O globo, n. 30833, 06/01/2018. País, p. 3 

 

De quem é a culpa?

Renata Mariz, Vinicius Sassine, Silvia Amorim e Sérgio Roxo

06/01/2018

 

 

No jogo de empurra entre União e estados, especialistas apontam erros dos dois lados

-BRASÍLIA- Criticado pelo governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), pela falta de ajuda federal para conter a crise nos presídios, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, afirmou ontem ao GLOBO que a responsabilidade da União é “absolutamente zero” sobre as rebeliões em duas cadeias no estado, a última na madrugada de ontem. O ministro disse ainda que o governo goiano cometeu “um ilícito” ao não transferir os R$ 44,7 milhões recebidos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) no fim de 2016 para contas específicas, ressaltando que só foram gastos R$ 5 milhões para criação de novas vagas. A pressão de Goiás por ajuda é mais um capítulo na queda de braço entre estados e União por investimentos no sistema prisional. Para especialistas ouvidos ontem, os dois lados são culpados pela falta de ação para reduzir o caos no sistema prisional brasileiro.

Em resposta a manifesto de governadores de sete estados — Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia e Maranhão — em que pedem uma “tomada de providências urgentes por parte do governo federal” na área prisional e de segurança, o ministro divulgou balanço nacional apontando que os estados executaram apenas 4% do total de R$ 1,2 bilhão transferidos do Funpen. Para Torquato Jardim, há um problema de gestão prisional no Brasil, e também em Goiás.

— Zero (responsabilidade sobre a crise em Goiás). Absolutamente zero. Não é da União a gerência dos presídios. O Depen não foi procurado, não foi buscado — afirmou Torquato Jardim.

NEM MESMO CONTA PARA RECEBER O DINHEIRO

Os especialistas argumentam, porém, que, de fato, Michel Temer liberou, em 2016, R$ 1,2 bilhão para investimentos na ampliação do número de vagas para presos. O problema é que o repasse deu-se de forma emergencial, sem que houvesse um planejamento por parte de quem recebeu o dinheiro.

— Os estados precisam ir com calma quando dizem que o problema é só dinheiro. Eles precisam mostrar eficiência na gestão. E a responsabilidade do governo federal não é só mandar dinheiro. Eles têm que coordenar a política de segurança. Senão ficaremos sempre apagando incêndios, como vimos em 2017 — afirmou o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sergio de Lima.

Lima explicou que o dinheiro foi liberado pelo governo federal para evitar que um problema maior caísse no colo de Temer. Liberado de última hora, o recurso encontrou estados despreparados para aplicá-lo de imediato.

— O dinheiro do Funpen foi depositado no fim de 2016 porque, se não fizessem isso, o ministro da Justiça à época e o presidente Temer poderiam incorrer em crime de responsabilidade, o mesmo que derrubou a presidente Dilma Rousseff. Foi um dinheiro liberado não fruto de planejamento, mas à toque de caixa. Quando chegou nos estados, não havia terreno preparado. Deu no que deu. Nesse bate-boca que estamos vendo entre estados e governo federal, todos e ninguém têm razão — disse Lima, advertindo que alguns estados, como Bahia e Ceará, sequer tinham um fundo estadual para receber os recursos do Ministério da Justiça.

Após o registro da terceira rebelião no complexo prisional onde morreram nove detentos em 1º de janeiro, em Aparecida de Goiânia, o secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária de Goiás, Ricardo Balestreri, disse que é preciso “colocar as responsabilidades sobre a mesa”, defendendo que presos por narcotráfico fiquem sob custódia da União, proposta, por ora, descartada pelo ministro da Justiça.

Os governadores fizeram cinco propostas, entre elas a criação de um Fundo Nacional de Segurança Pública com recursos não contingenciáveis. Para Torquato, a medida é “absolutamente inviável” e faz parte de “um discurso político” comum em momentos de crise.

— Qual é o administrador público que não quer um fundo exclusivo para suas tarefas que não seja contingenciável? Todos nós queremos. Mas esta não é a realidade orçamentária. A minha surpresa é que sete governadores, que conhecem a administração pública, façam uma proposta dessa, que é completamente irrealizável. Compreendo o discurso político deles, compreendo a motivação política, mas do ponto de vista da gerência do orçamento público eles sabem melhor do que eu que a proposta é absolutamente inviável — afirmou o ministro.

