Correio braziliense, n. 20059, 22/04/2018. Política, p. 3

 

Os riscos da fragmentação

Luiz Carlos Azedo

22/04/2018

 

 

O culto a João Fernandes Vieira (reinol), André Vidal de Negreiros (nobre da terra), Felipe Camarão (Tupi) e Henrique Dias (negro), que se juntaram para expulsar os holandeses sem qualquer ajuda da metrópole, surgiram na narrativa dos anais da Câmara de Olinda (PE), segundo Evaldo Cabral de Melo. Como destaca o jornalista, historiador e cientista político Jorge Caldeira, autor do monumental História da riqueza no Brasil, essa é a gênese da ideia de uma pátria formada pela aliança de grupos étnicos na luta contra a dominação estrangeira. Não por acaso, a Batalha de Guararapes (18 e 19 de abril de 1648) é o marco fundador do Exército como guardião das fronteiras e da União.

Não existia o brasileiro nessa época, havia pernambucanos, baianos, gaúchos, paulistas etc. Uma das mais antigas referências ao gentílico “brasileiro”, segundo Caldeira, aparece graças a um quadro do pintor holandês Albert Eckhout encomendado por Maurício de Nassau por volta de 1647. Numa tela quadripartida, são vistos quatro casais: o homem e a mulher tapuia; a mulher e o homem africano; o mulato e a mameluca; e o homem e a mulher brasileira, o primeiro com roupas brancas cobrindo a cintura, uma cabaça de água e um cesto, com uma bananeira e um engenho ao fundo; a mulher brasileira é uma índia tupinambá aculturada. Esse é o arquétipo do amalgamento étnico que viria a caracterizar a nação brasileira.

Se o Brasil comemora hoje 518 anos, o brasileiro tem menos de dois séculos. É uma invenção inspirada na Inconfidência Mineira pelo iluminismo do santista José Bonifácio de Andrade. Até então, por causa das minas e da necessidade de manter sob controle a colônia, havia o Brasil dos portugueses, que controlavam o litoral (frei Vicente Salvador comparou-os aos caranguejos: “Contentam-se em andar arranhando o mar”), e o Brasil do sertão, que Caldeira redescobre em seu livro como um território com enorme potencial econômico e vida política própria, mas fragmentado pela estratégia de domínio da Corte.

Nossa integridade territorial deve-se em grande parte à estratégia adotada por Alexandre de Gusmão ao negociar com a Espanha o Tratado de Madri (1750), no reinado de D. João V. Uniu no mapa todos os pontos citados em documentos que assinalavam a presença de aldeias tupis e vilas e traçou uma linha imaginária do sudoeste da Amazônia ao norte de Mato Grosso. A fragmentação político-administrativa foi obra do Marquês de Pombal. No reinado de D. José, no qual pontificou, criou-se o vice-reino do Maranhão e Grão-Pará; dividiu-se a capitania de São Paulo, criando as de Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande; apartou-se o Ceará e a Paraíba de Pernambuco. São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás já eram governados por representantes da Corte, desde que D. José havia recomprado São Vicente, neutralizando pouco a pouco o domínio dos bandeirantes paulistas.

O regresso

Defenestrado do governo por Dom Pedro logo após a Independência, José Bonifácio viria a ser o grande artífice político da manutenção da integridade territorial e da formação de um Estado nacional viável: “É da maior necessidade ir acabando com tanta heterogeneidade física e civil. Cuidemos, pois, desde já, em combinar sabiamente tantos elementos discordes e contrários, em amalgamar tantos metais diversos, para que saia um todo homogêneo e compacto, que não se esfarele ao toque de qualquer convulsão política”, propôs o então deputado constituinte, como destaca Caldeira.

Não foi um processo fácil, em razão do projeto de reunificação da Coroa acalentado por D. Pedro e, sobretudo, devido à escravidão. As forças centrífugas eram exercidas sobretudo pela Corte portuguesa, pela Inglaterra e pelos traficantes de escravos. O resultado foi uma estrutura de poder que perpetuou privilégios e desigualdades e teve que recorrer à força para manter a integridade territorial, como na Cabanagem, na Confederação do Equador e na Revolução Farroupilha, entre outras revoltas e rebeliões. O ideal de igualdade dos iluministas acabou em segundo plano na Constituição liberal de D. Pedro I (1824).

O Brasil dos brasileiros resulta desse processo, sustentado pela força das armas e pela política de conciliação entre as elites. Parece consolidado, mas sofre permanente desgaste e corre risco de fragmentação política sempre que a União se desgarra da sociedade, como agora. Desde as eleições de 2002, o Brasil setentrional é vermelho; o meridional, azul. Nestas eleições, essa divisão parece se aprofundar, com o surgimento de candidaturas de caráter regional: o paranaense Álvaro Dias, no Sul; o cearense Ciro Gomes, no Nordeste; Alckmin aparece confinado entre os paulistas. E por projetos regressistas de caráter populista, com Bolsonaro, à direita; e Lula (que não pode ser candidato), à esquerda. 

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Meirelles entra em jogo

Rosana Hessel e Hamilton Ferrari

22/04/2018

 

 

UM PAÍS SOB TENSÃO » Ex-ministro da Fazenda lança site com a agenda de compromissos e conclui convocação de equipe para estruturar a campanha ao Palácio do Planalto

O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles pretende dar a largada na campanha da pré-candidatura para a Presidência da República pelo MDB a partir desta semana. Hoje está previsto para entrar no ar um novo site com a agenda dos compromissos de Meirelles, que conclui a montagem da equipe para pôr o pé na estrada e partir para o corpo a corpo com os eleitores. De acordo com pessoas próximas, ele reservou R$ 5 milhões do patrimônio pessoal para custear a equipe e a campanha. No entanto, Meirelles não confirma esse montante. “Ainda estou calculando. Estou na fase das conversas”, afirma ele, em entrevista ao Correio por telefone durante uma viagem ao exterior.

