos reservatórios. “A colocação de água nova foi fundamental. Anteriormente, nós tínhamos o Descoberto e o de Santa Maria. Continuamos com eles, mas, agora, contamos com a inclusão do Bananal, do Lago Paranoá e, em breve, de Corumbá IV, com expectativa de colocá-lo em operação até o fim do ano”, ressalta.

Seca

Luduvice explicou que a Caesb também tem reduzido os índices de perda de água no sistema de distribuição. “Substituímos válvulas de pressão, estamos recompondo a rede e combatendo ligações clandestinas. Estamos colocando água nova no sistema e atacando perdas de distribuição”, destacou.

Além disso, a chuva acima da média desde fevereiro contribuiu para a recuperação dos reservatórios. O superintendente de Recursos Hídricos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Adasa), Rafael Mello, comentou que a primeira projeção indicava 50% do volume útil do Descoberto no fim do período chuvoso, e a segunda, 70%. Para abril, a média de chuva é de 133mm. Até agora, caiu 124mm. “A expectativa é que fique acima da média, mas, a partir da segunda quinzena de abril, a chuva deve diminuir até o início de maio. A seca começa a partir do dia 10 do próximo mês e vai até setembro”, esclarece o meteorologista Hamilton Carvalho, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

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Alerta para a estiagem

14/04/2018

 

 

 

Na avaliação de especialistas, é cedo para suspender o racionamento em razão da seca que se aproxima. O professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Sergio Koide avalia que, ao acabar com o rodízio no fornecimento, a tendência é de que o consumo de água aumente. “O que faz nos lembrar que estamos na crise hídrica é a notícia, toda semana, dos cortes. Na hora em que isso não ocorrer mais, é natural que as pessoas fiquem menos preocupadas”, explica.

Segundo ele,  é necessário que se aguarde o fim do período chuvoso para analisar o comportamento dos rios e, só depois, tomar uma atitude em relação ao racionamento. “Nada pior do que suspender a medida e, depois, ter de retomá-la. A ideia é que os dois reservatórios estejam com água para ser utilizada no período seco. Quando parar de chover é que se terá uma análise do que os rios estão trazendo para as barragens. Só depois desse balanço é que dá para saber se o cenário é propício”, alerta.

Para a professora do Departamento de Geografia da UnB Marília Luiza Peluso, uma ideia seria reduzir o tempo do racionamento para cada duas semanas, mas não acabar com a medida. “Muita propaganda do uso consciente deve trazer o alerta para a população de que, mesmo com as chuvas, não se utilize água mais do que o necessário. A economia é muito importante, porque nós não sabemos como será o período da seca. Por pelo menos quatro meses, teremos pouca ou nenhuma chuva”, ressalta.

Segundo ela, com o assoreamento dos rios que abastecem os reservatórios, é possível que o nível da água reduza com a seca e com o fim do racionamento. “Choveu bastante neste ano, mas, de repente, isso não se repetirá nos próximos períodos. Não significa que, quando chover, os reservatórios voltarão a encher. Os rios precisam também ser recuperados para não superutilizar os poços artesianos”, afirma.