Ao ser questionado sobre se considera grave o fato de o governo de Goiás não ter feito a transferência do dinheiro do Funpen para contas específicas do Banco do Brasil indicadas pela pasta, o que permitiria o controle maior dos gastos, o ministro da Justiça respondeu:

— Isto é um ilícito na Lei de Respon sabilidade Fiscal (LRF) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) — afirmou o ministro.

APOIO NECESSÁRIO POR RAZÃO “MORAL”

Sobre as declarações do ministro da Justiça, o governo de Goiás sustenta que a União não tem responsabilidade “exclusiva”, mas “de fundo” sobre a questão penitenciária. Além disso, segundo o governo, o valor repassado — R$ 44,7 milhões — é insuficiente para a construção de presídios. O governo federal deveria contribuir mais, por “razões de ordem moral”, segundo a área de segurança pública.

Em relação à afirmação de que o governo de Perillo infringiu a LRF, ao não transferir o dinheiro do Funpen a contas específicas, o governo afirma desconhecer esse aspecto. Diz ainda ignorar a existência de pendências nos projetos de construção de presídios. As obras em Anápolis e Planaltina de Goiás seguem dentro do cronograma, conforme o governo.

Guaracy Minguardi, analista criminal e também integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acredita o não uso da verba é resultado de falhas tanto do governo federal como dos estados.

— Tem erro dos dois lados. Há burocracia de um lado e inoperância de outro.

Minguardi explica que, em geral, existem muitos empecilhos impostos pelo governo federal para dar aval para a saída do recurso.

— São tantas exigências para liberar o dinheiro, que atrapalha. A quantidade de normas no projeto de um presídio muitas vezes impede que os estados consigam seguir ao pé da letra. E além disso, os governos estaduais, principalmente nos estados menores, não sabem usar o dinheiro.

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) do Rio informa que o plano para a aplicação de recursos do Funpen, que será destinado a investimentos de obras de construção, reforma e aparelhamento, por exemplo, já foi encaminhado e há processo em fase licitatória.

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A farra do pó dentro da cadeia

06/01/2018

 

 

Polícia gaúcha investiga festa com mesa completamente tomada por carreiras de cocaína

Um detento anuncia para pelo menos outros 40 homens acotovelados em um corredor, aguardando para cheirar cocaína no maior presídio do Rio Grande do Sul: — Tá na mão já!

O vídeo escancara a farra das drogas no Presídio Central de Porto Alegre. Na última quarta-feira, a Brigada Militar (BM), como a polícia militar é chamada no estado, abriu um procedimento administrativo disciplinar (PAD) para apurar a festa dos presos de uma facção criminosa do Vale do Sinos, na Região Metropolitana da capital.

No final de um galeria, em cima de uma mesa quadrada, pelo menos 120 carreiras estão distribuídas em seis fileiras para o consumo dos detentos. Nas mãos dos presidiários, três aparelhos celulares são identificados, além daquele utilizado para a gravação.

Um desses vídeos acabou nas mãos do comando da BM no Presídio Central, há três dias. Em quase dois minutos, pelo menos 12 detentos consomem a droga, incentivados por outros que estão assistindo.

A BM analisa o vídeo para verificar em qual pavilhão do presídio foi feita a gravação, a data e, principalmente, quem são os envolvidos — durante a filmagem, as risadas e o barulho são altos.

A reportagem apurou que o vídeo seria de outubro de 2017, e teria sido gravado na terceira galeria do Pavilhão B. A BM informa que, após confirmar todos os fatos e identificar os presos envolvidos, vai adotar medidas, como transferências e procedimentos administrativos para cada um dos detentos.

A Brigada ressalta que segue o trabalho diário com inspeções e revistas, além de realizar grandes operações, como já ocorreu no final do ano passado. Essas ações resultaram na apreensão de cerca de mil celulares, quase 15 quilos de drogas e pelo menos 500 armas artesanais.

OUTRO CASO, EM 2014

O Presídio Central tem atualmente 4,7 mil detentos. Em 2014, outro vídeo que foi tornado público mostrou presos cheirando cocaína no mesmo presídio. Na ocasião, o caso teria ocorrido na primeira galeria do Pavilhão B.