O globo, n. 30880, 22/02/2018. País, p. 6

 

Detentas grávidas celebram mudança no regime penal

Gabriela Varella

22/02/2018

 

 

Presa com bebê no carnaval, Jessica diz que seu caso estimulou STF

-SÃO PAULO- Uma semana após ficar presa com o filho recém-nascido em uma cela no 8º DP (Brás), em São Paulo, Jessica Monteiro, de 24 anos, assistiu à repercussão do julgamento que concedeu habeas corpus a cerca de 4,5 mil presas provisórias que estão grávidas ou com filhos de até 12 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) anteontem. Agora, a regra é que elas fiquem em prisão domiciliar. Jessica acredita que a decisão foi impulsionada pela polêmica do seu caso.

— Estou feliz e espero que isso venha para o bem, para que essas mães possam sair e ficar com os filhos. Muitas choraram as mesmas lágrimas que eu.

Uma de suas familiares, Carla Monteiro, de 34 anos e mãe de duas crianças, acompanhou a peregrinação de Jessica desde o início, e afirmou que a concessão do habeas corpus foi uma grande vitória.

— Muitas mulheres vão ter a oportunidade de cuidar dos filhos em casa. Ficar junto com as famílias, como Jessica.

Jessica recebeu O GLOBO ontem, após mudar-se para uma nova ocupação em um galpão na região central de São Paulo. O lugar, segundo ela e o marido Jefferson Oliveira, de 22 anos, é mais seguro — mas não é o ideal.

— Quero um lar para os meus filhos. Enquanto não posso voltar a trabalhar, vou ficar aqui e aguardar o meu julgamento — diz ela, que parou de estudar na sexta série.

Outras prisões já foram reconhecidas como ilegais pela Justiça, e também substituídas pela domiciliar, conforme o Marco Legal da Primeira Infância, que alterou o Código de Processo Penal em 2016. Jaqueline Chagas Santana, de 24 anos, prestou depoimento na polícia em janeiro de 2016, desacompanhada de um advogado, por acusação de portar 500g de maconha. Ela diz que não foi avisada de que deveria informar seu paradeiro à Justiça. Foi presa por mudar de endereço, no mesmo bairro onde morava, já grávida e com uma filha de 3 anos, em outubro. O Tribunal de Justiça considerou sua prisão ilegal. Ontem, ela deixou a Penitenciária de Pirajuí, no interior paulista.

— Fiquei muito feliz, porque eu tinha medo de ter o meu bebê na cadeia. A minha filha mais velha ficou doente desde quando a gente se encontrou.

Um caso parecido foi o de Berta Lúcia Pereira da Paz, de 26 anos, presa em flagrante com o marido em agosto de 2016 por tráfico de drogas, com 30g de maconha. Estava grávida de 7 meses, e teve prisão preventiva domiciliar concedida pela Justiça. Acabou sendo condenada a dois anos e seis meses. Com pouco mais de um ano em casa e com uma filha de dez meses, voltou à cadeia.

— Abalou muito o meu emocional, porque minha filha estava amamentando. Perdi o primeiro passo, a primeira fala. Quando voltei, ela não me reconheceu. Chorou quando fui pegá-la no colo. Foi bem dolorido. Até hoje, ainda chama a avó de mãe, porque foi a minha mãe quem cuidou da minha filha.

Segundo o advogado Guilherme Carnelós, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a concessão de prisão domiciliar não serve apenas para proteger a mãe:

— Não é uma proteção para a mãe, é um benefício para o filho. O espírito do marco legal da primeira infância é proteger a criança — afirma Carnelós.