O ex-ministro conta que, quando retornar ao país, definirá os nomes, inclusive do marqueteiro da campanha. Alguns publicitários foram cogitados, como Duda Mendonça, responsável pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, e Chico Mendez, que fez as campanhas do candidato centro direitista Henrique Capriles para a Presidência da Venezuela em 2012, do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral e do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes. Meirelles, no entanto, prefere manter segredo sobre as conversas.

Ele escolheu a equipe de imprensa, por exemplo. “Os demais, definirei no início da próxima semana”, avisa, acrescentando que está em conversas com outros dois funcionários do gabinete da Fazenda para assessorá-lo no dia a dia do escritório. O quartel-general da pré-candidatura já está definido e será em Brasília. O MDB cedeu um escritório para Meirelles e seus auxiliares trabalharem na sede do partido e da Fundação Ulysses Guimarães (FUG), em uma mansão de dois andares no Lago Sul. A partir do dia 23, o ex-ministro ocupará uma sala ao lado da presidência do MDB, que era do novo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, e atual presidente da FUG. A montagem e a instalação de computadores e telefones de Meirelles e dos assistentes, no segundo andar da mansão, onde há quatro escritórios voltados para a rua, foi concluída na semana passada.

Trajetória

Apesar de aparecer com apenas 1% nas pesquisas de intenção de voto mais recentes, mesmo com a eventual saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Meirelles demonstra confiança de que esse cenário poderá ser revertido quando as campanhas começarem efetivamente. “A pré-campanha está em uma fase muito preliminar e os nomes mais conhecidos são mencionados nas pesquisas com mais frequência. Mas esta eleição ainda está em aberto e o quadro deverá ser revertido na medida em que eleitores tenham conhecimento do histórico dos diversos candidatos”, afirma.

A campanha de Meirelles será tocada em paralelo à do presidente Michel Temer, que, apesar da rejeição de 70% e da ameaça de uma terceira denúncia de corrupção da Procuradoria-Geral da República (PGR), não descartou a possibilidade de concorrer, o que, para analistas, é uma forma de mostrar que o MDB está na disputa para a presidência e, assim, facilita as alianças.

Natural de Anápolis (GO) e formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Meirelles tem uma trajetória de sucesso no setor privado, pois chegou a ser o presidente mundial do Bank Boston, um dos maiores bancos norte-americanos à época. Em 2002, foi o deputado federal mais votado de Goiás, com mais de 183 mil votos, mas abandonou o mandato para aceitar o convite do então recém-eleito presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva para presidir o Banco Central, cargo que ocupou durante os oito anos do mandato do petista.

Entre seus auxiliares, Meirelles é visto como um profissional pragmático e dedicado. Era comum ele mandar aos subordinados mensagens via WhatsApp às 23h da noite ou às 7h da manhã. “Tinha um ritmo de trabalho que nenhum de nós conseguia acompanhar”, revela uma fonte próxima. Ela confessa que se impressionou com a forma que Meirelles trabalhava, pois, quando não havia consenso após 20 ou 30 minutos de discussões, ele tomava para si a decisão. “É muito bom ver isso em um gestor no setor público”, destaca.

Quando retornou a Brasília, em 2016, para assumir a Fazenda a convite de Michel Temer, voltou a morar na mesma casa que alugou quando foi presidente do Banco Central, no Lago Sul, onde viveu entre 2003 e 2011. Entre os vizinhos, Meirelles é visto como reservado, ocupado e simpático, pois cumprimenta a todos.

O ex-ministro está confiante na campanha e aposta em sua trajetória de sucesso para superar os demais pré-candidatos. Para ele, a população, aos poucos, começará a diferenciar os que têm discurso fácil e bombástico dos que entregam resultados. Meirelles utiliza as redes com regularidade. No Twitter, onde tem pouco mais de 44 mil seguidores, reforça os bons resultados da economia após a gestão de Dilma Rousseff, que mergulhou o país em uma recessão por dois anos.

Na última sexta-feira, tuitou sobre os últimos dados do Cadastro-Geral de Empregos (Caged), do Ministério do Trabalho, que mostraram a abertura de 56,1 mil vagas em março. “Na crise criada pelo governo anterior, nos anos de 2015 e 2016, foram destruídos 2,8 milhões de empregos no Brasil. Agora, apenas nos três primeiros meses de 2018, já estamos com um saldo positivo de mais de 204 mil vagas”, afirma.

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Campanha paralela à de Temer

22/04/2018

 

 

A campanha da pré-candidatura de Henrique Meirelles no MDB será tocada em paralelo à do presidente Michel Temer.

Para o diretor-geral para as Américas do Eurasia Group, Christopher Garman, tanto Temer quanto Meirelles têm pouquíssimas chances de serem competitivos na corrida eleitoral devido à taxa de aprovação do governo ser muito baixa, de apenas 9%. “Para um candidato à Presidência começar a ser competitivo, ele tem que ter uma taxa de aprovação de mais de 30% e, para fazer um sucessor, de mais de 40%”, explica.

Especialistas reforçam que a campanha deste ano será totalmente diferente das demais porque será muito mais curta e o fato de os partidos de centro ainda não terem um candidato forte nas pesquisas pode comprometer as chances de eles terem uma vaga no segundo turno. O tempo de TV não será tão decisivo como antes, como aposta o governo, que é quem deve ter mais minutos no ar. “O tempo de TV é importante, mas está sem parâmetro e não será tão decisivo como sempre foi. Tem muita coisa acontecendo na internet”, destaca a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Petterson Institute for International Economics.