O globo, n. 30833, 06/01/2018. País, p. 4

 

Pagamento de dívida trabalhista de ministra sai de conta de assessora

Juliana Castro

06/01/2018

 

 

Dinheiro é usado para quitar acordo de Cristiane Brasil com ex-motorista

O dinheiro usado para pagar as parcelas de uma dívida trabalhista que a futura ministra do Trabalho, Cristiane Brasil, tem com um ex-motorista tem saído da conta bancária de uma funcionária lotada em seu gabinete na Câmara. O ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo) disse ontem que o Planalto não vai recuar da nomeação da deputada por causa da condenação dela em uma ação trabalhista, e que a posse será na próxima terça-feira.

Cristiane foi processada na Justiça trabalhista por dois exmotoristas que alegaram não ter tido a carteira assinada enquanto eram empregados dela, conforme divulgou a TV Globo. Uma das ações foi movida por Leonardo Eugênio de Almeida Moreira e, nesse caso, a nova ministra fez um acordo para pagar a ele R$ 14 mil, divididos em dez parcelas que começaram a ser repassadas em maio do ano passado.

O advogado do motorista, Carlos Alberto Patrício de Souza, notou que têm saído mensalmente da conta bancária de Vera Lúcia Gorgulho Chaves de Azevedo — e não de Cristiane — os R$ 1,4 mil mensais. O GLOBO confirmou que Vera Lúcia é funcionária do gabinete de Cristiane Brasil.

— É um absurdo. O dinheiro sai da conta dessa pessoa e entra na do escritório (para ser repassado ao motorista) ao invés de sair da conta da Cristiane Brasil. Cabe à ministra esclarecer os motivos pelos quais uma assessora parlamentar efetua o pagamento, cuja devedora é a própria ministra — disse o advogado.

Na ação trabalhista, Leonardo relatou ter trabalhado para Cristiane de junho de 2014 a outubro de 2015. Inicialmente, a defesa da ministra negou que o motorista tivesse sido funcionário dela. No entanto, Cristiane fez um acordo com Leonardo na primeira instância, tempos depois que a ministra já havia sido derrotada em outro processo trabalhista.

Leonardo disse ter ficado indignado com a nomeação de Cristiane para o ministério do presidente Michel Temer:

— Quando vi que ela estava sendo nomeada, achei irônico. Fiquei indignado. A pessoa não garante os direitos de quem trabalha para ela, como vai garantir o direito de todos os trabalhadores?

DONA DA CONTA É DO PTB

A dona da conta de onde sai o dinheiro para pagar a dívida trabalhista é filiada ao PTB e recebe da Câmara um salário líquido de R$ 10,8 mil. Também é mãe de Carolina Chaves, que sucedeu Cristiane na Secretaria de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida na gestão Eduardo Paes. Atualmente, Carolina é diretora-geral do Arquivo Nacional, por indicação da futura ministra.

Além de Leonardo, o outro motorista que entrou com ação contra Cristiane foi Fernando Fernandes Dias. Foi nesse caso que a ministra do Trabalho foi condenada a pagar R$ 50 mil. Ele contou ter recebido uma ligação de uma assessora de Cristiane, pedindo que ele não desse entrevista e prometendo pagar o valor devido. Fernandes se disse indignado com a nomeação da antiga patroa:

— Acho que ela não deveria assumir esse cargo.

A escolha de Cristiane para o Ministério do Trabalho foi anunciada pelo ex-deputado Roberto Jefferson, pai dela e presidente do PTB. Jefferson chegou a chorar ao conversar com jornalistas, dizendo que a indicação da filha é um resgate ao nome da família, doze anos depois de eclodir o mensalão. Responsável por denunciar o escândalo e réu confesso, ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e passou 14 meses preso.

Em nota, Cristiane diz que “contestou ambas as acusações por entendê-las injustas, porém respeita as decisões dos magistrados, pois fazem parte do processo democrático e dos princípios constitucionais”. Sobre o pagamento das parcelas feito por meio da conta de sua funcionária, a ministra disse que Vera Lúcia é chefe de seu escritório político no Rio e que a representou na audiência. De acordo com a assessoria, por esse motivo, a deputada “entendeu que o dever de garantir o cumprimento do acordado em termos de pontualidade nos pagamentos cabia a ela”.

“Assim, por estar representando a deputada e por mera questão de praticidade, cadastrou a despesa na sua conta pessoal para transferência automática a fim de evitar quaisquer atrasos. Importante ressaltar que os valores pagos são reembolsados pela deputada, restando quitadas ambas as despesas judiciais e pessoais".

Vera Lúcia está de férias e não foi localizada pela reportagem.

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Quando um escândalo reabilita o outro

Maria Lima e Patrícia Cagni

06/01/2018

 

 

Mensaleiros ganham protagonismo com instabilidade da base parlamentar de Temer

-BRASÍLIA- Refém de votos no Congresso para aprovar as reformas e enterrar as duas denúncias da Procuradoria Geral da República (PGR) que poderiam lhe custar o mandato, o presidente Michel Temer acabou dando protagonismo a excondenados no escândalo do mensalão. O caso mais emblemático foi o do presidente do PTB, Roberto Jefferson, denunciante do esquema e condenado a 7 anos e 14 dias de prisão, que nomeou a filha, deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), ministra do Trabalho.

Afastado da presidência do PR — antigo PL — desde que foi envolvido no mensalão, em 2005, o ex-deputado Valdemar Costa Neto jamais perdeu poder na legenda. Mesmo após condenação a 7 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, continuou indicando ministros nos governos do PT. Mas foi com Temer que conseguiu ser formalmente reabilitado.

No ano passado, no auge da votação da denúncia contra o presidente na Câmara, foi chamado ao Jaburu para que ajudasse a cabalar votos para enterrar o pedido de afastamento da PGR.

— Temer estava com a cabeça na guilhotina, precisava dos 38 votos do PR. Ninguém tem melhor o mapa dos votos do PR na cabeça do que Valdemar. Ele foi bem tratado no governo Dilma e agora é bem tratado também no governo Temer — diz um dos companheiros de Valdemar no PR.

E o apoio não saiu de graça. A contrapartida, oficializada no dia da votação da segunda denúncia contra Temer na Câmara, foi um pleito antigo do PR, cujo ministro, Maurício Quintela, comanda a pasta de Trasportes: a reabertura do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, para voos de longa distância; e a retirada do aeroporto de Congonhas do cardápio de concessões.

A força do presidente do PTB, Roberto Jefferson, também é o resultado da reciprocidade. Como presidente do PTB, ele tomou a dianteira e levou o partido a ser o primeiro a fechar questão pela aprovação da reforma da Previdência. Também defendeu, publicamente, que nenhum partido da base acolhesse os infiéis da reforma. Na votação das denúncias contra Temer, Jeffer sone afilha encabeçaram os encaminhamentos a favor da rejeição.

Além de Valdemar e Roberto Jefferson, condenado igualmente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, adversários políticos de Temer dizem que o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, condenado no petrolão a 15 anos e quatro meses por corrupção passiva e pela solicitação e recebimento de vantagem indevida, continua influente no governo eéo res pon sável pela indicação do novo ministro da Secretaria de Governo, o deputado Carlos Marum.

O secretário de Comunicação da Presidência, Márcio de Freitas, argumenta que Jeffer sone Valdemar já cumpriram suas penas e estão reabilitados para funções políticas, eque“não reconhecer que estão aptos a exercer normalmente suas funções seria um contrassenso à legislação vigente”.