O globo, n. 30886, 28/02/2018. País, p. 4

 

Dodge muda entendimento da PGR e pede investigação sobre Temer

Carolina Brígido 

28/02/2018

 

 

Procuradora quer apurar caso anterior à posse do peemedebista

-BRASÍLIA- A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a inclusão do presidente Michel Temer como investigado no inquérito que apura o suposto pagamento de propina pela Odebrecht para, em troca, receber tratamento privilegiado da Secretaria de Aviação Civil. O inquérito foi aberto há um ano para investigar os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência da República). A decisão de incluir ou não Temer caberá ao relator da LavaJato, o ministro Edson Fachin.

A investigação foi aberta a partir do depoimento de seis delatores da Odebrecht. “Os referidos colaboradores apontaram, em declarações e provas documentais, que integrantes do grupo político liderado pelo presidente da República Michel Temer e pelos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco teriam recebido, em 2014, recursos ilícitos da Odebrecht em contrapartida ao atendimento de interesse deste grupo pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, órgão titularizado pelos dois últimos investigados sucessivamente entre os anos de 2013 e 2015”, escreveu Dodge.

DIVERGÊNCIA COM JANOT

A procuradora-geral citou o depoimento de Cláudio Melo Filho para defender a inclusão de Temer no inquérito. Ela lembrou que o delator citou um jantar realizado no Palácio do Jaburu, com a participação do então vice-presidente, supostamente para discutir a divisão de valores destinados ao PMDB. Segundo depoimento de Melo Filho, citado pela PGR, “Eliseu Padilha seria encarregado de entabular tratativas com agentes privados e decentralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht" e que “falava em nome do vice-presidente”.

Dodge discordou do entendimento de seu antecessor, Rodrigo Janot, que excluiu Temer da investigação com o argumento de que a Constituição não permite que o Presidente da República, na vigência de seu mandato, seja “responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções".

A atual procuradora considera que Temer pode ser, sim, investigado, mesmo que não possa haver uma responsabilização enquanto ele estiver no cargo. Dodge alega que as apurações devem ocorrer de forma mais próxima possível dos fatos, para que registros e filmagens não sejam descartados e testemunhas não se esqueçam de detalhes.

“A apuração dos fatos em relação ao Presidente da República não afronta o art. 86-§ 4° da Constituição. Ao contrário, é medida consentânea com o princípio central da Constituição, de que todos são iguais perante a lei, e não há imunidade penal”, escreveu Dodge.

Para Raquel Dodge, a investigação dos fatos é uma forma de evitar que as provas se percam no tempo. “Há inúmeros exemplos de situações indesejáveis que podem ser causadas pelo decurso do tempo, como o esquecimento dos fatos pelas testemunhas, o descarte de registros, a eliminação de filmagens, entre outros, a ocasionar, desnecessariamente, o que a doutrina denomina de ‘prova difícil’”.

Assim como fez a PF, Dodge pediu a prorrogação do inquérito por mais 60 dias, para que sejam ouvidas testemunhas — entre eles, o doleiro Lúcio Funaro e o empresário Marcelo Odebrecht.

O ministro Carlos Marun, da Secretaria de Governo, disse ontem que o pedido da procuradora-geral é mais uma investigação que “se acontecer, vai resultar em nada".

— É mais uma investigação que se acontecer vai resultar em nada, até porque, pelo que parece, esse jantar (citado em depoimento de delatores) aconteceu antes até do momento em que o presidente chegou ao comando do país. Tenho até dificuldade de entender a lógica que baseia hoje a tomada dessas decisões.

Outro inquérito, que apura irregularidade no decreto sobre o setor de portos e que tem Temer como um dos investigados, teve pedido de prorrogação por 60 dias aceito pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF.